O que a sociedade espera da atuação governamental? Por certo, se essa for a pergunta principal de uma pesquisa de opinião junto à população serão obtidas respostas bastante variáveis, a depender do respondente: diminuir a desigualdade social, garantir o exercício dos direitos constitucionais, cuidar do meio ambiente, solucionar falhas de mercado, melhorar a distribuição de renda, garantir a segurança física e patrimonial, saúde e educação, dentre outras temáticas. Observa-se, no entanto, que todas as respostas poderão ter por base um mesmo pano de fundo: as ações governamentais devem dar conta das demandas fundamentais populacionais, fazendo entregas eficazes (atingindo suas metas), efetivas (resolvendo de fato os problemas sociais) e eficientes (otimizando recursos).
Com o intuito de reforçar o argumento, cabe trazer à baila o FIB - Felicidade Interna Bruta, que é um índice elaborado pela ONU que mensura a satisfação da população a partir de nove indicadores: educação, acesso à cultura, saúde do cidadão, gerenciamento equilibrado do tempo, bem-estar psicológico, vitalidade da comunidade, proteção ambiental, governança e padrão de vida. O FIB já foi implantado e é uma realidade em países como Butão, Reino Unido, Tailândia, Canadá e Austrália.1 O índice pode ser comparado ao PIB para trazer maior clareza acerca da prosperidade das nações, sem levar em conta fatores meramente financeiros. Inclusive, após a Rio+20, a ONU discutiu a criação de um novo índice que tenha uma proposta semelhante e menos restritiva que o FIB – para mensurar e realizar ações estratégicas que promovam a qualidade e satisfação de vida, o bem-estar e a relação da sociedade com o meio ambiente.2
O quadro a seguir sintetiza os principais indicadores do FIB, veja:
Segundo o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, “o PIB não é uma boa métrica porque não mede índices de bem-estar3”. Reforçando o pensamento, Nassir Abdulaziz Al-Nasser, presidente da assembleia geral, sustenta que é fundamental criar uma nova e criativa visão que guie para a sustentabilidade do nosso futuro: “precisamos de algo que traga uma abordagem mais inclusiva, equitativa e balanceada para promover a sustentabilidade, a erradicação da pobreza e a melhora do bem-estar e felicidade.”4
É nesse sentido que a governança pública, olhando para a humanização, caminha. Busca a construção de estruturas organizacionais pautadas na lógica do cuidado, da colaboração e integração, da saúde mental, do bem-estar social, da diminuição das desigualdades, do desenvolvimento das lideranças, da transformação cultural, da transformação digital e inovação, do florescimento das pessoas (conceito criado pelo professor Martin Seligman), do planejamento estratégico realizado no âmbito dos CdG - Centros de Governo e da efetiva prestação de contas à sociedade via reporte anual atrelado aos fatores ESG e ODS, considerando os indicadores do FIB. Isso já ocorre em organizações privadas e também no terceiro setor.5
Nesse sentido, devem os líderes abandonar a cultura do comando e controle e buscar o desenvolvimento contínuo para guiar-se às práticas de liderança e cultura humanizada, como preconiza o atual código de boas práticas em governança pública. Esses esforços envolvem o autoconhecimento e o reforço da IE - Inteligência Emocional do líder. Dessa forma, poderá promover a felicidade em sua força de trabalho e gerar ótimos resultados a partir do aumento de engajamento e da produtividade, sem esgarçar a saúde mental e emocional das pessoas.6
São desafios que as organizações públicas enfrentam em seu dia a dia operacional, na implementação de suas políticas públicas. Para observar tais critérios de governança pública humanizada em suas ações, torna-se fundamental a transformação cultural do serviço público que, segundo Richard Barrett, inicia-se pela transformação pessoal dos líderes das organizações. Assim, o desenvolvimento desses líderes merece um espaço com práticas que tragam resultados mensuráveis ao longo do tempo, que olhem não apenas para as entregas, mas para o bem-estar de seus colaboradores e para a necessidade de desenvolvimento de soft e hard skills de suas equipes, especialmente em capacidades para equidade, transparência e inovação.
Essa última capacidade, inovação, torna-se cada vez mais salutar na administração governamental. O que se observa são nichos de desenvolvimento de soluções (nem sempre tecnológicas) para aperfeiçoar a execução de determinados processos públicos que geram resultados positivos apenas para aquela política pública em que foi aplicada. Resta, muitas vezes, disseminação do conhecimento produzido para permitir que outras organizações, inclusive em outras esferas ou poderes, possam usufruir da inovação criada e, assim, aprimorar suas capacidades e resultados produzidos. Para inovar, o benchmarking é essencial, ou seja, a busca de melhores práticas em outras entidades para inseri-las no ambiente da própria organização, seja traduzindo aquela prática para a realidade institucional ou transplantando um elemento em outro campo. A título de exemplo, criar um jogo para disseminar conhecimento sobre a política pública de meio ambiente (traduzindo práticas de gamificação) ou a universidade dos correios (e, quem sabe, a criação em outras agendas governamentais específicas, como recursos hídricos), transplantando a ideia de universidade da educação.
Como um auxílio a esse processo de benchmarking para inovação na administração pública, têm-se o Código de Boas Práticas em Governança Pública (https://www.rgb.org.br/cartilhas-e-codigos), construído a partir de pesquisa realizada por especialistas ao longo da pandemia do Covid-19, considerando premissas da governança humanizada. O documento reúne 135 práticas alicerçadas em aportes teóricos e práticos, com vistas a oferecer soluções tangíveis às organizações governamentais em todos os seus entes federativos. Essas práticas norteiam os gestores públicos para que possam construir conjuntamente com suas equipes uma sólida estruturada de governança, pautada em valores de cuidado com o ser humano, colaboração e integração, cultura e liderança conscientes e humanizadas, transformação digital, dentre outras temáticas relevantes, tudo isso aplicado às ações voltadas aos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e ao capitalismo de stakeholders7.
O código de boas práticas é um documento pode servir como bússola capaz de nortear a administração pública brasileira e, ao mesmo tempo, interagir com toda a sociedade com vistas a garantir sua participação no processo de coleta de novas práticas de forma perene e sustentável. A aplicação de práticas efetivas pela administração pública, de modo a trazer evoluções em sua governança, melhora o engajamento e motivação dos servidores e colaboradores, recupera sua razão de existir no âmbito da entidade, que nada mais é do que servir às pessoas, ao cidadão. Assim, é necessário redesenhar a cultura organizacional (propósito, visão, missão e valores) e promover mudanças no mecanismo de liderança. Ao invés de uma liderança tóxica, que opera no arcaico e disfuncional modelo de comando e controle, o momento é oportuno para desenvolver a liderança consciente e humanizada, baseada em propósito maior e valores mais elevados.
Os efeitos podem ser percebidos nos resultados financeiros da organização, seja por meio da redução de custos ou pelo aumento da produtividade sem que custe a saúde mental dos servidores, visto que essa conta não fecha no médio e longo prazo. Trabalhadores felizes prosperam, são mais engajados e menos propensos a erros, isso provoca um efeito virtuoso em todo ecossistema mercadológico e social. Essas questões devem ser enfrentadas para a implementação de uma governança efetiva e qualificação contínua dos processos públicos por meio da governança humanizada. Ainda, ressalta-se que romper o círculo vicioso da produtividade a qualquer custo exigirá ação coletiva. Os estudos mostram que a governança estruturada de forma humanizada pode elevar o bem-estar social e a prosperidade de forma sustentável.
Felicidade é fonte de riqueza individual e coletiva!
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1 Dispnível aqui.
3 Disponível aqui.
4 Disponível aqui.
5 Disponível aqui.
6 Disponível aqui.
7 Disponível aqui.
Referências
1 BARRETT, Richard. A organizac¸a~o dirigida por valores. Sa~o Paulo: Campus, 2014.
2 BECK, D. & COWAN, C. Spiral Dynamics: Mastering Values, Leadership and Change – Exploring the New Science of Memetics. Cambridge/Mass: Blackwell Business, 1996.
3 EDMONSON, A. C. A Organizac¸a~o sem Medo: criando seguranc¸a psicolo'gica no local de trabalho para aprendizado, inovac¸a~o e crescimento. Trad. Thais Cots. Rio de Janeiro: Alta Books, 2020.
4 LALOUX, F. Reinventando as Organizac¸o~es: um guia para criar organizac¸o~es inspiradas no pro'ximo esta'gio da conscie^ncia humana. Trad. Isabella Bertelli. Curitiba: Voo, 2017.
5 REDE GOVERNANÇA BRASIL - Código de boas práticas em governança pública / Rede Governança Brasil. Salvador; BA Brasília, DF : Editora Mente Aberta; Rede Governança Brasil, 17 de dezembro de 2021.
6 SCHEIN, Edgar H. Organizational culture and leadership / Edgar H. Schein. – 3 rd ed. p. cm. - (The Jossey-Bass business & management series).
7 SELIGMAN, M. Felicidade Aute^ntica: use a psicologia positiva para alcanc¸ar todo o seu potencial. Trad. Neuza Capelo. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
8 SELIGMAN, M. Florescer: uma nova compreensa~o da felicidade e do bem-estar. Trad. Cristina Paixa~o Lopes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
9 SCHARMER, O. C. Teoria U: como liderar pela percepc¸a~o e realizac¸a~o do futuro emergente. Trad. Edson Furmankiewicz. Revisa~o te'cnica: Jaime Saponara. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019.
10 WILBER, K.; PATTEN, T.; LEONARD, A. & MORELLI, M. Prática da vida integral – um guia do século XXI para saúde física, equilíbrio emocional, clareza mental e despertar espiritual. São Paulo: Cultrix, 2011.