Gramatigalhas

O de que – Está correto?

O Professor esclarece dúvida sobre o uso de "o de que".

18/9/2013

1) Um consulente escrevia a Mário Barreto, assinalando estarem erradas as seguintes frases: a) "Um punhal foi do que se valeu o assassino"; b) "Do que se trata agora é de sair daqui".

2) Assinalava o subscritor da missiva a ocorrência de erros em tais frases, uma vez que a preposição estaria fora do lugar que lhe competia na primeira oração: Um punhal foi o de que se valeu...; na segunda oração, deveria haver a dissolução da expressão do que: O de que se trata...

3) O insigne filólogo, todavia, observou que "neste, como noutros casos, a incontestável autorização do uso chegou a dar salvo-conduto a construções a que chamam absurdas e aberrações que não consentem a análise".

4) E acrescentou que "tanto Rui Barbosa como outros escritores praticam também a deslocação da preposição", sendo "costume agregar-se no antecedente a preposição que pertence ao relativo": a) "No que se deve cuidar, portanto, é em educá-lo e corrigi-lo" (Rui Barbosa); b) "No que reparo agora é em duas coisas, que estão bem à flor da terra" (Padre Manuel Bernardes).

5) Por isso, o próprio gramático desfilou uma série de exemplos de uso corriqueiro, em que se dá tal junção: a) "Não sei no que pensas"; b) "Não sei te dizer do que mais gostei em Paris"; c) "Não sabes do que sou capaz"; d) "Isso é do que me estou queixando".

6) E justificou, antes de asseverar que a outra forma "é artificiosa e quase inusitada": "Tal é o poder do hábito nestas construções, que a ninguém, procedendo espontaneamente, ocorrerá colocar essas palavras na ordem que deveriam ter, e como se faz ao analisar-se tal classe de orações".

7) Em verdade, na consonância com ensinamento de Laudelino Freire, que traz significativos exemplos para tanto, "quando na frase vem o demonstrativo o seguido do relativo que, costuma-se, e é o que faz a linguagem corrente, juntar o o à preposição que pertence ao relativo": a) "Não sei no que (o em que) pensar"; b) "Veja ao que (o a que) me exponho"; c) "Já não sei para o que (o para que) eles prestam"; d) "Ainda não sei ao que (o a que) vem o Senhor".

8) E complementa tal gramático: "Entretanto o não agregar o demonstrativo o à preposição imprime ao dizer verdadeiro cunho clássico, como se vê neste exemplo de Castilho: '... mas amor, que é o a que ela aspira, não lhe chega a prometer'".

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.