Gramatigalhas

Óptica ou Ótica?

Óptica ou Ótica? O Professor esclarece a dúvida.

30/4/2014

O leitor M.A. envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:

"Dr. José Maria da Costa: Ouvi dizer que 'ótica' é coisa de quem ouviu dizer mesmo. Porque aquilo que se vê é 'óptico', com 'p' e pronto, acabou. São duas as dúvidas. Uma, se é errado o uso de 'ótica' para aquilo que se refere à visão ou a ponto de vista. A outra, se se pronuncia o 'p' de 'óptica'."

1) Um leitor traz duas dúvidas sobre um mesmo assunto: (i) se existe alguma diferença entre óptica e ótica, ou se são ambas sinônimas; (ii) se, em óptica, o "p" é pronunciado ou não.

2) Óptica vem do grego (optiké), passando pelo latim tardio (optice) e significa: a) como substantivo, a ciência relacionada aos fenômenos da visão; b) ou o estabelecimento onde se fabricam e/ou se vendem instrumentos ópticos, sobretudo óculos ou lentes; c) ou, ainda, em sentido figurado, ponto de vista, ou ângulo pelo qual se vê uma questão; d) ou, por fim, como adjetivo, algo relacionado à visão. Exs.: (i) "O oftalmologista trazia consigo um tratado de Óptica"; (ii) "Havia uma óptica na esquina de minha casa"; (iii) "A óptica dos românticos é um tanto quanto peculiar"; (iv) "O que ele pensou ter visto foi uma ilusão óptica".

3)ótica, que também vem do grego (otikós), significa: a) como substantivo, ciência da audição; b) ou, como adjetivo, algo relacionado à audição. Ex.: (i) "O otorrinolaringologista havia sido reprovado exatamente em Ótica, uma das cadeiras de seu curso universitário"; (ii) "Uma forte dor de ouvido foi causada por um gânglio ótico".

4) É bem certo que há dicionaristas, como Antônio Houaiss (2001, p. 2.073 e 2.090) e Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (2001, p. 2.073 e 2.090), que tratam ambas como formas variantes e, portanto, sinônimas. Já o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, faz questão de distinguir: (i) óptica é a "ciência da visão", opticidade é a "qualidade de óptico", opticista é a "pessoa versada em óptica", e óptico é algo "relativo à visão"; (ii) já ótica é a "ciência da audição", oticidade é a "qualidade de ótico", oticista é a "pessoa versada em ótica", e ótico é algo "relativo à audição" (2009, p. 599 e 605).

5) Diante dessa divergência, de rigor é fazer uma observação importante: não importando o precioso trabalho e a valiosa contribuição prestada pelos dicionaristas ao idioma (o que jamais se pode menosprezar), o certo é que a Academia Brasileira de Letras detém a delegação legal para, em caráter oficial, não apenas listar os vocábulos pertencentes ao vernáculo, mas também descer a pormenores, como grafia e pronúncia das palavras. Nesse quadro, sempre que há discordância entre eles, prevalece a posição da ABL, a qual, no caso, se manifesta por via da edição do VOLP.

6) Assim, de modo prático para as indagações do leitor, num primeiro aspecto, fixa-se, nos termos observados, que óptica e ótica não são formas variantes uma da outra, nem palavras sinônimas, mas detêm ambas conteúdo semântico próprio e distinto, de modo que não é adequado tomar uma querendo significar a outra.

7) Num segundo aspecto, o acordo ortográfico de 2008 mandou excluir as consoantes inúteis. De modo específico para o caso do encontro consonantal pt, mandou eliminar o p nos casos em que os falantes do idioma não mais o pronunciam (adotar, batizar, Egito e ótimo, e não mais adoptar, baptizar, Egipto e óptimo). Manteve, contudo, a grafia pt naqueles casos em que o p continua sendo pronunciado (adepto, apto, eucalipto, inepto e rapto). Nessa esteira, se o VOLP, mesmo após o Acordo Ortográfico de 2008, fez questão de manter o p na grafia de óptica e de seus cognatos, só se pode concluir que tal p é pronunciado em todos esses casos.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.