German Report

Entrevista: Professor Dr. Claudio Scognamiglio

Nesse mês de setembro, temos a honra de trazer aos leitores uma entrevista exclusiva com um dos mais renomados juristas italianos da nova geração: Claudio Scognamiglio.

29/9/2022

A coluna German Report tarda, mas não falha! E, nesse mês de setembro, temos a honra de trazer aos leitores uma entrevista exclusiva com um dos mais renomados juristas italianos da nova geração: Claudio Scognamiglio.

Nascido em Napoli em 1962, Scognamiglio concluiu o curso de direito em 1985 perante a célebre Faculdade "La Sapienza", em Roma, doutorando-se em 1993 sob orientação do renomado Prof. Giovanni Battista Ferri com tese sobre a teoria revisionista da pressuposição de Bernhard Windscheid: Die Lehre des römischen Rechts von der Voraussetzung (1850).

Após passar por distintas instituições, atualmente Scognamiglio é Professor Titular de Direito Privado na Faculdade de Direito da Universidade de Roma - Tor Vergata, tendo sido eleito recentemente para presidir a renomada Associazione Civilisti Italiani no triênio 2022 a 2024.

O autor tem inúmeras publicações relevantes nas áreas da responsabilidade civil, obrigações e contratos, abordando temas como as funções da responsabilidade civil, danos punitivos, dano biológico, autonomia privada, cláusulas gerais, responsabilidade pré-contratual, contrato preliminar, revisão e interpretação contratual, apenas para mencionar algumas questões centrais do direito privado na atualidade.

Scognamiglio fala ao leitor do German Report sobre sua vida e sobre temas candentes da contemporaneidade, como a modernização do direito privado, análise econômica do direito, eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, terceiro gênero de responsabilidade civil, causa do contrato, revisão contratual e onerosidade excessiva, dentre outros.

Essa entrevista foi feita a quatro mãos e agradeço penhoradamente ao ilustre colega, Thiago Rodovalho, Professor Doutor da Faculdade de Direito da PUC-Campinas, pelo prazeroso trabalho conjunto. Confira a entrevista! 

Você tem forte influência da doutrina germânica. Como ocorreu sua ligação com a língua e o direito alemão?

Cresci numa família de juristas. Meu pai foi professor durante cerca de cinquenta anos, primeiro de direito civil, depois de direito do trabalho e, portanto, ficou imediatamente claro para mim a centralidade da literatura jurídica alemã na formação de um jurista, pelo menos nos anos 80 do século passado, mas diria que ainda hoje: começando pela Pandectista e terminando com Larenz, Flume, Medicus, Fikentscher – cito apenas alguns dos autores que foram mais importantes para os meus estudos.

Enquanto as obras dos pandectas alemães foram, em sua maioria, traduzidas para italiano, o mesmo não ocorreu com as obras dos outros autores que mencionei e muitos outros, razão pela qual comecei a estudar alemão quando tinha dezesseis anos no Goethe Institut em Roma. Devo dizer que a ideia de estudar alemão foi feliz, porque, sabendo que eu conhecia a língua tedesca, meu mestre acadêmico, Prof. Giovanni Battista Ferri, atribuiu-me uma tese de láurea sobre a pressuposição (Voraussetzung), um assunto que não teria sido fácil estudar em profundidade sem conhecer o alemão. 

A boa-fé objetiva do § 242 BGB foi um dos principais instrumentos de modernização do direito das obrigações alemão no século 20. Ela serviu de base legal para o desenvolvimento de figuras como a culpa in contrahendo, violação positiva do contrato, quebra da base do negócio, contrato com eficácia de proteção face a terceiros e a teoria da confiança. Qual a importância da boa-fé para o desenvolvimento do direito privado italiano?

A cláusula geral de boa-fé teve, e continua a ter, uma importância fundamental no desenvolvimento do direito privado italiano, no contexto de um clima cultural cada vez mais favorável à utilização de cláusulas gerais, especialmente como instrumentos de adaptação do sistema normativo – por meio do trabalho de concretização pela jurisprudência – às solicitações provenientes da realidade econômica e social. Considerando que, respondendo outra pergunta, terei oportunidade de falar sobre a boa-fé no contexto da responsabilidade pré-contratual, quero chamar aqui a atenção para duas outras questões que foram estabelecidas pela doutrina e pela jurisprudência através da cláusula geral de boa-fé.

Refiro-me, antes de tudo, à teoria da responsabilidade pelo contato social qualificado, que foi objeto de um desenvolvimento particularmente cuidadoso através de uma decisão ainda recente das Secções Unidas da Corte di Cassazione (n.º 826/2020). A hipótese reconstrutiva a partir da qual esta elaboração se move é resolvida na questão de saber se, ao lado do modelo representado pela responsabilidade pré-contratual, podem se delinear outras hipóteses de confiança capazes de dar origem a obrigações entre partes que não possam ser reconhecidas na qualificação de devedor e credor instaurada pela obrigação de prestação. É precisamente a boa-fé que permite dar uma resposta positiva à questão, na medida em que permite atribuir relevância jurídica à confiança que uma parte pode depositar na conduta da outra, mesmo em contextos caracterizados pela ausência de uma relação contratual no sentido próprio.

É particularmente interessante notar, no que diz respeito precisamente à fundamentação do acórdão referido – referente a um caso de responsabilidade da Administração Pública por comportamento contraditório adotado face a um particular por ocasião da preparação de um empreendimento edilício – como a decisão reconstrói o conteúdo da situação jurídica subjetiva do particular que seria tomada em consideração aqui. Essa, segundo a Corte de Cassação, pode ser descrita como "uma situação autônoma, protegida em si mesma, e não em sua relação com o interesse público, como uma confiança sem culpa de natureza civilista, que se fundamenta... na confiança, na lesão da confiança e no dano sofrido como resultado da conduta determinada pela confiança mal depositada", ou seja, "uma expectativa de coerência e de não contrariedade do comportamento da Administração, fundada na boa-fé".

A importância da teoria do contato social qualificado é confirmada pelo grande número de hipóteses a que tem sido aplicada: desde a responsabilidade face ao paciente do médico que, conquanto inserido em uma instituição de saúde pública ou privada, não tem uma relação contratual direta com o paciente (questão que foi objeto recente de intervenção normativa destinada a reconduzir a matéria à área da responsabilidade extracontratual) até a responsabilidade do banco pela negociação irregular de um cheque intransferível; desde a responsabilidade da autoridade de controle de certas atividades empresariais até a responsabilidade do professor de escola pelos danos sofridos pelos alunos sujeitos à sua vigilância. A expansão desse modelo reconstrutivo, todo fundado na boa-fé, tem sido tal que recentemente tem havido uma tendência a criticar essa expansão excessiva.

O segundo caso para o qual quero chamar a atenção é aquele que foi decidido, ainda mais recentemente, pela Corte de Cassação n. 16743/2021. Esse último pronunciamento, no contexto de uma motivação bastante articulada e complexa, fez uso da boa-fé essencialmente para permitir a entrada em nosso sistema jurídico do instituto da Verwirkung. Em outras palavras, o acórdão considerou que um comportamento de prolongada inércia no exercício de um direito pode ser valorado, segundo a boa-fé, para tornar abusiva a iniciativa posterior destinada, em vez disso, a fazer valer o direito.

Nessa ordem de ideias, o que – como no caso da Verwirkung, foi efetivamente definido como uma cláusula geral do direito processual civil – poderia parecer coerente com uma abordagem sensível ao raciocínio daqueles (Nicolò Lipari) que recentemente colocaram no centro do discurso do jurista a referência à razoabilidade "como indício justificativo de uma decisão de relevância jurídica", de modo a identificar "um critério de ligação entre o sistema institucional e a sociedade civil que, sem necessidade de justificações particulares, torna a decisão aceitável para a maioria, no pressuposto de que qualquer outra solução seria claramente inadequada".

Enquanto os alemães recorrem à figura da culpa in contrahendo para solucionar o problema da violação culposa do dever pré-contratual de informação, outros ordenamentos jurídicos recorrem à figura do dolo ou do erro, em um processo de elastecimento conceitual dessas figuras. Como a Itália tem resolvido esse problema?

Na Itália, existe uma posição similar à da doutrina germânica no sentido de que a violação culposa dos deveres pré-contratuais de informação deve ser reconduzida sobretudo à figura da culpa in contrahendo. De fato, nos últimos vinte anos, tem-se desenvolvido uma construção doutrinária e jurisprudencial que, em caso de violação do dever de boa-fé na fase das tratativas (por exemplo, por falhas no fornecimento de uma informação à contraparte), admite uma responsabilidade ressarcitória (devido à menor conveniência do contrato, decorrente justamente do déficit informativo) mesmo quando se possa dizer que o contrato foi validamente celebrado pela ausência de um vício no consentimento (ver, por exemplo, Cass. 24795/08).

A Corte di Cassazioni, assim como o STJ, tem decisão considerando a culpa in contrahendo um terceiro gênero de responsabilidade civil, situado entre o contrato e o delito. Qual a natureza jurídica da culpa in contrahendo no direito italiano?

Após um longo período durante o qual, pelo menos no plano jurisprudencial, a tese da natureza extracontratual da responsabilidade pré-contratual era aceita de forma pacífica, a tendência inverteu-se a partir de 2011 com os acórdãos n. 24438 e 27648 da Corte di Cassazione. A questão da admissão da natureza "contratual" da responsabilidade pré-contratual, no sentido de uma "violação de uma obrigação preexistente", foi, então, posteriormente desenvolvida no julgado Cass. n. 14188/16.

Assim, foi necessário mais de meio século até a jurisprudência da Corte de Cassação chancelar as conclusões (ainda que sem todos os argumentos) da orientação doutrinária de Luigi Mengoni que, já em 1956, tinha salientado que, "com o disposto no art. 1337, o novo legislador estendeu o imperativo da boa-fé à fase das negociações e da formação do contrato, o que significa que as obrigações recíprocas de retidão, referidas no art. 1175 do Código Civil, surgem já nesta fase em função do específico interesse de proteção de cada parte em relação à outra enquanto tal, uma vez que, através da relação instaurada pelas tratativas, há uma possibilidade específica (que, de outra forma, não haveria) de interferência prejudicial na esfera jurídica da contraparte".

E, de fato, Mengoni havia ainda concluído, a partir dessa premissa, que a responsabilidade pré-contratual configura uma hipótese de responsabilidade pelo descumprimento de uma relação obrigacional pré-existente e que, "quando uma norma jurídica sujeita o desenvolvimento de uma relação social ao imperativo da boa-fé, isso é um indicio seguro de que essa relação social se transforma, no plano jurídico, em uma relação obrigacional, cujo conteúdo se trata precisamente de especificar à luz de uma valoração conforme a boa-fé". É claro que ainda existe alguma resistência doutrinária – e, em menor grau, também jurisprudencial – à tese acima delineada, mas pode-se dizer agora que essa prevalece.

A teoria da onerosidade excessiva do art. 1.467 do Código Civil italiano não se manteve fiel nem à teoria francesa da imprevisão, nem à teoria alemã da quebra da base do negócio jurídico. Trata-se de uma solução própria e adequada para abarcar todas as hipóteses de alteração superveniente das circunstâncias?

A disposição do art. 1.467 do Código Civil representou uma novidade significativa na concepção do Código Civil de 1942, na medida em que representava um primeiro reconhecimento normativo da relevância das superveniências contratuais, com referência à área dos contratos de execução continuada ou diferida, os denominados de duração.

Foi observado a este respeito (por Fabrizio Piraino) que "a principal característica das obrigações de longa duração deve ser buscada na relevância do tempo, que aqui não atua como um elemento instrumental para o adimplemento, como poderia acontecer nas obrigações cuja execução requer um certo lapso temporal para a elaboração ou para a obtenção dos meios para sua execução, ou seja, nas chamadas obrigações de trato sucessivo (por exemplo, a obrigação do empreiteiro de obras), mas como um requisito essencial intrínseco, poder-se-ia dizer, ao adimplemento".

Nos contratos de longa duração, de fato, como uma abordagem doutrinária muito antiga, mas ainda não desatualizada, tinha salientado (refiro-me a Giorgio Oppo), "a prestação é determinada em função da própria duração, uma vez que a sua extensão quantitativa depende da duração da relação. A duração atua, segundo a expressão de Osti, como uma nota individual da prestação e não como um modo de execução dela", delineando assim o que foi definido no acordo como um "diferimento da pretensão creditória, cuja satisfação incorpora a realização no tempo, de modo que, se as obrigações são ex contractu, o tempo rompe com a causa do contrato".

Mais recentemente, a reflexão doutrinária acerca da categoria dos contratos de duração e, portanto, da relação entre contrato e tempo, foi enriquecida, também na Itália, através da elaboração teórica dos contratos relacionais. Esta, por sua vez, partiu da constatação da importância, na atual ordem econômica, dos contratos que não se mantêm dentro de um prazo circunscrito e que se apresentam, só por esta razão, fortemente entremeados pelas relações e interações subsistentes entre as partes, legitimadas a esperar, uma da outra, uma disponibilidade mais acentuada de partilhar os encargos e benefícios derivados do contrato.

Esta passagem mostrou a limitação mais significativa da disciplina codificada da resolução por onerosidade excessiva superveniente, que se resolve essencialmente em intervenções dissolutivas da relação contratual, tendo em conta o conteúdo do art. 1467, terceira parte, ao qual voltaremos em breve, e do art. 1468 do Código Civil, que circunscreve a possibilidade de ocorrer uma redução da prestação nos casos em que os pressupostos do remédio se verificam diante de um contrato com obrigações a cargo de uma só das partes. Daí também, e em grande medida, as críticas feitas por Francesco Macario. Mas esse ponto me leva à pergunta seguinte.

O Prof. Francesco Macario tem criticado a teoria da onerosidade excessiva, pois, embora se apresente como uma teoria revisionista, manda extinguir o contrato por causa de um problema conceitualmente contornável na execução contratual. Como você vê essa disfuncionalidade?

É, de fato, bem conhecido, e foi novamente recordado recentemente por muitos dos enfrentaram a questão das superveniências contratuais no quadro da emergência causada pela pandemia – sobre a qual me debruçarei na resposta à pergunta seguinte – que a disciplina do Código Civil não apresenta uma sensibilidade particular para a área temática dos contratos relacionais que acaba de ser evocada: a abordagem tradicional do discurso sobre o contrato, considerando-o sob a perspectiva de um ato isolado de troca, é provavelmente a base dessa escolha sistemática.

E uma vez colocado o centro de gravidade da regulação do contrato fora da dimensão relacional acima evocada, é fácil compreender como a perspectiva corretiva atenta à necessidade de uma adaptação do regramento contratual às circunstâncias supervenientes, em hipóteses capazes de afetar a realização dos interesses perseguidos pelos contratantes, permaneceu circunscrita a hipóteses inteiramente marginais: como o demonstra a posição sistemática, bem como a própria regra, a oferta de redução por equidade, tal como disciplinada no art. 1467, terceira parte, do Código Civil, anteriormente referido, só pode ser feita pela parte contra a qual a resolução foi solicitada e após a correspondente demanda judicial ter sido apresentada pela parte afetada pela onerosidade excessiva superveniente.

Neste sentido, compreende-se, a meu ver, o ponto central da crítica – inteiramente partilhada – de Francesco Macário à forma como o art. 1467 do Código Civil foi concebido pelo legislador e inserido no sistema do Codice: os problemas suscitados pela questão das superveniências contratuais exigem essencialmente que sejam utilizadas técnicas para disciplinar a execução do contrato segundo a boa-fé. E a mesma cláusula geral da boa-fé pode fundamentar a obrigação de renegociar o contrato afetado pela superveniência.

A pandemia de Covid-19 tem sido considerada um evento extraordinário e imprevisível apto a permitir a revisão dos contratos? 

A resposta jurisprudencial ao problema da incidência da pandemia como tal, ou das medidas normativas adotadas para combatê-la, nem sempre foi unívoca: e é impossível dar conta de todas as diferentes orientações no breve espaço de resposta à pergunta em uma entrevista. Tanto mais que estes também foram parcialmente afetados pelas peculiaridades de eventos individuais.

Pode-se dizer, no entanto, que a pandemia, precisamente por seu alcance geral, desse ponto de vista, é realmente comparável a um evento bélico e tem confirmado a maior eficiência dos remédios de natureza preservadora do regramento contratual, pois estes são capazes de assegurar a ambas as partes, mesmo que apenas em parte, a utilidade derivada da execução do contrato, evitando, assim, a perda econômica que, para cada uma delas (e, ao final, com efeitos cumulativos para o sistema), derivaria do desfazimento total do negócio.

De fato, a peculiaridade da contingência socioeconômica desencadeada pela pandemia consiste precisamente no fato de que ela envolve (direta ou, ao menos, indiretamente, i.e., após as medidas de contenção que suspenderam quase a totalidade das atividades econômicas e produtivas) uma porcentagem muito significativa de relações contratuais em curso, tornando, assim, o destino de cada uma delas um problema tanto individual quanto sistêmico. Dito, embora com alguma aproximação, na linguagem dos economistas, trata-se de uma situação que afeta, ao mesmo tempo e em medida igualmente devastadora, as curvas da demanda e da oferta, tornando necessário, mesmo para o civilista, raciocinar sobre as possíveis soluções que evitem, na medida do possível, deteriorar tanto uma quanto a outra.

Na esteira dessas considerações, constata-se que as soluções dedutíveis das regras do Código Civil sobre a resolução de contratos por impossibilidade superveniente ou onerosidade excessiva, mesmo que tecnicamente sustentáveis, poderiam ser inadequadas para o fim, em razão da dimensão assumida pela emergência econômica em sua complexidade.

E aqui é o caso de refletir sobre todas as propostas reconstrutivas que têm evocado, elegantemente, o recurso ao instituto da pressuposição (como Vincenzo Roppo), que, reconduzida no plano operacional à disposição do art. 1464 do Codice, poderia, de fato, permitir uma flexibilidade reequilibradora da relação perturbada pela superveniência. No entanto – e para além do fascínio de uma solução que colocaria em campo, para resolver um problema dramático da contemporaneidade, um dos frutos mais refinados, e que me é particularmente caro em razão do estudo já mencionado – subsiste a dúvida sobre a facilidade de administrar, no caso individual, uma figura conceitual com contornos ao menos parcialmente efêmeros.

No Brasil fala-se cada vez mais em análise econômica do direito. Na interpretação do contrato no direito italiano prioriza-se mais a eficiência econômica do que outros parâmetros interpretativos, como a boa-fé e os usos e costumes?

Não me parece que a análise econômica do direito tenha, na doutrina italiana, uma influência particular sobre o tema da interpretação contratual. Um dos mais recentes contributos da doutrina italiana em matéria de interpretação (a referência é a Aurelio Gentili) partiu da questão do que deve ser interpretado quando se interpreta um contrato e observou, no quadro de uma contradição entre texto e contexto, que não é nova na reflexão sobre o assunto, que "fatos (individuais, sociais) e valores (éticos e econômicos) são relevantes para o intérprete" na medida em que "dão contexto. Feita de negociações nas quais, através de um cálculo em certa medida racional baseado nas circunstâncias em que certas partes operam por meio daquele quid que é o contrato, satisfazem – em certa medida, satisfatoriamente – certas necessidades através de certos bens, coisas ou prestações, que depois trocam materialmente de uma forma normalmente coerente com os objetivos".

No entanto, observa esta mesma doutrina que os fatos individuais e sociais, assim como os valores éticos e econômicos, não são capazes de dar um sentido ao que se valora e se faz e, em particular, não podem restituir o elemento de prescritividade e sua concretização na única dimensão na qual essa pode se manifestar como deveria ser, nomeadamente na linguagem: não dão, portanto, o sentido e não dão a regra, que constitui precisamente o sentido prescritivo que é o objetivo da interpretação. O contrato, portanto, de acordo com esta abordagem, é, ao fim da interpretação, a regra (o regramento): "aquele particular sentido vinculante que um fato (psicológico, social, ético, econômico) assume em um ordenamento jurídico. Em uma troca há, sem dúvida, diversas necessidades, interesses e bens (e isso é sociologia) capazes de os satisfazer e, portanto, úteis (e isso é economia), em relação aos quais uma parte e a outra concebem uma vontade, respectivamente, de alienação/aquisição (e isso é psicologia), que nas circunstâncias dadas consideram justas (e isto é ética).

Mas, em relação a tudo isso, para falar de contrato, é necessário estabelecer a produção e o sentido dos poderes e deveres específicos, que serão os instrumentos de atuação da vontade de satisfazer as necessidades através de poderes sobre bens que o outro terá o dever de fornecer", porque "só os poderes e deveres são direito e só o seu conjunto particular (o sentido abrangente das regras que lhe prescrevem e conformam) é o contrato. Chegamos, então, e nessa perspectiva afirmando a seguinte tese: "a interpretação do contrato não é somente e acima de tudo a procura da verdade... mas também procura de justificação, motivo pelo qual dizemos que uma parte, interpretando o contrato "desta forma" em vez "de outra forma", tem mais justificação do que outra versão que a conteste.

A interpretação do contrato pretende ser a justa composição de um conflito, conseguindo sê-lo "quando encontra um sentido prescritivo do texto que supera as objeções". E uma interpretação segundo este critério é aquela que corresponda à concepção básica do contrato, o respeito à autonomia privada. Em outras palavras, e em conclusão, “à interpretação o contrato, se oferecido como regra, expressa pelo texto, que pode ser determinada com base no contexto constituído pelo fatos individuais e sociais e pelos valores éticos e econômicos envolvidos, e subordinadamente e em dúvida com base nas regras de oportunidade político-legislativa escolhidas pelo legislador por considerações de eficiência e/ou justiça”.

Considerou-se oportuno avançar em busca de um resposta a essa recentíssima reconstrução doutrinária, porque fica claro que a análise econômica do direito pode ser tida (também) como matéria interpretativa, que é sempre o processo através do qual se busca conferir ao contrato o sentido que lhe é juridicamente relevante e, portanto, vinculante para os contratantes, somente quando extraído de uma norma jurídica. Com efeito, em ordenamentos jurídicos, tais como o italiano, em que a hermenêutica contratual é objeto de uma disciplina positiva, o argumento de maior solidez se mede pelo fato de se basear nas regras da interpretação do contrato postas pelo legislador, podendo se apresentar como insuscetível à crítica da contraparte contratual.

Afinal, o que o direito italiano entende por causa? Qual o conceito paralelo no direito alemão (Zweck)?

Tentar responder a essa pergunta, no curto espaço de uma entrevista, é realmente muito difícil. Na minha opinião, e não apenas pelo profundo vínculo com meu Mestre, que, como já mencionei, é Giovanni Battista Ferri, autor de um volume fundamental sobre o assunto, datado de 1966, a concepção mais acreditada é a da causa como uma função econômica individual. Entendida como uma função econômico-individual, a causa, longe de meramente evocar instâncias e sugestões típicas das teorias subjetivas, parece ser “o elemento de coesão de todos os demais elementos (primários ou secundários) de que tal atividade é composta” e "o índice de como esta regra privada é a expressão objetivada dos fins subjetivos que o autor ou os autores do negócio jurídico pretendem perseguir": portanto, "o elemento que liga tecnicamente a operação econômica, a que o negócio dá vida, entendida em sua totalidade, aos sujeitos que dela são autores" e "a dimensão racional e razoável (Zweck e junto Grund, se assim podemos dizer) da específica regra negocial, através da qual as partes regularam os seus interesses específicos e concretos, tendo em conta a especificidade que in concreto os caracteriza".

É precisamente nesta ordem de ideias que é feita, com particular rigor, a crítica relativa às consequências da sobreposição entre o nível da causa e o do tipo contratual, que decorreu da definição da causa como uma função econômico-social típica e que conduzia à necessidade de distinguir um esquema causal abstrato, representado pelo tipo, da causa concreta do negócio de fato. Ao contrário, observa-se, "a disciplina contida em uma figura contratual expressa, por esquemas abstratos, apenas um modelo, uma hipótese de organização de interesses a que as partes podem dar vida, não uma regulação concreta de interesses", enquanto a causa abstrata não existe, pois existe somente "a causa do negócio jurídico de fato".

A teoria da causa como função econômica individual, com base nesses desenvolvimentos, certamente não ficou confinada a uma área de pura crítica ideológica da teoria da função econômico-social, sendo, ao contrário, rica em importantes corolários práticos: desde a valorização da causa como instrumento de interpretação do contrato e de reconstrução da regra negocial na complexidade de sua articulação, até o afiançamento de uma técnica mais dúctil para selecionar os interesses que efetivamente justificaram a operação contratual, preparando assim também o remédio para sanar a falta de funcionalidade do contrato no que diz respeito aos interesses perseguidos pelas partes e valorando a eventual ilegalidade.

Em outro nível do discurso, então, a ênfase colocada na dimensão racional do ato de autonomia privada, que pode ser reconstruída justamente em termos de função econômico-individual, abre caminho para a afirmação da nulidade do contrato, quando o sentido de seu funcionamento não pode ser reconstruído nem mesmo pela interpretação: isto é, nudum pactum, compreendido justamente como um ato cujo significado racional não pode ser apreendido de forma alguma.

A mesma teoria da causa concreta, que se deve a Cesare Massimo Bianca, bem como os desenvolvimentos mais recentes que utilizaram a causa, e a referência ao interesse digno de proteção (contido no art. 1322.º do Código Civil italiano, mas agora entendido em um sentido profundamente diferente da abordagem original do Código Civil) para resolver problemas que poderíamos definir como o controle da autonomia privada, são, na minha opinião, resultado de desenvolvimentos da concepção de Ferri. 

O Prof. Pietro Perlingieri formou no Brasil a escola do direito civil constitucional, que prega a eficácia direta da Constituição sobre o direito privado. Na Alemanha e em outros países europeus sustenta-se, porém, a eficácia mediata dos direitos fundamentais no direito privado (mittelbare Drittwirkung). Qual corrente prevalece, em geral, no direito italiano?

O quadro não é totalmente uniforme e não apenas no sentido de que, como sempre acontece, as posições tomadas pela doutrina e pela jurisprudência diferem de tempos em tempos. Pode-se dizer, ainda que simplificando muito, que, em matéria de responsabilidade aquiliana, surgiu um sistema de fontes dentro do qual, na evolução do instituto nas últimas décadas, os princípios da Constituição e do que podemos chamar compreensivamente de Cartas de Direitos supranacionais desempenharam um papel particularmente incisivo, filtrado através da tessitura de normas ou cláusulas gerais pelas quais o assunto está entrelaçado, mas ao final destinado a uma espécie de aplicação direta.

Esse processo, porém, não se deu na esteira da abordagem de Perlingieri, sendo fruto das obras de Stefano Rodotà – através da referência ao limite da solidariedade, como elemento em cuja perspectiva se lê a fórmula da injustiça do dano contida no art. 2.043 do Código Civil italiano – e dos estudiosos (Castronovo, mas também Alpa) que desenvolveram a categoria do dano biológico a partir do art. 32 da Constituição. Nesta perspectiva, tem-se sustentado recentemente uma via hermenêutica para a constitucionalização do direito privado, reconhecendo um exemplo disso no desenvolvimento da categoria do dano biológico: este foi, de fato, o resultado da inserção, no tronco da responsabilidade civil, de uma situação jurídica subjetiva deduzida diretamente do art. 32 da Constituição com base em uma interpretação que adotou o modelo argumentativo da Drittwirkung, ou seja, da eficácia das normas constitucionais também no nível das relações entre particulares ou "horizontal".

Do lado do direito contratual, o discurso é muito mais articulado, porque as decisões que colocaram em prática uma aplicação direta dos princípios constitucionais têm sido frequentemente objeto de crítica forte e persuasiva. Pense-se na decisão (Corte de Cassação 14343/09) que reconheceu na aplicação direta dos princípios constitucionais gerais dos artigos 2, 29 e 30 da Constituição a técnica argumentativa por meio da qual se atacava com a sanção da nulidade a cláusula de um contrato de locação que, sob pena de resolução do contrato, proibia o locatário de hospedar não-temporariamente pessoas que não fizessem parte do núcleo familiar, conforme indicado no momento da assinatura do contrato.

Deste modo, no entanto, está credenciada uma solução que aparece, antes de tudo, carente de controle, segundo a boa-fé, da racionalidade da escolha contratual expressa na cláusula: racionalidade que aqui poderia ser reconhecida no interesse do locador a evitar modos de utilização do imóvel que comprometam, pelo menos potencialmente, a sua boa conservação; e que não considera, então, a necessidade de inibir atos de exercício, pelo locador, do direito decorrente da cláusula, que impeçam formas constitucionalmente garantidas de desenvolvimento da personalidade do locatário (tais como, por exemplo, o direito de escolher e de mudar de companheiro e, portanto, a pessoa com quem viver), o que poderia mais apropriadamente ser confiado à regra da boa-fé na execução do contrato, bem como enriquecido, do ponto de vista dos valores, com o forte apelo à dignidade, também contido na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Por sua vez, o credenciamento por outro, bem conhecido, pronunciamento (Cass. n. 20106/09) do abuso de direito como técnica de controle da autonomia privada, em um contexto tipicamente relacional, como o exercício de um direito potestativo de fonte contratual, sofre do limite metodológico da escolha de um princípio menos específico - o do abuso do direito (para além da natureza jurídica ainda pelo menos controversa, apesar das disposições do art. 54 da Carta dos Direitos Fundamentais), no que diz respeito à cláusula geral de boa-fé, que por si só teria sido certamente adequada como instrumento de avaliação do ato de exercício do direito de resolução também quanto à sua racionalidade, entendida como congruência em relação aos interesses com ele perseguidos.

E isso sem prejuízo de que, como oportunamente se fez notar, a boa-fé seja seguramente susceptível de fundamentar a alegação de que os direitos decorrentes do contrato não são exercidos de forma a prejudicar "o interesse da contraparte em medida superior ao necessário para satisfazer o interesse próprio (conforme consagrado no regulamento contratual e/ou previsto na lei), mas não pode ser utilizada para reduzir direitos que (validamente e) legalmente o contrato ou a lei atribuem ao contratante ou para criar obrigações que ainda não decorram do contrato ou da lei (a menos que sejam obrigações meramente 'acessórias' e instrumentais, ou seja, relativas aos métodos estritos de cumprimento das obrigações principais ou aos métodos para o correto exercício do direito)".

Igualmente conhecidos, e particularmente relevantes para efeitos de reconstrução das questões aqui tratadas, são duas decisões do Tribunal Constitucional (Corte Cost. 248/13 e 77/14) que considerou que a inexistência de previsão normativa sobre a redutibilidade do depósito confirmatório excessivo e a existência de um 'direito vital' que excluía a aplicação analógica a esta hipótese do art. 1384 do Código Civil Italiano não afastavam o problema de ilegitimidade constitucional do art. 1385 c/c 2º da Constituição. De fato, de acordo com a abordagem da Corte, o juiz no mérito poderia muito bem ter proposto uma interpretação constitucionalmente orientada da disciplina em referência, chegando à decretação de ofício "da nulidade (total ou parcial da própria cláusula), nos termos do art. 1418 do Código Civil italiano, em contraposição ao preceito do art. 2º da Constituição (para o perfil do cumprimento dos deveres obrigatórios de solidariedade) que permeia o contrato em conjugação com o cânone da boa-fé, que atribui vis normativa, funcionalizando assim a relação jurídica para proteger também o interesse do parceiro negociador na medida em que não colida com o interesse próprio do obrigado".

E também neste caso a abordagem pareceu (em particular a G. D'Amico) em muitos aspectos subversiva do atual sistema de direito contratual: de fato, se "os 'princípios' constitucionais (e as cláusulas gerais) são diretamente adequados para conformar o poder da autonomia privada, qualquer regulamentação legal do exercício desse poder é 'relativizada' de uma só vez, pois qualquer limite pode (mais ou menos facilmente) remeter a um princípio constitucional (ou a uma cláusula geral). Portanto, sua disposição explícita pelo legislador não acrescentaria nada que já não fosse imanente ao 'sistema' e, inversamente, a falta de disposição expressa em nada impediria a afirmação da existência do limite em qualquer caso (derivando-o dos princípios e cláusulas gerais)". Como já mencionado, portanto, um arcabouço denso e complexo, que não permite fornecer uma única resposta à pergunta.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15