Gramatigalhas

Ribeirão Preto: Quem nasce lá é o quê?

Ribeirão Preto: Quem nasce lá é o quê? Professor esclarece a dúvida.

18/3/2015

O leitor João Batista Leonel Ghizoni envia à seção Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Bom dia! Em consulta sobre a expressão 'não só mas também', vi que, entre outros blogues, o seu menciona o assunto. A resposta me satisfez. Não era concordância verbal que eu buscava, e sim se havia ou não vírgula antes da segunda parte da expressão. Por outro lado, chamou-me a atenção o nome da Associação a que o autor do blogue pertence, em especial a palavra 'ribeirãopretana'. Gentílico derivado de substantivo de duas ou mais palavras leva hífen, não é verdade? E a segunda parte desse gentílico devia ser 'pretense', não? Agradeço desde já por uma resposta."

1) Um leitor verificou que o autor destas linhas pertence a uma academia de letras jurídicas. E, a partir dessa leitura, faz duas indagações: a) o correto é ribeirãopretano ou ribeirãopretense?; b) a grafia é com hífen ou sem?

2) Um adjetivo como esse, denominado pátrio, é conceituado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira como aquele "que se refere a continente, país, região, estado, cidade, província, vila, povoado".1 Com ligeira alteração de significado, pode ele também ser denominado adjetivo gentílico ou relativo.

3) É nessa esteira que vem a pergunta do leitor: quem nasce em Ribeirão Preto é o quê? E, em seguida: os elementos desse adjetivo composto são separados por hífen ou não?

4) Tudo isso, na prática, significa escolher entre as formas de extenso rol de possibilidades teóricas: ribeirãopretano, ribeirão-pretano, ribeirãopretense, ribeirão-pretense, ribeiropretano, ribeiro-pretano, ribeiropretense, ribeiro-pretense, riberopretano, ribero-pretano, riberopretense, ribero-pretense.

5) Para isso, em primeiro lugar, é importante estabelecer o princípio de que a lei delega à Academia Brasileira de Letras a autoridade para definir quais são os vocábulos que integram oficialmente nosso léxico, e ela exerce essa delegação por via da edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Essa autoridade abrange também definir a grafia dos vocábulos, sua pronúncia, gênero, categoria gramatical, etc.

6) Com essa premissa, releva anotar, em continuação, que o VOLP registra apenas as seguintes grafias para o adjetivo gentílico buscado pelo leitor: ribeirão-pretano, ribeirão-pretense e ribeiro-pretano.2

7) Faça-se, então, uma primeira observação. Pelos critérios adotados pelo Acordo Ortográfico de 2008 – que não cabe nesta oportunidade discutir ou polemizar – todas as formas registradas pelo VOLP como corretas trazem hífen, de modo que se excluem as possibilidades de junção dos dois elementos sem o mencionado sinal diacrítico.

8) Adicione-se uma segunda observação. Essas são as formas de grafia autorizadas para o mencionado vocábulo, sem outras possibilidades. Pode-se argumentar que, tecnicamente, nada impediria a admissão, por exemplo, de ribeiro-pretense. Todavia, se o VOLP não a autoriza, essa forma não existe no idioma. Pode ser que, em futura edição, a ABL venha a absorvê-la e adotá-la como correta. Então se haverá de inseri-la no léxico oficial. Não, porém, por agora.

9) E se ultime com uma terceira observação, a partir do seguinte fato: Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira não registra ribeirão-pretense3, e o dicionário da Melhoramentos traz ribero-pretano.4 Ou seja: o primeiro omite forma registrada pelo VOLP, enquanto o segundo faz constar outra não adotada por ele. Sem demérito para o inestimável trabalho desempenhado, no campo da ciência, em prol do vernáculo, pelos dicionaristas, é importante fixar que eles não detêm a autoridade legal para definir as questões do idioma, e sim a ABL. Desse modo, em caso de divergência, há de prevalecer o que esta última diz e determina.

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1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 57.

2 Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2. ed., reimpressão de 1988. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999, p. 722.

3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.842.

4 Companhia Melhoramentos de São Paulo. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 14. ed., São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1975, p. 1.517.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.