Gramatigalhas

Miolo (ô) – Miolos (ó)?

Professor esclarece dúvida sobre palavras que no singular são pronunciadas com o fechado tônico (ô) e que quando passam ao plural, mudam sua pronúncia para um o aberto (ó).

15/5/2013

O leitor Pedro John Meinrath envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Prezado dr. José Maria da Costa, na minha ignorância considero a letra 'o' temperamental. Comparando que se fala no Brasil 'Antônio e eletrônico' e em Portugal 'António e Eletrónico' vamos contra a maré de abertura das vogais em solo brasileiro. O mais indecifrável são dezenas de palavras que no plural mudam o som de seus 'o' de ô para ó. Dou exemplos para completar o pensamento: 'porto', 'posto', 'miolo', enquanto outras permanecem invariáveis, quanto ao som, no plural: 'moço', 'bolo', 'soco' e ainda existem as que ficam em cima do muro como 'colo', 'polo', com os dois sons do 'o' sendo mantidos no singular e no plural. Existe regra para esta vogal irrequieta? E ainda mais do mesmo: na família já tivemos discussões sobre o plural de 'bolso': como o casal nasceu em diferentes Estados da União indago ainda se há variações regionais. Agradeço as luzes."

A leitora Bárbara Ferreira, de Cascais - Portugal, também envia a seguinte mensagem:

"As minhas dúvidas são acerca da utilização do (ó) ou (o) no plural. Quais as razões e explicações que o falante de Português se deve reger para uma utilização correta do plural. Ex.: morno (o), mornos (o) ou (ó)?"

1) Um leitor traz sua total dúvida quanto à pronúncia do o tônico no plural das palavras que apresentam um o fechado tônico no singular, já que algumas mantêm ô, enquanto outras mudam para ó. Exemplifica – miolos (ô) ou miolos (ó) – e pede alguma sistematização ou regra para tanto.

2) É uma realidade, em nosso idioma, que algumas palavras com o fechado tônico (ô) no singular, quando passam ao plural, mudam sua pronúncia para um o aberto (ó). A esse fenômeno linguístico, chamamos tecnicamente metafonia. Autores há que também denominam umlaut, que é o termo para essa ocorrência em alemão.

3) Vejam-se alguns exemplos de palavras com o fechado (ô) no singular, as quais, por mefatonia, passam ao plural com o aberto (ó): abrolho (ô), abrolhos (ó), aposto (ô), apostos (ó), caroço (ô), caroços (ó), choco (ô), chocos (ó), corno (ô), cornos (ó), coro (ô), coros (ó), corpo (ô), corpos (ó), corvo (ô), corvos (ó), despojo (ô), despojos (ó), esforço (ô), esforços (ó), fogo (ô), fogos (ó), forno (ô), fornos (ó), imposto (ô), impostos (ó), miolo (ô), miolos (ó), olho (ô), olhos (ó), osso (ô), ossos (ó), ovo (ô), ovos (ó), poço (ô), poços (ó), porco (ô), porcos (ó), porto (ô), portos (ó), posto (ô), postos (ó), povo (ô), povos (ó), reforço (ô), reforços (ó), socorro (ô), socorros (ó), tijolo (ô), tijolos (ó), torto (ô), tortos (ó), troço (ô), troços (ó).

4) Atente-se, contudo, a outras palavras com o fechado no singular (ô), que continuam com o fechado no plural (ô): acordo (ô), acordos (ô), almoço (ô), almoços (ô), alvoroço (ô), alvoroços (ô), bolo (ô), bolos (ô), bolso (ô), bolsos (ô), cachorro (ô), cachorros (ô), caolho (ô), caolhos (ô), coco (ô), cocos (ô), contorno (ô), contornos (ô), esboço (ô), esboços (ô), esposo (ô), esposos (ô), estorvo (ô), estorvos (ô), ferrolho (ô), ferrolhos (ô), forro (ô), forros (ô), globo (ô), globos (ô), gosto (ô), gostos (ô), gozo (ô), gozos (ô), morro (ô), morros (ô), rolo (ô), rolos (ô), sogro (ô), sogros (ô), sopro (ô), sopros (ô), soro (ô), soros (ô), transtorno (ô), transtornos (ô).

5) Essa mudança do timbre da vogal, presente nas línguas românicas, como lembra J. Mattoso Camara Jr. "parece ter principalmente ocorrido onde se fez sentir a necessidade de discriminação ou maior diferenciação flexional", "interferiu com a regularidade da mutação das vogais longas e breves latinas para fechadas e abertas portuguesas", e, "na sincronia do português moderno, estabeleceu o processo morfêmico ou submorfêmico da alternância vocálica".1

6) Se essa explicação técnica e histórica sobre as circunstâncias da passagem dos vocábulos do latim para o português diz muito pouco ao leitor, console-se ele, porque o subscritor destas linhas, que teve aulas de filologia românica em sua faculdade de Letras, também absorve bem pouco de tais considerações.

7) Em realidade, o que se dá é uma ocorrência linguística de fato, que independe de regras e que impossibilita sistematização. Vale dizer: pelas próprias circunstâncias em que a metafonia ocorre em nosso idioma, não há como regrar ou sistematizar o assunto.

8) A solução para dúvidas dessa natureza é consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, uma espécie de dicionário que lista as palavras reconhecidas oficialmente como pertencentes à língua portuguesa, bem como lhes fornece a grafia oficial e, em casos complexos, esclarece adicionalmente a pronúncia.

9) Também conhecido pela sigla VOLP, é organizado e publicado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação e a responsabilidade legal de editá-lo, em cumprimento à Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900.

10) Pois bem. Em sua quinta edição, de 2009, a primeira após o Acordo Ortográfico, o VOLP faz constar miolo, e, entre parênteses, a pronúncia correta do singular (ô) e do plural (ó).2

_________________

1 Cf. CAMARA JR., J. Mattoso. Filologia e Gramática. 4. ed., São Paulo: J. Ozon Editor, sem data, p. 259-260.

2 Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed., 2009. São Paulo: Global. p. 553.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.