Gramatigalhas

Haver – Quando vai para o plural?

O Professor explica quando o verbo Haver vai para o plural.

13/2/2013

O leitor George Marum Ferreira envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Sabemos que o verbo haver empregado no sentido de existir é impessoal. Logo não flexiona. Entretanto, é comum verificar em textos de lei ou documentos jurídicos o vocábulo 'houverem'. Gostaria de alguns comentários a respeito com considerações gramaticais."

1) Um leitor, após afirmar – e de modo correto – que haver, quando significa existir, não vai para o plural, indaga quando sofre o mencionado verbo tal variação, já que os textos legais estão repletos de seu emprego desse modo.

2) Num primeiro aspecto, conforme reconhece o leitor, o verbo haver, quando significa existir, é impessoal (não tem sujeito), razão pela qual fica sempre no singular: a) "Houve um aluno interessado..."; b) "Houve vários alunos interessados..."

3) Em outros sentidos, porém, como quando quer dizer comportar-se, tal verbo é pessoal e normalmente conjugado. Ex.: "Os causídicos não se houveram com correção na defesa de seus clientes".

4) Em estruturas assim é que o leitor pode ter visto o verbo haver flexionado em textos legais: I) "Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem..." (CC, art. 39) (o sentido é receberão). II) "A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar." (CC, art. 546) (o significado é tiverem).

5) Um segundo, importante e corriqueiro caso em que o verbo haver se flexiona para concordar com o seu sujeito é aquele em que ele é auxiliar de outro verbo, numa locução verbal. Ex.: "Os causídicos haviam trabalhado a noite inteira na elaboração da defesa".

6) Nesse caso, é fácil perceber a necessidade de concordância do verbo no plural, quando se substitui a locução por um tempo simples: "Os causídicos trabalharam a noite inteira na elaboração da defesa".

7) Vejam-se exemplos dessa estrutura por último referida em dispositivos do Código Civil: I) "Os traslados e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos, se os originais se houverem produzido em juízo como prova de algum ato" (CC, art. 218); II) "É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido" (CC, art. 496); III) "Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador" (CC, art. 578); IV) "São também responsáveis pela reparação civil: ... V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia" (CC, art. 932, V); V) "O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante" (CC, art. 1.228, § 4º); VI) "Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário" (CC, art. 1.375).

8) Talvez pela frequência com que o verbo haver é empregado como impessoal, e, portanto, sem variação para o plural, o Código Civil de 1916, em seu art. 1.772, § 2º, não atentou ao fato de ser ele apenas auxiliar de um verbo pessoal e o deixou equivocadamente no singular: "... salvo se da morte do proprietário houver decorrido 20 (vinte) anos". O correto será houverem decorrido, bastando, para tal verificação, substituir a expressão por tiverem decorrido, ou, então, por um tempo simples: decorrerem.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.