Governança: uma boa prática

Ampliação do teletrabalho em tempos de pandemia - Controles e boas práticas de governança

O cenário promissor para o teletrabalho exige a implementação de controles específicos para a medição dos resultados e atenção aos princípios da Governança Corporativa, a serem aplicados às atividades desempenhadas fora do ambiente físico empresarial.

10/8/2022

O cenário promissor para a modalidade de teletrabalho exige a
implementação de controles específicos para a medição dos
resultados e atenção especial aos princípios da Governança Corporativa,
a serem aplicados às atividades desempenhadas fora do ambiente físico empresarial.

O regime de teletrabalho1 não é propriamente um fenômeno novo, isso porque os avanços tecnológicos dos últimos anos e a popularização da internet têm proporcionado novas abordagens na forma de desempenho de muitas atividades empresariais que, por consequência, refletem-se nas atividades laborativas.

Em um cenário em que o interesse pelo modelo tem aumentado significativamente, muitos países têm sido levados a regulamentar o tema em suas legislações trabalhistas.

No Brasil, o teletrabalho passou a ser previsto expressamente a partir da Reforma Trabalhista de 2017, com a inserção dos artigos 75-A a 75-E na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, e ampliado com a edição da Medida Provisória  1.108, de 2022, que trouxe regulamentação a essa modalidade e, inclusive, previu a possibilidade do trabalho híbrido (quando o empregado comparece alguns dias na empresa), sem descaracterizar o modelo de trabalho remoto, entre outras inovações.

O modelo parece promissor, ao tempo em que pode proporcionar benefícios significativos às empresas com a redução de custos de estrutura e, aos empregados, além de diminuir despesas com transporte e alimentação fora de casa, possibilitar melhor qualidade de vida a partir da desnecessidade de deslocamentos (fuga do trânsito e/ou em transportes públicos) e melhoria do convívio familiar, entre outros.

Intensificou-se no Brasil especialmente no ano de 2020, já que a situação trazida pela pandemia do novo coronavírus levou muitas empresas a repensarem comportamentos de gestão, propósitos e princípios do negócio nesse momento de crise e, sem sombra de dúvidas, reavaliarem o modo de suas relações de trabalho.

Assim, empresas que ainda não eram adeptas ao teletrabalho, nesses tempos de iminentes riscos à saúde e perigo de contágio e de necessidade de adoção de estratégias de distanciamento social, sentiram-se obrigadas a aderir e adaptar rapidamente suas estruturas, passando a desenvolver as atividades de forma remota – em especial aquelas atividades passíveis de uso de meios tecnológicos para o alcance de suas finalidades.

Pesquisas recentes conduzidas por instituições e consultorias de peso apontam que o home office, apesar de forçado pelo Covid-19 num primeiro momento, conta com significativo percentual de aprovação de executivos2 e que, de modo geral, os empregados têm se mostrado satisfeitos com o trabalho em casa3.

Benefícios indiretos à comunidade também podem ser sentidos, tais como melhorias das condições de mobilidade urbana, redução de poluentes na atmosfera e dos índices de ruídos das grandes cidades, conforme aponta a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades.4

Tais resultados demonstram tratar de um movimento positivo, não se vislumbrando, em muitos casos, a possibilidade de retorno ao status anterior.

Por isso que a boa Governança Corporativa se mostra essencial nesse momento de construção e de implantação de um modelo mais amplo do teletrabalho.

A criação de uma estrutura de gerenciamento e controle adequados ao cenário remoto, que tenha como base regras transparentes, equitativas, em conformidade com a legislação trabalhista e apoiado na responsabilidade social corporativa, pode garantir a manutenção das atividades de forma alinhada à política do negócio, às normas internas, ao contrato de trabalho e à legislação vigente.

Inclusive, as premissas de boas práticas de governança corporativa podem ser utilizadas como parâmetro para o desempenho das atividades de forma mais efetiva e para a garantia da confiabilidade entre as partes atuantes (empregador, empregado e, inclusive, terceiros).

É evidente que esse novo modelo de trabalho trouxe desafios às organizações, tanto no que diz respeito à adaptação dos meios telemáticos e tecnológicos – que vão desde os físicos (hardware/computadores), até as aplicações digitais e ferramentas corporativas necessárias para o bom desempenho das atividades (software/sistemas instalados) –, quanto em relação aos controles para a medição da efetividade do trabalho prestado à distância e seus resultados (custo x produtividade x satisfação/qualidade de vida do empregado) e atendimento às imposições legais pertinentes.

Apesar de todos esses inúmeros desafios surgidos com a implementação maciça desse modelo nesses tempos de pandemia, abordar-se-á aqui especificamente sobre os princípios da Governança Corporativa aplicados à modalidade de teletrabalho.

Em suma, sobre a necessidade de adoção de controles e emprego das boas práticas de governança corporativa a essas relações de trabalho.

Tais controles dizem respeito às ferramentas de medição da produtividade, monitoramento da jornada de trabalho, acompanhamento constante da adequação individualizada do empregado a essa modalidade, bem como dos resultados da organização, a fim de que eventuais desvios ou inconformidades sejam corrigidos no decorrer do processo, por meio de intervenções estratégicas e pontuais dos gestores.

As boas práticas de governança corporativa refletem princípios básicos e recomendações objetivas, que alinham interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.

A decisão sobre o estabelecimento da governança corporativa5 cabe à alta gestão da empresa e, apesar de que as regras precisam ser pensadas de forma individualizada em cada organização, deve estar pautada pelos princípios da Transparência, da Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade Corporativa, para que se venha a gerar um clima de confiança tanto no âmbito interno quanto nas relações com terceiros.

A Transparência, como princípio da Governança Corporativa, "consiste no desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à preservação e à otimização do valor da organização" (IBGC, 2015, p. 20). Já o princípio da Equidade refere-se ao "tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas" (IBGC, 2015, p. 21).

A Prestação de Contas (accountability), por sua vez, está ligada à questão de que os “agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papéis” (IBGC, 2015, p. 21) e, finalmente, o princípio da Responsabilidade Corporativa prevê que “os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional etc.) no curto, médio e longo prazos” (IBGC, 2015, p. 21).

Na toada de aplicação desses princípios à modalidade de teletrabalho na organização, verifica-se que para atendimento da Transparência e Equidade, precisam ser estabelecidas as diretrizes de modo claro e expresso, especialmente levando a conhecimento dos envolvidos de que as políticas da empresa e os valores éticos6 norteadores do trabalho se mantêm em vigor e, obrigatoriamente, devem ser seguidos, apesar dos empregados passarem a desenvolver o trabalho em seu domicílio.

Documentos que atestem a ciência e compromisso com o atendimento às normas são indispensáveis, inclusive, o aditamento ao contrato de trabalho com a previsibilidade dessa nova modalidade se faz necessário.

Do mesmo modo as atribuições, os limites de alçada e responsabilidades de funções e atividades, ainda que executadas fora do ambiente físico da organização, devem ser expressamente definidos pela alta gestão, em atenção aos princípios anteriores e acrescido ao princípio de Prestação de Contas, que prescreve a necessidade dos atores prestarem contas de seus atos comissivos ou omissivos, atuarem com diligência e responsabilidade dentro de seus limites de competência e, por óbvio, assumirem as respectivas consequências por atos eventualmente inconformes.

A Responsabilidade Social Corporativa aplicada ao modelo de teletrabalho, por sua vez, no nosso entender, é o princípio que merece atenção especial dos gestores nesse processo, vez que está atrelado ao zelo com a viabilidade econômico-financeira da empresa e ao acompanhamento do negócio como um todo, sendo que diversos capitais estão envolvidos com a implementação do teletrabalho, desde o financeiro, humano, social, ambiental, reputacional, entre outros.

Ligada a esse princípio podemos citar a preocupação com o cumprimento das premissas legais trabalhistas pela empregadora e o respeito à saúde e qualidade de vida dos empregados, sendo evidente que a adoção de sólidas regras e normas internas disciplinadores nesse particular tanto evitam deliberados excessos de jornadas, que culminam em imediatas elevações de custos da folha de pagamento, quanto visam resguardar a empresa de ser acionada judicialmente em demandas que tenham por objeto a cobrança de horas extras e pedidos de indenização por danos morais e/ou existenciais7.

As condições ambientais necessárias à execução das atividades laborais no ambiente domiciliar e as condições de saúde do empregado também merecem atenção por parte do empregador, pois estão diretamente ligadas à produtividade, que gera bons resultados ao negócio, e ao cumprimento da responsabilidade social da empresa. Tanto que estudos periódicos que avaliem os efeitos positivos e negativos no corpo funcional são bem-vindos, tendo em vista que nem todos os profissionais se adaptam bem à execução das atividades à distância e à ausência de convívio no ambiente de trabalho, podendo nesses casos a empresa eventualmente optar pelo modelo híbrido (combinação entre o trabalho presencial e o remoto, em dias alternados).8

Da mesma forma a utilização de indicadores de medição dos níveis de efetividade e dos resultados obtidos com o teletrabalho é necessária, com vistas ao acompanhamento e correções de rotas, caso sejam necessárias.

Com a adoção dessas e outras medidas de boa governança, ainda que num primeiro momento a sua implantação tenha sido forçada pelas circunstâncias da pandemia da Covid-19, a modalidade de teletrabalho tem evidente potencial de trazer impactos positivos e duradouros dentro das organizações, propiciando a ampliação de ganhos tanto para a empresa quanto aos empregados.

Referências

Decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do trabalho, Brasília, DF, Out. 2017. BRASIL.

Medida Provisória 1.108, de 25 de março de 2022.

IBGC. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa - 5ª Edição. Ano 2015.

Cartilha de Teletrabalho. SOBRATT - Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades.

__________

1 Teletrabalho é a modalidade de trabalho desempenhado preponderantemente fora das dependências da empresa, sendo regido por um contrato escrito, mediante controle, supervisão e subordinação, utilizando-se de equipamentos e tecnologias de informação e de comunicação para a execução das atividades. Difere do trabalho externo na medida em que este, pela sua natureza, não tem como ser realizado nas dependências da empresa (ex. instalação de equipamentos em clientes, entre outros). 

2 Pesquisa conduzida pela FIA e FEA/USP, entre maio e junho de 2020, conforme dados disponíveis aqui.

3 Conforme pesquisa da Consultoria Robert Half, realizada em junho de 2021, disponível aqui.

4 Cartilha de Teletrabalho. SOBRATT - Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades. Disponível aqui

5 Governança corporativa é definida como o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. (IBGC. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa - 5ª Edição. Ano 2015). 

6 Valores éticos englobam princípios de ética, dignidade humana e respeito às pessoas, integridade, impessoalidade, legalidade, profissionalismo e transparência. 

7 O dano existencial, segundo jurisprudência do TST, pode ser caracterizado quando houver demonstração que a execução das atividades do empregado causou prejuízo ao convívio familiar e social. 

8 É necessário considerar a cultura organizacional e outros fatores, tais como a faixa etária dos empregados, os respectivos perfis profissionais, a adaptabilidade com as ferramentas telemáticas, entre outros. 

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Colunista

Roberta Codignoto é presidente do Conselho de Ética da Rede Governança Brasil. Advogada e consultora de compliance. Voluntária em iniciativas de promoção de integridade. Conselheira da Comissão de Ética Pública. Especialista em Negociação pela Harvard Law School e em Compliance pelo INSPER. Pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV, pós-Graduada em Administração Jurídica pela EPD - Escola Paulista de Direito e graduada em Direito pela Universidade Ibirapuera.