German Report

Pandemia nas escolas

Pandemia nas escolas.

22/9/2020

Enquanto aqui no Brasil algumas escolas começam lentamente a retomar suas atividades, desde agosto as aulas retornaram em praticamente toda a Alemanha, com inúmeras medidas de segurança e higiene para tentar impedir a contaminação de Covid-19 entre alunos, professores e funcionários.

O Instituto Robert Koch divulgou uma lista de medidas aptas a evitar e/ou minimizar o contágio, mas cada Estado tem competência para regular a questão e, por isso, tem-se adotado regras específicas de acordo com o grau de controle da pandemia e com a estrutura escolar na localidade, inclusive características de construção dos prédios.

Em construções antigas, por exemplo, nas quais a circulação de ar é ruim ou só se consegue abrir as janelas com dificuldades, o município deve providenciar reformas no imóvel e/ou colocar aparelhos que promovam a circulação e purificação do ar.

Dessa forma, as regras para o funcionamento das escolas e as medidas de higiene e controle do contágio variam consideravelmente de um local para outro.

Enquanto em alguns educandários o uso de máscara é obrigatório, em outros o acessório tem sido dispensado devido ao baixo nível de contágio de Covid-19 na região.

Mesmo nas regiões onde o uso é obrigatório, o uso de máscaras não vale para todas as séries: em Hamburg, as crianças do maternal (Kindergarten) e ensino fundamental (Grundschule) ficam dispensadas de usar máscaras.

A Secretaria de Saúde da cidade justificou a medida com o fato de que as crianças dessa faixa etária só raramente são acometidas por Covid-19 e, além disso, não conseguem lidar adequadamente com o apetrecho devido à tenra idade1.

Para esse grupo, o estabelecimento educacional precisa adotar outras medidas de segurança, como ventilação regular e adequada dos ambientes, aparelhos de filtragem do ar, redução das turmas, marcações de distanciamento no chão, controle de temperatura, lavagem e higienização das mãos, etc.

Já no Estado de Nordrhein-Westfalen, a máscara foi obrigatória para todas as idades, inclusive para as crianças do ensino fundamental. Mas a medida só vigorou até 31/8/2020.

Desde então, o uso durante as aulas deixou de ser obrigatório, apesar das críticas de médicos, pais e professores, ainda temerosos com uma eventual segunda onda de contágio, principalmente com a chegada do outono e inverno, quando as janelas precisam ficar fechadas por causa da baixa temperatura exterior2.

A discussão em torno da obrigatoriedade do uso de máscaras não é um problema só de saúde pública, mas também educacional, pois o apetrecho atrapalha o desenrolar das aulas na sala de aula, dificultando a comunicação entre professores e alunos, além de causar grande incômodo para muitas pessoas.

Por isso, algumas escolas – em Hamburg, Berlim, Bavária, Baden-Württemberg e Mecklenburg-Vorpommern, local com a menor taxa de contaminação no país – liberaram os alunos de usá-la nas salas de aula, até porque outras medidas preventivas são observadas, como distanciamento entre as cadeiras, desinfecção e arejamento, ficando o uso obrigatório, porém, nas demais áreas do colégio, principalmente durante o recreio e nos ônibus escolares.

Diante da variedade das regras, os conflitos não tardaram a surgir e o Judiciário alemão de primeira e segunda instâncias estão tendo que resolver uma série de questões postas pela pandemia.

A mais polêmica diz respeito à obrigatoriedade de uso de máscaras. Os opositores alegam que a obrigatoriedade restringe o direito fundamental à autodeterminação e liberdade geral de ação, mas também o direito àquilo que se tem chamado de boa educação, vez que o objeto dificulta a comunicação e o desenrolar das aulas.

Por isso, questiona-se se não seria suficiente o uso de viseiras ao invés da máscara e se a escola pode, por precaução, exigir o uso quando o governo local já suspendeu a obrigatoriedade, como aconteceu em Nordrhein-Westfalen.

Outro problema não menos grave é o que fazer quando o aluno ou familiares que com ele residam façam parte do grupo de risco. Aqui surge a discussão acerca da existência ou não do direito ao homeschooling, isto é, do direito a assistir aula remota ao invés de presencial. As dúvidas, portanto, são muitas e poucas as respostas, pelo menos, definitivas.

Obrigatoriedade do uso de máscaras

No Estado de Schleswig-Holstein, que tem Kiel como capital, algumas escolas exigiram o uso de máscaras no retorno às aulas, mas alguns alunos conseguiram liminarmente na Justiça o direito de não usar a proteção.

Segundo o juiz de primeiro grau, as escolas não podem obrigar os alunos a usar máscaras, sem amparo em lei local ou federal autorizando a medida, pois isso representa uma intervenção direta no direito fundamental de liberdade geral de ação3.

Imediatamente, a Secretaria Estadual de Educação decretou a obrigatoriedade do uso de máscaras para todas as séries em toda a área da escola, exceto nas salas de aulas4 e, com isso, esvaziou a decisão judicial.

Apesar disso, após as primeiras semanas de aula, quinze das cerca de 800 escolas estaduais foram fechadas preventivamente por suspeita e/ou caso comprovado de coronavírus, fazendo com que os alunos retornassem ao sistema de aulas remotas.

O mesmo imbróglio ocorreu em Nordrhein-Westfallen em agosto, mas lá os alunos questionavam a constitucionalidade de decreto estadual que ordenava o uso de máscaras.

O Tribunal Administrativo (Oberverwaltungsgericht - OVG) de Münster, ponderando a restrição ao direito fundamental à liberdade de ação em confronto com a proteção à vida e à saúde, considerou a obrigatoriedade de máscaras uma medida adequada, necessária e proporcional, denegando recurso de estudantes que alegavam falta de comprovação científica da eficácia do apetrecho5.

Embora tenha reconhecido que o uso de máscaras pelos alunos constitui grande incômodo e impõe dificuldades, a Corte salientou que inexiste atualmente medida alternativa igualmente eficiente para evitar o contágio de Covid-19 e que somente sob ordens médicas o aluno poderia ser liberado de seu uso na escola, ausente no caso concreto.

O OVG Münster ponderou ainda que a medida se justifica também, porque muitos alunos acabaram de voltar de áreas de riscos, onde passaram as férias de verão com a família e, embora crianças e adolescentes sejam menos suscetíveis ao vírus, já surgiram vários casos de contágio nas escolas.

Em suma: em princípio, o Judiciário tem confirmado a obrigatoriedade do uso de máscaras, pelo menos quando a medida é imposta por lei. 

Máscara ou viseira?

Na semana passada, o juiz da comarca de Neustadt an der Weinstraße, região do Estado de Rheinland-Pfalz (Renânia-Palatinado), teve que decidir outro caso de estudante que não queria usar máscara no colégio, mas apenas viseira de proteção.

 A decisão vai, em certa medida, na mesma linha da decisão do Tribunal de Münster ao salientar a necessidade de atestado médico para liberar o aluno do uso da máscara.

Mas o magistrado foi além e disse que não basta um atestado genérico contraindicando a medida, sendo imprescindível que o relatório médico contenha indicação de doença ou diagnóstico que justifique objetivamente a liberação da máscara.

Isso se justifica, disse o magistrado, porque os estudos mostram que a viseira não confere proteção tão eficaz quanto a máscara, que fornece uma barreira mecânica contra o vírus.

Como no caso concreto o atestado médico era genérico, o magistrado denegou o pedido do aluno para usar apenas a viseira. Trata-se do processo VG Neustadt an der Weinstraße Az. 5 L 757/20.N, julgado no último dia 10/9/2020. 

Direito a homeschooling

Outra discussão importante relacionada com a pandemia nas escolas é se o aluno tem direito a assistir aulas online quando ele ou algum familiar próximo, com quem ele reside, faz parte do grupo de risco do coronavírus.

Dois estudantes de Lüneburg, na Baixa Saxônia (Niedersachsen), cuja mãe sofre de bronquite asmática grave, doença pré-existente que a coloca no grupo de risco do coronavírus, queriam continuar a ter aulas online após as férias, quando as aulas presenciais retornaram em quase todo o país.

A escola negou administrativamente o pedido de homeschooling ao argumento de que não havia caso comprovado de Covid-19 no colégio. Os alunos, então, entraram com ação com pedido de medida liminar.

Mas sem sucesso, pois o juiz deu razão à escola. A decisão foi tomada no processo Verwaltungsgericht Lünebug Az. 4 B 49/20, dia14/9/2020.

Segundo o magistrado, o direito ao homeschooling só existe quando o próprio aluno é portador de doença pré-existente e/ou faz parte do grupo de risco de Covid-19.

Quando o problema diz respeito aos pais ou familiares que com ele residam, cabe à escola decidir se libera ou não o aluno da aula presencial.

Isso, porque as normas administrativas que regem a questão na região de Niedersachsen só permitem o homeschooling quando houver caso comprovado de Covid-19 na escola, o que não ocorreu no caso concreto.

Para o magistrado, é constitucional a norma que prevê o homeschooling como medida de proteção aos parentes vulneráveis apenas em caso de coronavírus na escola.

Ela equilibra de forma adequada, segundo ele, os bens constitucionais em colisão: de um lado, a proteção da vida, da integridade corporal e da família e, de outro, o dever estatal e o direito da criança a educação.

Dessa forma, segundo a norma em vigor na região da Baixa Saxônia, se a criança faz parte do grupo de risco, ela tem direito a ser dispensada das aulas presenciais e a ter aulas online, diante do risco abstrato de contágio ao qual estaria exposta na escola.

Se, porém, são os familiares próximos que pertencem ao grupo de risco, a criança só adquire o direito ao homeschooling se houver caso de coronavírus na escola, i.e., diante de risco concreto de contágio.

Resta saber como as cortes superiores – Bundesgerichtshof (BGH) e o Tribunal Constitucional alemão – vão resolver todos esses problemas quando os processos começarem a chegar em Karlsruhe.

Essa é uma discussão que vale à pena ser acompanhada, pois todas essas questões podem surgir também por aqui, onde a pandemia coloca desafios extras diante da falta de política pública adequada, dos parcos recursos para combate à pandemia, da estrutura precária – inclusive de informatização – de muitas escolas públicas e particulares e da falta de acesso a internet de milhares de alunos.

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1 Maskenpflicht an immer mehr Schulen. Tagesschau, 3/8/2020.

2 Keine Maskepflicht im Unterricht: Wie gefählich ist das für die Schüler in NRW? Express.de, 29/8/2020.

3 Verwaltungsgericht Schleswig-Holstein Az. 9 B 23/20, julgado em 19/8/2020. Confira-se: VG Schleswig gewährt Eilrechtsschutz: Schüler muss vorerst keine Maske tragen. LTO, 19/8/2020.

4 Nach Beschluss des VG Schleswig: Jetzt auch Maskenpflicht an Schleswig-Holsteins Schulen. LTO, 19/8/2020.

5 Trata-se do processo OVG Münster Az. 13 B 1197/20.NE, julgado em 20/8/2020.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15