German Report

EMERJ discute fake news, discurso de ódio e liberdade de expressão – Parte II

Mentimos sem pensar, para evitar conflitos e tornar mais fácil a convivência em sociedade.

28/10/2022

As fake news são mais propagadas que notícias verdadeiras. 

Hoje dá-se continuidade à coluna publicada em 23/8 acerca do evento sobre "fatos alternativos", fake news, discurso de ódio e liberdade de expressão, realizado na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 12/8, sob a coordenação desta articulista e da Des. Cristina Tereza Gaulia, Diretora da EMERJ. 

O evento contou com a presença da Ministra do Tribunal Constitucional da Alemanha (Bundesverfassungsgericht), Sibylle Kessal-Wulf e do Des. André Gustavo Corrêa de Andrade (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), cuja brilhante fala apresenta-se agora ao leitor, ainda que com o reducionismo das sínteses. 

Ambos painelistas foram unânimes em acentuar o grande potencial lesivo que as fake news e os discursos de ódio causam ao debate público, à formação da opinião pública e, em última instância, à democracia, como temos presenciado nessa quadra da história em diversos cantos do globo. 

A mentira faz parte do tecido social 

Andrade iniciou sua fala explicando que a mentira faz parte, até certo ponto, do próprio tecido social. Mentimos sem pensar, para evitar conflitos e tornar mais fácil a convivência em sociedade.

Basta pensar nas chamadas "mentiras brancas", aquelas que contamos para evitar ferir os sentimentos dos outros ou para não sermos considerados deselegantes ou desagradáveis.

O mesmo se dá com as mentiras "benevolentes" ou "benéficas", como as contadas a um paciente no leito de morte com o intuito de aliviar seu sofrimento ou para proteger a vida ou a integridade de uma pessoa. 

Distinção entre desinformação (fake news) e informações falsas (misinformation)

Essas mentiras brancas ou inverdades não demandam uma resposta do direito. Problemáticas, contudo, são as informações falsas que, publicadas em meio digital, deliberadamente ou não, têm o potencial de causar danos a terceiros, geralmente com o propósito de alcançar algum resultado econômico, político ou de outra natureza. Essas são as chamadas fake news ou "desinformação", explicou o magistrado.

Andrade afirmou ser importante distinguir ainda entre informações falsas ou imprecisas, as quais são difundidas desconhecendo sua falsidade, daquelas informações que são disseminadas com a consciência de que não correspondem à verdade.

No primeiro caso, a falsidade não é deliberada, pois a falta de correspondência entre o que é afirmado e a realidade deriva de erro ou ignorância, sendo, por isso, denominadas na língua inglesa de misinformation.

No segundo caso, da mentira deliberada, as informações são fabricadas ou disseminadas com a consciência de sua falsidade e/ou inexatidão com o propósito de enganar, ludibriar ou confundir terceiros. Essa caracteriza a desinformação ou disinformation, explicou.

Mas existe ainda uma terceira categoria, denominada mal-information, na qual uma informação de conteúdo verdadeiro é compartilhada com o propósito de causar dano a uma pessoa, organização ou país. É o caso da divulgação de informações pessoais, como a orientação sexual de alguém, sem que haja legítimo interesse público a justificar a propagação.

A manipulação da expressão "fake news" como estratégia política

O magistrado da Corte fluminense chamou atenção para o fato de que a expressão fake news vem sendo utilizada de forma abusiva com o intuito de desacreditar a imprensa e o trabalho de jornalistas. Governantes populistas, especializados em manipular a verdade, disse, estão sempre prontos a se valer da expressão para acusar jornais e matérias jornalísticas que contrariam seus interesses políticos e pessoais.

Em tempos de polarização ideológica, é mais fácil desacreditar uma pessoa ou veículos de imprensa do que refutar racionalmente, com argumentos e evidências, uma notícia falsa, afirmou. Donald Trump é um bom exemplo: o ex-presidente norte-americano chegou a confessar certa vez que usava deliberadamente a expressão fake news para desacreditar a cobertura negativa da imprensa sobre seu governo1.

É a estratégia de atacar a credibilidade do emissor para não ter que prestar contas em relação ao conteúdo da mensagem (a notícia), criando uma cortina de fumaça sobre fatos de interesse público, constatou o Desembargador, com a precisão que lhe é peculiar.

Ele lembrou, porém, que nem sempre a falsidade é evidente. Com frequência, ela vem mascarada para não ser facilmente identificada e rebatida. A falsidade da mensagem pode decorrer não só de seu conteúdo, mas também da forma como é apresentada: ela pode vir fora de contexto ou ser apresentada de forma incompleta, parcial ou fragmentada, com a omissão de detalhes importantes, levando o receptor a equívocos graves.

Muitas vezes, a falsidade está já na manchete, que pode ser falsa, dúbia ou exagerada, explicou o conferencista. Frequente é ainda a sobreposição de fatos e opiniões, fazendo com que não se consiga distinguir facilmente uns dos outros.

Nesses casos, as opiniões vêm, em geral, alicerçadas sobre premissas factuais falsas e, com essa estratégia, o autor da mensagem busca se eximir de responsabilidade ao argumento de que está apenas expondo sua opinião, quando o que faz, na verdade, é apresentar um ponto de vista que se apoia em uma falsidade. Enfim, inúmeras são as formas que a falsidade assume, tornando difícil sua identificação e controle, afirmou Andrade.

Notícias falsas ganham proporções endêmicas na era digital

O problema é que a distorção, dissimulação e o falseamento da verdade ganham proporções endêmicas na era digital.

Segundo o magistrado, o fenômeno das fake news está intimamente relacionado com o conceito de "pós-verdade" (post-truth), segundo o qual a verdade é uma noção relativa, que tem menos relevância do que as convicções ou crenças pessoais.

O que se vê nas redes sociais e em outros meios digitais é tão somente o apego radical a certas crenças, sejam elas ideológicas, políticas ou religiosas ou, ainda, a sentimentos e emoções, com desprezo e repúdio a argumentos, evidências ou provas factuais.

O problema é que, quando isso ocorre, os fatos e as evidências deixam de ser a base comum da qual se parte para um debate e, sem essa base factual comum, subsistem apenas as paixões políticas, ideológicas, religiosas, etc.

Em tempos de pós-verdade, não há fatos incontestáveis ou inquestionáveis, mas apenas versões ou narrativas. A credibilidade do que é dito depende mais de quem o diz ou sobre quem se diz do que do conteúdo em si.

A crença cega se sobrepõe à evidência e quando as evidências são apresentadas e se mostram irrefutáveis, elas são rejeitadas ou desconsideradas sob a irônica acusação de fake news, disse ele.

Mas não se pode confundir fatos com opiniões, alertou Andrade, em sintonia com o entendimento do Tribunal Constitucional alemão, exposto pela Min. Sibylle Kessal-Wulf.

Fatos são acontecimentos que podem ser comprovados, verificados, demonstrados por evidência e passíveis de refutação pela experiência. Opiniões, ao contrário, constituem crenças ou julgamentos subjetivos e variáveis, que dependem de seu emissor e intérprete.

Por que acreditamos tão facilmente em fake news?

E o Desembargador lança uma questão central na atualidade: mas, afinal, por que acreditamos tão facilmente em fake news? Não há uma resposta simples, disse ele.

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que o ser humano tende a acreditar naquilo que lhe é dito, mesmo quando tem boas razões para duvidar. A vida em sociedade seria extremamente difícil, senão impossível, se duvidássemos constantemente uns dos outros, explicou.

Viver em uma sociedade complexa e plural exige um considerável grau de confiança mútua. E faz sentido que assim seja, porque a comunicação humana é, em sua imensa maioria, honesta.

Além disso, há outra explicação fornecida pela psicologia da comunicação. Os estudos mostram que o cérebro humano funciona com dois sistemas distintos de pensamento: o Sistema 1, que opera de forma automática e rapidamente, com pouco esforço e o Sistema 2, no qual se processam atividades mentais mais laboriosas e complexas.

Embora tendamos a pensar que agimos de forma refletida, ponderada e calculada, com base no Sistema 2, que exige de nós esforço mental e reflexão, a verdade é que operamos na maior parte do tempo com o Sistema 1, fazendo associações rápidas e automáticas a partir de nossas impressões, sensações, emoções e crenças, agindo de forma intuitiva.

E é justamente por isso que somos suscetíveis a acreditar em notícias falsas, passada adiante logo após a leitura (apenas) do título, sem que tenhamos parado para ler e analisar seu conteúdo. E, o que é mais assustador: manteremos essa crença em alguma parte da nossa mente, mesmo que a notícia seja posteriormente desmentida.

E como nossa mente opera primordialmente pelo Sistema 1, estamos mais suscetíveis a acreditar na informação primária do que na "metainformação", ou seja, na informação sobre outra informação.

Duvidar da veracidade de uma informação ou notícia exige reflexão, esforço, uma postura mental ativa que não é exigida de nossa mente quando somos impactados pela notícia falsa. Em outras palavras, a primeira impressão é a que fica, mesmo que falsa.

Falando sobre a resistência humana em se confrontar com informações que contrariam suas próprias crenças, Andrade explica, com base nos estudos da psicologia da comunicação, que todos nós somos formados por ideias, sentimentos, crenças e convicções pessoais acerca do mundo que nos cerca.

Quando nos depararmos com informações que contrariam nossas crenças, opiniões e até nosso comportamento, ocorre uma "dissonância cognitiva" (cognitive dissonance), expressão usada para descrever a sensação de desconforto psicológico do indivíduo que se vê diante de informações conflitantes com suas crenças, valores ou atitudes.

E quando a dissonância se refere a crenças e opiniões particularmente sensíveis (como política, moral e religião), o indivíduo se vê ameaçado e afetado em sua própria identidade.

Ele tende, então, a eliminar ou reduzir essa dissonância, seja (a) mudando sua opinião e/ou comportamento; (b) escondendo sua opinião, evitando debates sobre o tema e ignorando fontes de informação contrárias à sua crença ou (c) buscando justificativas ou racionalizações em apoio à sua crença ou opinião.

Nesse último caso, ocorre o "viés de confirmação" (confirmation vias), fenômeno psicológico caracterizado pela tendência dos indivíduos de favorecer informações que confirmam suas crenças ou ideias preexistentes e desconsiderar as que a contrariam.

O fenômeno das câmaras de eco nas redes sociais

O indivíduo com esse viés, explica o magistrado, passa a buscar apenas fontes que confirmem ou apoiem suas crenças e valores, ignorando evidências que indicam que ele está errado. Quanto mais importante for uma opinião ou convicção pessoal, mais a pessoa tende a rejeitar informações que a contrariem e mais inclinado estará a procurar justificações ou opiniões que a suportem.

O viés de confirmação acaba sendo reforçado pelas chamadas "câmaras de eco" (echo chambers), metáfora que faz referência a ambientes específicos da web nos quais pessoas de um grupo compartilham das mesmas ideias e opiniões, sem margem para dissensos.

Dentro desses espaços, os usuários compartilham informações semelhantes, basicamente "ecoando" umas às outras. Em um ambiente no qual todos compartilham da mesma opinião, o indivíduo tem suas crenças reforçadas e passa a desconsiderar pontos de vista distintos. No que diz respeito a questões políticas, os membros do grupo acabam desenvolvendo uma "visão de túnel", tornando-se cegos a opiniões discordantes2.

E é justamente nas redes sociais on-line que esses ambientes têm proliferado e atraído um grande número de pessoas. Nesses ambientes, é comum a disseminação de rumores e informações não baseadas em evidências.

Como os integrantes compartilham da mesma ideologia, não há preocupação com checagem das fontes e com a veracidade das mensagens, que reforçam as ideias de todo o grupo. Vozes eventualmente dissidentes dentro do grupo acabam sendo excluídas ou desacreditadas.

Polarizações dos grupos e a vertiginosa propagação das notícias falsas

As câmaras de eco tendem a influenciar as emoções dos integrantes e a intensificar a "polarização de grupo" (group polarization), fenômeno que consiste na exacerbação e radicalização das posições originárias dos indivíduos que integram esses espaços. E, na medida em que suas ideias são confirmadas por outros, as pessoas se sentem mais fortalecidas e confiantes, e tendem a avançar em direção a pontos de vista, decisões e atitudes mais extremas.

E, para piorar, os estudos comprovam que as notícias falsas têm uma propensão a se espalhar mais rapidamente do que notícias reais, principalmente nas redes sociais. Ao contrário do que se imagina, a disseminação de informações falsas não se deve apenas ao uso de internet bots.

Os estudos mostram que as notícias falsas se propagam mais rapidamente no Twitter, porque muitas pessoas – de carne e osso – "retweetam" essas notícias. Ou seja, as pessoas, não os robôs, são os principais responsáveis pela maior disseminação de fake news.

O estudo trouxe dados preocupantes: notícias falsas têm 70% mais chances de serem "retweetadas" do que histórias verdadeiras; histórias falsas se disseminam seis vezes mais rápido do que as verdadeiras e, além disso, as falsidades, com frequência, se disseminam em alta velocidade como resultado de um "efeito cascata" (cascade effect), refletindo uma espécie de "comportamento de rebanho" ou "comportamento de manada".

Dentre as principais forças que impulsionam as cascatas informacionais está a "homofilia" (homophily), fenômeno estudado na Sociologia e observado nas redes sociais, caracterizado pela maior tendência dos indivíduos se associarem e se relacionarem com indivíduos com os quais compartilham semelhanças, ou seja, os mesmos gostos, interesses, inclinações políticas, religião, educação, gênero e outras características sociais. Esse fenômeno ajuda a compreender porque determinadas informações tendem a se disseminar mais em certos grupos do que em outros.

Essa tendência psicológica é potencializada pelos mecanismos de busca da internet, que, com os seus algoritmos, constroem o perfil do usuário, para filtrar e exibir as informações que estejam mais de acordo com esse perfil. Esses mecanismos acabam por conceber um universo de informações específico e sob medida para cada um de nós, alterando o modo como nos deparamos com as ideias e informações.

Ao nos direcionar para aquilo que nos deixa mais confortável psicologicamente, o filtro, porém, nos reduz e empobrece, pois nos afasta daquilo que é diferente ou contrário ao nosso perfil.

Em consequência, alguém que é mais conservador ou mais liberal tenderá a receber informações que mais se encaixem nesse perfil, em um constante processo de retroalimentação que subtrai o recebimento de informações que desafiem suas convicções, alerta o painelista.

O mais grave é que isso ocorre de forma imperceptível, sem nos darmos conta. Acabamos por ficar presos em um mundo digital personalizado, pasteurizado e unidimensional.

Em consequência disso, no ambiente on-line já não somos verdadeiramente autônomos, nem inteiramente livres para dirigir nossas escolhas, afirmou o magistrado, que vem estudado o tema da liberdade de expressão há muitos anos. 

Desinformação e danos à democracia

Particularmente grave e danoso para a democracia é a utilização de fake news com o objetivo de propagação de notícias falsas com o intuito de influenciar no processo de decisão política, alerta.

Essas notícias falsas têm sido disseminadas em larga escala nas mídias sociais com o auxílio de programas ou softwares (internet bots ou social media bots) que, de forma automática e em larga escala, fazem postagens ou enviam mensagens como se fossem usuários reais, de carne e osso.

E não se pode ignorar que o problema da desinformação política tende a se agravar com o uso de vídeos adulterados (doctored vídeos), com manipulação de imagens e sons.

Ainda mais preocupante é a desinformação com o emprego da chamada deep fake, técnica baseada na inteligência artificial que permite criar vídeos falsos, com a superposição de imagens, através do uso de softwares que utilizam a técnica de reconhecimento facial (facial recognition) e "clonagem" de voz, com grau de acuidade cada vez maior. Os resultados podem ser altamente convincentes, especialmente em vídeos de baixa resolução, comuns em postagens on-line, alerta o magistrado.

Regular ou não regular as redes sociais, eis a questão 

Segundo o conferencista, é evidente que conceber o ciberespaço como um território inteiramente livre, imune a qualquer tipo de restrição ou regulação, onde a liberdade de expressão poderia ser exercitada em sua plenitude, constitui uma visão romantizada do ambiente digital, que não se sustenta diante dos inúmeros abusos praticados na internet.

Os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada não podem estar acima ou à margem da lei, disse categórico. "Toda liberdade implica responsabilidade", afirmou em harmonia com o entendimento amplamente majoritário no direito europeu.

A internet é um poderoso instrumento de comunicação, mas, como todo instrumento, pode ser – e tem sido – utilizada para práticas nocivas e danosas, com a divulgação de discursos de ódio; a postagem de mensagens ofensivas à honra; o cyberbulling; a violação da privacidade e da intimidade; a prática de pornografia de vingança; a veiculação de pornografia infantil; a disseminação de fake news, etc.

"Tais abusos não podem ser tolerados em nome da liberdade de expressão. A liberdade encontra limites naturais na liberdade e nos direitos de outrem", afirmou. São esses limites que tornam a vida em sociedade possível.

Os inúmeros abusos cometidos diariamente nas redes sociais, com a proliferação e viralização de mensagens falsas, coloca em xeque essa convicção apresentada, séculos atrás, por Milton, que acreditava que, no confronto livre de ideias, a verdade sempre triunfaria.

Nos tempos atuais, isso nem sempre ocorre, reconheceu o conferencista. A metáfora de um livre “mercado de ideias”, ao qual toda e qualquer manifestação de pensamento deveria ser submetida, para demonstrar sua força, credibilidade e aceitação, tal como idealizado por Oliver Wendell Holmes Jr.3, certamente fazia mais sentido em uma época anterior à internet, reconheceu Andrade.

A autorregulação não tem se mostrado suficiente para dar conta dos diversos abusos ocorridos na internet, dentre eles a proliferação das fake news. As redes sociais são administradas por empresas privadas, que, como tal, pautam suas decisões por um raciocínio eminentemente econômico, de modo que não se pode ser ingênuo a ponto de acreditar que, no enfrentamento de mensagens e notícias falsas, essas companhias tomem atitudes que possam ameaçar a lucratividade do seu negócio.

A partir dessa percepção, muitos preconizam a criação de diploma normativo que estabeleça um sistema de "autorregulação regulada" dos grandes provedores de redes sociais, como defendido na Alemanha.

O modelo alemão da autorregulação regulada

Através do modelo da autorregulação regulada é possível associar as vantagens da autorregulação – em especial, a expertise tecnológica das redes sociais e sua agilidade na correção de fraturas no ecossistema informacional – com as vantagens da regulação estatal – em especial, o poder de coerção e a atuação voltada primordialmente para o atendimento do interesse público, explicou Andrade.

A Alemanha deu passo importante nesse sentido com a promulgação de lei que busca combater o hate speech e as fake news nas redes sociais, a chamada Netzwerkdurchsetzungsgesetz (NetzDG), em vigor desde 01.10.2017. Como em geral acontece quando há um novo diploma legislativo, críticas e elogios foram feitos à lei alemã, dentro e fora da Alemanha, recordou o Desembargador.

Uma das críticas mais comuns apontava para o risco de overblocking, ou seja, censura de conteúdos legítimos por receio de responsabilização das plataformas, o que tem sido refutado pelos defensores da nova lei4, como também afirmou a Min. Sibylle Kessal-Wulf em sua fala, alertando para o discurso do pânico.

Andrade fez coro com a magistrada alemã lembrando que a União Europeia chegou a um acordo com o objetivo de regular as mídias digitais através de lei, o Digital Services Act (DSA). Mas não há ainda um diploma legal que regule especificamente os serviços dos provedores de redes sociais e de mensageria privada.

A situação no Brasil

A tendência, no entanto, disse o magistrado, parece ser a da regulação dos serviços dos chamados grandes provedores5. Em assim sendo, porém, não se deve perder de vista que a democracia no Brasil ainda é relativamente jovem e precisa sedimentar uma cultura jurídica em torno do princípio da liberdade de expressão, ponderou. Ainda carecem de fixação entre nós parâmetros jurídicos e doutrinários seguros em relação à interpretação desse princípio fundamental, disse Andrade.

Por essa razão, impõe-se cuidado redobrado com ideias de combater as fake news através de lei, que, se não for bem pensada, pode comprometer aquilo que, para muitos, é a grande vantagem e o sucesso da rede mundial de computadores: uma robusta liberdade de expressão, com ampla troca de informações.

Uma coisa é definir, de forma genérica e abstrata, o conceito de desinformação, outra coisa bem distinta é determinar, no exame do caso concreto, se uma determinada notícia ou mensagem entra ou não nessa categoria.

Tudo isso aponta para os riscos trazidos pelo exame de conteúdo de mensagens por juízes e tribunais, que terão que lidar com a complexidade da linguagem humana, para, concretamente, interpretar se uma dada mensagem constitui ou não fake news, concluiu o magistrado.

__________

1 Veja-se, a respeito aqui.

2 Veja aqui.

3 Oliver Wendell Holmes cunhou a metáfora do “marketplace of ideas” no julgamento do caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630 (Supreme Court 1919).

4 Veja-se: EIFERT, Martin. A Lei Alemã para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais (NetzDG) e a Regulação da Plataforma. In: Fake News e Regulação. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 181 e seg.

5 Atualmente, tramita no Congresso Nacional o PL 2630, que tem por objetivo regular os serviços dos grandes provedores de redes sociais e de mensageria privada.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15