Gramatigalhas

Impetrar – Quando se usa?

Impetrar – Quando se usa? O professor José Maria da Costa esclarece.

26/9/2012

O leitor Rodrigo Gomes de Mendonça envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Não sei se o assunto já foi ventilado antes de meu adentrar na lista de receptores desse vetusto rotativo. Mas não custa indagar. Na nota "Migalhas de uma contenda" (Migalhas 1.846 - 27/2/08 – clique aqui), que comenta o conflito entre Folha e Universal, o ilustre redator assevera, no item d: 'Assim ficou a coisa: de um lado os fiéis da igreja impetrando ações judiciais, e de outro o jornal bradando contra o que seria um atentado à liberdade de imprensa'. Sempre ouvi, ainda nos bancos da academia, que impetrar somente deveria ser empregado em casos de remédios constitucionais, como Habeas Corpus e Mandado de Segurança. Para as demais ações judiciais, deveriam ser utilizados os verbos ajuizar, aforar, propor, etc. Tecnicismo exacerbado? Entendimento incorreto? Assunto para o nobre 'gramatimigalheiro' Dr. José Maria da Costa? De antemão, grato. Cordial abraço."

1) Um leitor viu empregado o verbo impetrar indicando atividade diversa do ajuizamento de mandado de segurança ou de habeas corpus e indaga se é correto tal uso.

2) Anote-se, de início, que Maria Helena Diniz, além da acepção de "requerer perante autoridade competente 'habeas corpus' ou 'mandado de segurança'", aponta dois outros sentidos jurídicos para o verbo impetrar: a) "interpor recurso"; b) "requerer decretação de determinada medida judicial".1

3) Nos repositórios legais, por um lado, esse verbo atende com exatidão ao significado de ajuizamento de mandado de segurança, como se pode notar em dispositivo constitucional: "... o mandado de segurança pode ser impetrado por..." (CF/88, art. 5º, LXX).

4) Nesse mesmo sentido é usado em dois dispositivos da lei específica que rege o instituto:
a) "O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro, poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer" (Lei 1.533, de 31.12.1951, art. 3º); b) "Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos desta Lei, impetrar o mandado de segurança por telegrama ou radiograma ao juiz competente..." (Lei 1.533, de 31/12/1951, art. 4º).

5) Quando se trata de habeas corpus, a legislação também costuma destinar ao mencionado verbo a acepção de seu ajuizamento: "O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público" (CPC, art. 654).

6) Por outro lado, importa acrescentar que o Código Civil de 1916 – célebre pelo apuro linguístico decorrente da polêmica travada entre Rui Barbosa e seu professor, Ernesto Carneiro Ribeiro – aplicou tal verbo com a simples acepção de requerer, ou mesmo de ajuizar outra modalidade de demanda: "O possuidor, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da violência iminente..." (CC/1916, art. 501).

7) O Código de Processo Civil de 1973, reconhecido pelo esforço de apuro científico e busca de perfeição terminológica, também o usou à margem do seu sentido original de ajuizamento de mandado de segurança ou de habeas corpus: "O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente" (CPC, art. 932).

8) Também o Código de Processo Penal Militar, ao falar da assistência na ação penal, após explicitar diversas medidas que se vedarão ao assistente, assevera que ele "não poderá, igualmente, impetrar recursos, salvo de despacho que indeferir o pedido de assistência" (CPPM, art. 65, § 1º).

9) Em síntese: muito embora normalmente o verbo impetrar queira dizer o ajuizamento de mandado de segurança ou de habeas corpus, o certo é que também ele pode ser usado para indicar (i) a interposição de recursos, (ii) o requerimento de outras providências judiciais e (iii) o aforamento de demandas de outra natureza.

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1 Cf. DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico. 1. ed. São Paulo: Saraiva, vol. 2, 1998, p. 775.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.