Na edição 1.291, recheada de saborosos provérbios, nosso "Migalhas" trouxe o seguinte texto:
"Cautela e caldo de galinha não faz mal a ninguém... exceto à galinha".
Diversos leitores escreveram indagando se está correto o "faz" do exemplo, ou se deveria ser "fazem".
1) Concordância verbal é a harmonização do verbo com o seu sujeito, o que se dá em número (singular ou plural) e pessoa (primeira, segunda ou terceira).
2) Algumas observações gerais podem ser de grande utilidade.
3) Nesses casos, o verbo (denominado palavra regida ou subordinada) acomoda-se à flexão do sujeito (denominado palavra regente ou subordinante).1
4) Assim, se o sujeito é simples, a concordância se faz em número e pessoa com o núcleo do sujeito. Exs.:
a) "Eu encontrei o livro";
b) "Os rebeldes saíram às ruas";
c) "A pintura dos três prédios exigiu dois meses";
d) "Aconteceram, por aqui, casos interessantes";
e) "Os consertos do edifício demoraram mais do que o previsto".
5) Se o sujeito é composto e anteposto ao verbo, concorda este com a soma daquele. Ex.: "A citação e a penhora foram anuladas".
6) Se o sujeito é composto e posposto, o verbo pode concordar no plural ou com o núcleo mais próximo. Exs.:
a) "Foram anuladas a citação e a penhora" (correto);
b) "Foi anulada a citação e a penhora" (correto);
c) "Foi anulado o edital e a citação" (correto).
7) Para esse último caso, vale observar com João Ribeiro que, "embora concorram muitos sujeitos, sempre foi primor e liberdade de estilo deixar o verbo no singular desde que este os precede na frase".2
8) No caso da consulta, é de fácil verificação que o sujeito tem dois núcleos: cautela e caldo. E mais: sujeito composto e anteposto ao verbo, o que, por via de regra, exige a concordância no plural. Corrigindo, portanto: "Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém... exceto à galinha".
9) Sem dúvida, um penoso cochilo da redação. Mas devo dizer – por experiência própria em decisões que proferia quando Magistrado e em petições, arrazoados e pareceres que hoje elaboro na advocacia – que não é difícil ser levado a um erro como esse. E a explicação é a seguinte: a idéia, tal como surge de início, é escrever um sujeito simples no singular, o que leva o verbo também para o singular. No meio do raciocínio, porém, resolvemos acrescentar um outro núcleo do sujeito, mas não atentamos à idéia do verbo já pensado no singular. E, com a idéia inicial deste, fica também o erro. O caminho para sanar essa falha é revisar o texto com atenção, sem perder de vista a idéia de que os erros de concordância verbal são mais corriqueiros do que imaginamos.
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1 Cf. GÓIS, Carlos. Sintaxe de Concordância. 8. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1943. p. 25.
2 Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 149.