O German Report comemora hoje uma data muito especial: há quatro anos atrás, no dia 28/5/2019, publicávamos a primeira coluna no Migalhas comentando julgado no qual a Corte infraconstitucional alemã – Bundesgerichtshof (BGH) – obrigava uma clínica de reprodução humana a revelar a identidade do doador de sêmen para uma moça gerada por meio de reprodução heteróloga, técnica na qual o material biológico usado na fecundação provém de doador anônimo.
Na época, o BGH afirmou que todo ser humano tem o direito de conhecer sua origem biológica, o que é decorrência direta do direito geral de personalidade, consagrado no art. 2º I c/c art. 1º da Lei Fundamental. Esse direito fundamental da pessoa se sobrepõe ao direito fundamental do doador de manter sigilo sobre sua identidade e seus dados pessoais.
Passados quatro anos, a discussão em torno do anonimato na reprodução assistida ainda anda a passos lentos aqui no Brasil. A opinião majoritária tende a priorizar o direito ao anonimato do doador do material genético face ao direito à identidade genética da pessoa, muito embora o mero conhecimento da identidade do doador e do laço de consanguinidade não gere automaticamente vínculo de parentesco entre a pessoa gerada e o doador.
Em descompasso com o direito jusfundamental à identidade genética, o Conselho Federal de Medicina ainda se guia aparentemente pelo (infundado) temor de que o conhecimento da origem genética inviabilize o sistema de reprodução assistida heteróloga.
Nesse sentido, a Resolução 2.320, de 1º/12/2022, ainda estabelece como regra o sigilo da identidade de doadores e receptores como requisito para a realização da reprodução assistida heteróloga, permitindo, em caráter excepcional, o conhecimento da identidade apenas quando o doador tiver parentesco até quarto grau com o receptor (item IV, 2)1. Ademais, as informações sobre o doador só podem ser fornecidas a médicos em situações excepcionais, mantendo-se sempre o sigilo de sua identidade civil (item IV, 4)2.
Isso mostra o quanto se faz necessário – e útil – um diálogo comparado com o direito alemão, que é, sem dúvida, uma das ciências jurídicas mais avançadas na atualidade. A coluna German Report veio pioneiramente suprir uma lacuna ao trazer ao público brasileiro importantes decisões do judiciário alemão e europeu, analisadas sob uma perspectiva comparada e, dessa forma, fomentar o diálogo e a reflexão crítica.
E tem sido extremamente gratificante ver a receptividade dos leitores, de modo que só resta a esta articulista expressar os mais sinceros agradecimentos a todos os que acompanham a coluna, bem como àqueles que com colaboraram para mantê-la atual e instigante.
Dando continuidade ao trabalho, a coluna de hoje aborda um tema palpitante, que sempre gera discussões acaloradas: a venda a non domino, que exige do adquirente atenção e boa-fé, principalmente quando se trata de bem de alto valor.
Foi o que afirmou recentemente o Oberlandesgericht (Tribunal de Justiça) de Oldenburg, cidade localizada no estado de Niedersachsen, mais conhecido como Baixa Saxônica. Para a Corte, quem deseja comprar carro esportivo de luxo no meio da noite, no estacionamento de uma lanchonete, precisa ter atenção redobrada! O imbróglio envolveu um apaixonado por carros esportivos, que queria adquirir uma Lamborghini, um dos carros de luxo italianos mais caros do mundo.
O imbróglio
Tudo começou quando o comprador viu um anúncio no site mobile.de, que vende carros online na Alemanha. Ele entrou em contato com dois irmãos, anunciantes do veículo, que se diziam representantes do proprietário que, por sua vez, morava na Espanha.
Após o primeiro contato, eles marcaram um encontro para o potencial comprador examinar o veículo. As partes se encontraram na noite do dia 13/8/2019 no estacionamento de um posto de gasolina na cidade de Wiesbaden.
Após o exame do veículo, os contraentes acordaram a compra e venda e combinaram que o bem só seria entregue alguns dias depois, pois os irmãos iriam utilizar o carro para ir ao casamento de um amigo.
Na data marcada, eles se encontraram (tarde da noite, porque os vendedores chegaram atrasados) no estacionamento de um posto de gasolina na cidade de Essen, onde foi feito o test drive e de lá todos foram para uma filial da rede de fast-food Burger King, onde o comprador assinou o contrato de compra e venda por volta de uma hora da manhã.
Ele entregou 70 mil euros em espécie e seu próprio carro, avaliado em 60 mil euros, como complemento do preço, recebendo, em contrapartida, as chaves e alguns documentos, dentre os quais um certificado de registro e licenciamento da Lamborghini, emitido por um órgão alemão, além de uma cópia da parte frontal do documento de identidade do suposto proprietário do veículo.
O problema era que o carro pertencia a outra pessoa e os dois irmãos não tinham poderes para vender o esportivo carro de luxo. Com efeito, o bem pertencia a um espanhol, que o havia deixado, por tempo determinado, em uma locadora de veículos para locação.
A locadora alugara a Lamborghini para outro espanhol que, por sua vez, não devolveu o carro, fato que levou o proprietário a registrar pedido de busca no sistema europeu de informações. O comprador, porém, só descobriu a fraude quando tentou transferir a propriedade do veículo para o seu nome.
O proprietário, então, entrou com ação judicial exigindo a devolução da Lamborghini, pedido julgado improcedente em primeiro grau pelo Landgericht (LG) Oldenburg ao argumento de que teria havido aquisição de boa-fé, nos termos do § 932 BGB.
Mas o OLG Oldenburg reformou a sentença. Trata-se do processo OLG Oldenburg 9 U 52/22, julgado em 27/3/2023.
Fundamentos da decisão
Da mesma forma que no direito brasileiro, vigora no direito alemão o princípio basilar de que ninguém pode transferir mais direitos do que possui (princípio nemo plus iuris). Com efeito, terceiros não têm o poder jurídico para, através de atos de disposição, interferir nos direitos alheios, pois lhes falta justamente o poder de disposição (Verfügungsmacht).
Essa regra, contudo, é excepcionada através da aquisição a non domino pelo terceiro de boa-fé ou, como dizem os alemães, pela aquisição de boa-fé de uma pessoa não legitimada, hipótese prevista no § 932 BGB. Reza o dispositivo:
"§ 932. Aquisição de boa-fé de um não legitimado. (1) Através de uma alienação efetuada nos termos do § 929, o adquirente torna-se proprietário mesmo que a coisa não pertença ao alienante, salvo se não estiver de boa-fé no momento em que adquiriria a propriedade, nos termos destas disposições. No caso do inciso 2 do § 929, isso só se aplica se o adquirente tiver adquirido a posse do alienante.
(2) O adquirente não está de boa-fé se souber ou desconhecer por negligência grave que a coisa não pertence ao alienante."3
Dois pontos merecem, de início, atenção. O primeiro é que a boa-fé aqui exigida é a boa-fé subjetiva, isto é, a crença justificada – i.e., amparada em dados objetivos e, portanto, em certa medida objetivada – de estar agindo conforme ao direito.
O segundo é que o § 932 BGB contempla hipótese excepcional, prevista pelo legislador com o escopo de tutelar a segurança do comércio jurídico, ainda que às custas do real legitimado (proprietário). Em outras palavras: a aquisição a non domino de boa-fé é exceção, cuja necessidade de tutela precisa restar demonstrada.
O § 929 BGB, por seu turno, disciplina a aquisição de coisa móvel afirmando no inciso 1 que para a transmissão da propriedade é necessário que o proprietário entregue a coisa ao adquirente e que ambos estejam de acordo de que deve ocorrer a transmissão do domínio. O inciso 2 diz que quando o adquirente já está na posse da coisa, basta o acordo sobre a transmissão da propriedade.
São, assim, pressupostos para a aquisição de coisa móvel, nos termos do § 929 BGB: o acordo (Einigung) transmissivo do domínio e a tradição (Übergabe) do bem.
Se a alienação se processar dessa forma (Einigung + Übergabe), diz o § 932 I BGB, o comprador adquire a propriedade ainda quando a tenha adquirido de pessoa não legitimada (Nichtberechtigter), salvo se não estiver de boa-fé no momento da aquisição da propriedade.
O § 932 II BGB complementa a norma afirmando que o adquirente não está de boa-fé quando sabe – ou desconhece por grosseira negligência – que a coisa não pertence ao alienante.
A jurisprudência alemã afirma que não é o comprador (no caso concreto: o réu) quem precisa provar ter agido de boa-fé, mas é o verdadeiro legitimado, (no caso, o proprietário do veículo, autor da ação) quem precisa demonstrar a ma-fé (Bösgläubigkeit) daquele4.
Para o OLG Oldenburg, apesar dos vendedores terem apresentado o documento do veículo original, as circunstâncias do caso eram tão claramente suspeitas que obrigavam o comprador a ser mais desconfiado e diligente.
Em primeiro lugar, não estava claro se o nome constante do registro era o do verdadeiro proprietário, pois lá fazia-se referência a uma suposta representação. Apesar disso, o comprador só negociou com os intermediários do negócio, não tendo o cuidado de entrar em contato direto com o proprietário do veículo, que morava na Espanha, nem de exigir dos intermediários a procuração autorizando a venda do automóvel.
Além disso, havia uma diferença perceptível na grafia do nome e do endereço constante no documento do carro e no contrato de compra e venda, circunstância que, na visão do Tribunal, deveria ter acendido uma luz vermelha a fim de que o comprador investigasse melhor a procedência do veículo.
Ele teria, então, descoberto que, na verdade, o bem estava sendo vendido no nome do espanhol que alugou a Lamborghini na locadora. Mas, por falta de diligência, o comprador só teve conhecimento da fraude posteriormente, no momento de passar o carro para o seu nome.
O OLG Oldenburg também afirmou que as demais circunstâncias da contratação deveriam ter levado o adquirente a agir com mais prudência e diligência: o lugar e momento incomum da conclusão do contrato; o uso do carro pelos intermediários para fins privados, i.e., para uma festa de casamento; a troca dos automóveis sem quaisquer questionamentos ao proprietário do carro de luxo e o fato de se tratar de bem de alto valor.
Tudo isso levou o Tribunal a concluir que o comprador agiu com negligência grosseira na aquisição do veículo, pois não percebeu culposamente que os irmãos não tinham legitimidade para vender o carro, seja porque não eram proprietários, seja porque não tinham poderes para tanto.
Embora não se pudesse afirmar que o adquirente tinha positivamente ciência (dolo) de que os irmãos não eram proprietários, nem legitimados para vender o bem, ele agira com culpa grosseira.
De fato, age com negligência grosseira (grobe Fahrlässigkeit) todo aquele que viola – em medida extraordinariamente incomum, de acordo com as circunstâncias do caso – o cuidado exigido no comércio jurídico. Dessa forma, a pessoa deixa de observar aquilo que no caso concreto deveria ser observado5.
Trata-se, portanto, de verificar padrões objetivos de conduta na apuração da boa-fé subjetiva do adquirente, que não pode simplesmente alegar – como fez o comprador no caso concreto – que, no seu ponto de vista, se tratava de uma transação comercial habitual que ele ou membros de sua família já haviam efetuado várias vezes de modo semelhante, de forma que a compra não lhe pareceu especialmente suspeita, o que atestaria sua boa-fé, disse o OLG Oldenburg6.
Segundo o Tribunal, um dos requisitos objetivos mínimos exigidos para uma aquisição de boa-fé de um automóvel é que o adquirente tenha acesso ao documento de registo do veículo a fim de verificar a legitimidade do vendedor.
Porém, mesmo quando o vendedor esteja na posse do bem e do documento do veículo, o comprador pode estar de má-fé se circunstâncias especiais levantarem suspeita sobre o negócio e ele simplesmente as ignorar. Isso ainda mais se justifica quando se constata que o comprador não tem, em regra, um dever geral de investigação, disse a Corte.
Com base no registro, é possível verificar com a pessoa lá registada o poder de disposição e transferência do possuidor do veículo. Essa checagem deveria ter sido feita pelo adquirente a fim de afastar uma negligência grosseira de sua parte.
Em outras palavras: o comprador não poderia ter simplesmente presumido que os irmãos, possuidores do veículo, tinham poder para dele dispor pelo simples fato de estarem na posse do documento original do veículo, pois lá não constavam seus nomes, mas sim o de uma pessoa residente na Espanha.
No entanto, o comprador deixou de entrar em contato direto com o espanhol e de exigir que os intermediários lhes apresentassem uma procuração com poderes especiais para vender a Lamborghini, confiando exclusivamente no que lhes diziam os intermediários e na apresentação do original do documento do veículo e de uma mera cópia da parte frontal da carteira de identidade do suposto proprietário – o que, evidentemente, é insuficiente para comprovar uma representação, afirmou a Corte.
Na medida em que o adquirente comprou o carro sem examinar mais detalhadamente a pessoa do proprietário, nem o poder de representação dos intermediários, ele violou deveres de averiguação elementares nesse tipo de operação. Isso se fazia ainda mais necessário tendo em vista que se tratava de carro de luxo proveniente de outro país e que só há pouco tempo havia entrado em território alemão.
Além disso, havia uma diferença na grafia do nome e endereço constante no documento do carro e no contrato de compra e venda e a circunstância extremamente incomum e suspeita de que os irmãos aceitaram imediatamente o carro usado do adquirente como parte do preço sem consultar previamente o proprietário e sem que este tenha tido a oportunidade de examinar o bem o os documentos do veículo.
Diante de todas essas circunstâncias duvidosas, a Corte concluiu que existiam evidências suficientes de que se tratava de um carro importado ilegalmente para a Alemanha e que os dois irmãos, intermediários do negócio, não tinham poderes para dispor do veículo, o que exigia do comprador a conduta ativa de investigar a procedência do carro e a legalidade da operação.
Ao fechar os olhos para a realidade, o adquirente não agiu de boa-fé, nos termos do § 932 BGB, frustrando, consequentemente, a aquisição a non domino, razão pela qual a Corte ordenou a devolução do veículo ao verdadeiro proprietário.
A situação no Brasil
Da mesma forma que no direito alemão, no direito brasileiro o negócio jurídico é insuficiente para transferir a propriedade da coisa, limitando-se a produzir apenas efeitos obrigacionais, ou seja, a gerar para o devedor o dever de cumprir a obrigação de dar coisa certa, estabelecida no contrato.
Para que se dê a transferência da propriedade é necessário que ocorra a transcrição do título aquisitivo no cartório de registro de imóveis, no caso de bem imóvel (arts. 1.245 a 1.247 CC) e, no caso de bem móvel, a tradição, ou seja, o ato de entrega da coisa ao adquirente (art. 1.267 CC).
Para produzir o efeito translatício da propriedade, a tradição requer a titularidade do domínio por parte do alienante, pois a ninguém é dado transferir mais direitos do que possui. Logo, quem não é dono, não pode transferir o domínio, pois falta poder de disposição sobre a coisa.
E é nesse contexto que se põe a polêmica questão acerca da aquisição ou venda a non domino, expressão mais usual na doutrina e jurisprudência. Como explica Francisco Paes Landim, em obra de referência sobre o tema, a categoria das aquisições a non domino engloba uma enorme variedade de figuras jurídicas, inclusive figuras aquisitivas nas quais o patrimônio do verus dominus se desloca da titularidade de quem não é proprietário para a esfera jurídica do comprador7.
Nesse ponto, conquanto tida como sinônimo de venda a non domino, dela se distingue, porque a alienação da coisa por quem não é proprietário, representante ou substituto negocial, com a entrega imediata da coisa ao comprador, não tem, em regra, efeitos translatícios da propriedade, como deixa claro o art. 1.268 CC, regra já constante do art. 622 do Código Beviláqua.
Reina dissenso na doutrina sobre se a venda a non domino constitui negócio inexistente8, nulo9 ou ineficaz10 – discussão que acaba se refletindo na jurisprudência, embora o Superior Tribunal de Justiça tenda a considerar a venda a non domino um vício que gera nulidade absoluta, impossível de ser convalidada11.
Segundo o art. 1.268 CC, a tradição não produz efeitos translatícios da propriedade se a alienação foi feita por quem não era dono, exceto nos casos em que a coisa móvel é oferecida ao público em leilão ou estabelecimento comercial, situações que induzem o adquirente – ou qualquer pessoa – a crer na seriedade do negócio. Diz o dispositivo:
"Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.
§ 1º. Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.
§ 2º. Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo."
A regra, portanto, é que a venda pelo non domino de bem móvel não transfere o domínio ainda quando tenha havido a tradição do bem a terceiro de boa-fé, em respeito ao princípio nemo plus iuris. O dispositivo – considerado inovação em relação ao diploma anterior – só tutela o terceiro de boa-fé que adquire coisa móvel oferecida ao público em leilão ou estabelecimento comercial, pois a publicidade daí decorrente induz qualquer um a acreditar na titularidade aparente do bem12.
A norma é uma aplicação da teoria da aparência, pela qual tutela-se a confiança legítima do adquirente de bem ofertado ao público em geral, garantindo-se, em última instância, a segurança do comércio jurídico.
Nesse caso, a tutela da boa-fé subjetiva do adquirente (amparada nas circunstâncias objetivas da publicidade da venda e na verossimilhança da procedência da coisa) justifica a desconsideração do vício originário decorrente da falsa titularidade, ainda que às custas da posição jurídica do verdadeiro titular do direito de propriedade.
O § 1º do art. 1.268 CC contempla a hipótese em que o alienante não titular adquire posteriormente a propriedade do bem alienado, circunstância que o legislador considera apta a transferir o domínio retroativamente desde o momento da tradição se o adquirente estava de boa-fé, ignorando a ausência de titularidade do tradens, regra que já constava da segunda parte do art. 622 do Código Beviláqua.
Por fim, o § 2º do mencionado dispositivo estabelece que a tradição, baseada em negócio jurídico nulo, não tem o condão de transferir a propriedade, com o que a lei deixa claro que a tradição, no direito brasileiro, é ato causal que requer a validade do título subjacente.
Do exposto, conclui-se que no direito brasileiro e alemão vige o princípio nemo plus iuris e que, em casos excepcionais, a lei protege o adquirente de boa-fé. Porém, conquanto o art. 1.268 CC tutele o adquirente de boa-fé na venda a non domino, essa proteção é bem mais tímida que a proteção conferida no direito alemão, pois o § 932 BGB não exige que a coisa tenha sido ofertada ao público (situações em que a publicidade da venda justifica a presunção legal de boa-fé do adquirente), tutelando, portanto, o adquirente em outras situações de venda a non domino em que as circunstâncias do caso concreto também justificam a tutela da confiança do terceiro de boa-fé.
__________
1 "2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, exceto na doação de gametas ou embriões para parentesco de até 4º (quarto) grau, de um dos receptores (primeiro grau: pais e filhos; segundo grau: avós e irmãos; terceiro grau: tios e sobrinhos; quarto grau: primos), desde que não incorra em consanguinidade."
2 "4. Deve ser mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores, com a ressalva do item 2 do Capítulo IV. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente aos médicos, resguardando a identidade civil do(a) doador(a)."
3 § 932. Gutgläubiger Erwerb vom Nichtberechtigten. (1) Durch eine nach § 929 erfolgte Veräußerung wird der Erwerber auch dann Eigentümer, wenn die Sache nicht dem Veräußerer gehört, es sei denn, dass er zu der Zeit, zu der er nach diesen Vorschriften das Eigentum erwerben würde, nicht in gutem Glauben ist. In dem Falle des § 929 Satz 2 gilt dies jedoch nur dann, wenn der Erwerber den Besitz von dem Veräußerer erlangt hatte.
(2) Der Erwerber ist nicht in gutem Glauben, wenn ihm bekannt oder infolge grober Fahrlässigkeit unbekannt ist, dass die Sache nicht dem Veräußerer gehört.
4 OLG Oldenburg 9 U 52/22, p. 2. No mesmo sentido: SCHULTE-NÖLKE, Handkommentar BGB, § 932, Rn. 1, p. 1433.
5 OLG Oldenburg 9 U 52/22, p. 2, citando julgados do BGH: BGHZ 77, 274 e NJW 2013, 1946.
6 No original: "Im Rahmen des § 932 Abs. 2 BGB gibt es keine Entlastung wegen fehlendersubjektiver Fahrlässigkeit, weil der Rechtsverkehr sich bei der Konkretisierung des guten Glaubens auf gleichmäßige Mindestanforderungen einstellen können muss. Es gilt daher ein streng objektiver Maßstab, sodass die persönlichen Maßstäbe des Erwerbers und seine Handelsgewohnheiten den Maßstab nicht mindern (BGH LM § 932 Nr. 12, 21). Der Beklagte kann sich mithin nicht darauf berufen, dass es sich aus seiner Sichtum einen üblichen Geschäftsvorgang gehandelt habe, den er bzw. Familienangehörige bereits wiederholt inähnlicher Weise praktiziert hätten, der Kauf ihm persönlich unverdächtig vorkam und er gutgläubig gewesen sei."
7 A propriedade imóvel na teoria da aparência. São Paulo: Editora CD, 2000, p. 129 ss. Outro nome de referência na área de direitos reais, de leitura indispensável é Roberta Mauro Medina Maia. Teoria geral dos direitos reais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
8 ROSENVALD, Nelson e BRAGA NETTO, Felipe. Código civil comentado. 3ª ed. São Paulo: JusPodium, 2022, p. 1367.
9 Nesse sentido, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona entendem que a alienação a non domino conduz à nulidade absoluta do negócio jurídico por impossibilidade jurídica do objeto (art. 166 II CC). Para os autores, não há que se falar em inexistência do negócio, pois objeto há; todavia, é juridicamente impossível operar a transmissão devido à falta de legitimidade dominial do transmitente. Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 223.
10 Nesse sentido: TEPEDINO, Gustavo; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo e RENTERIA, Pablo. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 172s. Para os autores, a venda a non domino não configura negócio nulo, mas ineficaz para a transferência do domínio, embora produza outros efeitos, como a transferência da posse da coisa ao adquirente.
11 A guisa de exemplo, no EDcl no REsp. 1.199.972/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 19/5/2015, afirma-se que a venda a non domino dá azo à nulidade do negócio jurídico independente da boa-fé do terceiro adquirente; AgInt na AR 5.465/TO, Rel. Min. Raul Araújo, j. 12/12/2018 e Ag em REsp. 2.127.146/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15/12/2022.
12 Veja-se o Ag em REsp. 579.886/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 19/2/2015, no qual tutelou-se a boa-fé de quem adquiriu carro em leilão público e providenciou a transferência da propriedade no órgão de trânsito. No Ag em REsp. 1.986.149/SP, Rel. Min. Humberto Martins, j. 25/11/2021, o STJ afirmou que a proteção do adquirente de boa-fé só se dá na hipótese de alienação realizada em local público ou estabelecimento comercial, não abarcando a situação em que o veículo alugado fora vendido irregularmente pelo locatário a terceiro de boa-fé, caso em que o negócio foi considerado nulo.