Gramatigalhas

Chipre – em Chipre ou no Chipre?

"Em" Chipre ou "no" Chipre? O Professor esclarece a dúvida.

3/4/2013

O leitor Newton Silveira envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Até Migalhas (ou 'o' Migalhas) está escrevendo 'o' Chipre, 'no' Chipre e etc. Mas não se diz 'o' Portugal ou 'no' Portugal, ou 'na' Creta e etc. O Migalhas está errado?"

1) Ao ver, no dia a dia, um emprego que lhe pareceu gramaticalmente equivocado, um atento leitor indaga se o correto é dizer e escrever em Chipre ou no Chipre?

2) Em termos técnicos, o que se busca dirimir é se o referido nome próprio designativo de lugar (tecnicamente denominado topônimo) admite ou não sua especificação por artigo definido.

3) Desde logo se diga que, nas mais distintas esferas, os nomes próprios designativos de lugares (i) às vezes se usam com artigo, (ii) às vezes, sem ele, e (iii) às vezes com ou sem, facultativamente.

4) E também se observe que isso é questão de uso, de tradição, e não de algo que se defina por alguma norma de Gramática, a qual não tem regra ou norma específica para resolver o assunto.

5) Num primeiro aspecto, quanto aos nomes de cidades, é mais comum não usar o artigo: (i) Estive em Brasília; (ii) Estive em São Paulo; (iii) Estive em Paris; (iv) Estive em Roma; (v) Estive em Nova York. Mas também há casos em que se emprega o artigo: (i) Estive no Recife; (ii) Estive no Rio de Janeiro; (iii) Estive no Porto. E mesmo os nomes de cidades que não admitem o artigo acabam por recebê-lo, quando a eles se segue um termo especificador: (i) Estive na Brasília de Juscelino; (ii) Estive na São Paulo de Mário de Andrade; (iii) Estive na Paris das luzes; (iv) Estive na Roma dos césares.

6) Num segundo aspecto, no que tange aos estados brasileiros, alguns se usam sem o artigo: (i) Estive em São Paulo; (ii) Estive em Minas Gerais; (iii) Estive em Pernambuco; (iv) Estive em Roraima; (v) Estive em Sergipe. Outros já se empregam com ele: (i) Estive no Amapá; (ii) Estive no Amazonas; (iii) Estive na Bahia; (iv) Estive no Piauí; (v) Estive no Rio de Janeiro.

7) Num terceiro aspecto, quanto aos países, alguns não admitem especificação pelo artigo definido: (i) Estive em Andorra; (ii) Estive em Cuba; (iii) Estive em Israel; (iv) Estive em Mônaco; (v) Estive em Portugal. Outros são empregados com precedência de tal artigo: (i) Estive no Brasil; (ii) Estive no Egito; (iii) Estive na Índia; (iv) Estive na Grécia; (v) Estive no Vaticano. E terceiros há que admitem ou não o artigo, facultativamente: (i) Estive em Espanha ou Estive na Espanha; (ii) Estive em França ou Estive na França; (iii) Estive em Inglaterra ou Estive na Inglaterra; (iv) Estive em Itália ou Estive na Itália.

8) Por fim, quanto aos continentes, um há que obriga o uso do artigo: Estive na América. Outros permitem duplo emprego: (i) Estive na Europa ou Estive em Europa; (ii) Estive na África ou Estive em África; (iii) Estive na Ásia ou Estive em Ásia.

9) Quanto ao topônimo Chipre, o mais comum é vê-lo empregado sem o artigo, como o faz o Código de Redação Interinstitucional do Serviço de Publicações da União Européia – obra de normalização das práticas linguísticas elaborada por especialistas de um comitê diretor interinstitucional – que cunha a expressão oficial "República de Chipre" como escrita a ser utilizada nos documentos em português, na qual se percebe com facilidade a ausência do artigo definido.

10) Uma atenta verificação do emprego da mencionada expressão pelos meios de comunicação, todavia, mostra o topônimo empregado ora sem o artigo, ora com ele.

11) Vejam-se alguns exemplos sem o artigo: (i) "Chipre é uma ilha situada no Mar Mediterrâneo oriental, ao sul da Turquia..."; (ii) "Chipre planeja isenção de impostos a cassinos, para reanimar a economia"; (iii) "Chipre quer concluir negociações com credores nesta semana"; (iv) "Presidente de Chipre nega envolvimento com desvios de depósitos..."; (v) "FMI pede que Chipre baixe salários e demita dois mil funcionários...".

12) E também se observem alguns casos com o emprego do artigo: (i) "Confiscos em depósitos no Chipre alcançam 60%..."; (ii) "O Banco Central do Chipre divulgou uma lista de perguntas e respostas sobre o nebuloso processo de taxação..."; (iii) "O Chipre é uma ilha meio estranha: fica bem mais perto do Oriente Médio do que da Europa, mas é um país europeu"; (iv) "A crise bancária no Chipre despertou certos temores sobre o turismo e o efeito que terá sobre este setor"; (v) "A Seleção Cipriota de Futebol representa o Chipre nas competições de futebol da FIFA".

13) Para se ter a ideia da extensão dessa normal duplicidade de emprego – com e sem a precedência do artigo definido – basta verificar o seguinte: (i) o Dicionário Aurélio usa sem o artigo, ao referir que cipriota é o "natural ou habitante de Chipre"; (ii) já o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora o define como o "natural ou habitante da ilha do Chipre", expressão onde se nota a presença do artigo; (iii) e a Infopédia, obra virtual da mesma editora por último referida, em critério diverso do empregado na versão escrita, define cipriota como "referente a Chipre", omitindo, assim, o artigo.

14) Ante essa duplicidade de entendimentos entre os doutos, além do emprego tão reiterado de ambas as formas, não parece possível condenar qualquer das duas construções: (i) Estive em Chipre (correto); (ii) Estive no Chipre (correto).

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.