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Pai não pode entrar na sala na hora do parto por causa da pandemia

Pai não pode entrar na sala na hora do parto por causa da pandemia.

23/6/2020

O coronavírus tem alterado drasticamente a rotina e os hábitos das pessoas em todo o mundo. O distanciamento social ainda é, infelizmente, a medida mais efetiva para conter a virulenta propagação da pandemia, a despeito de outras medidas não menos importantes.

Essas medidas de combate à pandemia têm provocado não só sensíveis restrições aos direitos fundamentais (principalmente liberdade de ir e vir e liberdade de exercício de atividade econômica), mas também inúmeras limitações no dia a dia das pessoas.

E, diante dessa nova realidade, as pessoas estão tendo que mudar, adaptar e reinventar as formas de trabalhar, estudar, se divertir e, por vezes, conviver. E nesse processo, a tecnologia tem sido fundamental.

Até mesmo a comemoração daqueles momentos mais especiais, como aniversários e casamentos, precisou ser reinventada e a solução tem sido realizar esses eventos no mundo virtual, a fim de evitar aglomerações e o contágio entre as pessoas.

Lê-se com frequência notícias de criativas e divertidas festas realizadas com amigos e familiares ao vivo no WhatsApp, Instagram ou qualquer outra plataforma que permita o encontro virtual das pessoas.

Mais surpreendentes têm sido as celebrações de casamentos virtuais, algo impensável até bem pouco tempo.

Em Recife, o magistrado da 1ª vara de Registro de Família realizou uma cerimônia de casamento por meio de chamada de vídeo no WhatsApp.

Segundo ele, "essa é uma novidade trazida pela necessidade de tentar, dentro de uma situação de pandemia, minimizar os efeitos para as partes"1.

Dessa forma, quem ainda não marcou o casamento, mas não quer – ou não pode – esperar o fim da pandemia, pode entrar em contato com o cartório para agendar um horário e, no dia e hora marcada, o juiz faz a conferência com os noivos, o oficial do registro e as testemunhas.

Nem tudo, contudo, é feito virtualmente, pois todo o procedimento antecedente de apresentação de documentos (ainda) precisa ser feira de forma presencial, sendo apenas a celebração realizada virtualmente, embora não surpreenda se em breve todo o procedimento passar a ser feito via online2.

A inovação conta com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por meio do Provimento n. 100, de 28/5/2020, estabeleceu normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos por meio do sistema e-Notariado, permitindo, dentre outras inovações, que a captação do consentimento das partes para o ato seja feita por videoconferência.

Por isso, uma das ferramentas mais utilizadas na celebração do casamento virtual tem sido a Webex Meeting, disponibilizada inicialmente pelo CNJ para a realização de audiências e sessões, mas que, diante da realidade da Covid-19, tem sido empregada para a realização de casamentos virtuais.

Segundo relatório da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de Pernambuco (Arpen-PE), só no período de 17 de março a 30 de abril desse ano foram realizados no Estado 432 casamentos por videoconferência.

Segundo o site do CNJ, o uso dessa tecnologia representa inegável conquista para a racionalidade, a economia orçamentária, eficiência, segurança jurídica e desburocratização, sem prejuízo da autenticidade, da segurança e da eficácia dos atos praticados3.

Diante disso, e pelo andar da carruagem, tudo indica que o casamento virtual veio para ficar, assim como entrada do Poder Judiciário no mundo digital.

Mas nem todos os obstáculos têm sido contornados no mundo da Covid-19 e alguns momentos marcantes não estão sendo presenciados nem física, nem virtualmente.

Na Alemanha, um pai foi proibido de vivenciar um momento único em sua vida: o nascimento do filho. Na verdade, dos filhos gêmeos.

O caso aconteceu na cidade de Leipzig. O marido queria acompanhar a esposa na sala de parto a fim registrar a chegada ao mundo dos gêmeos, mas foi impedido pela clínica da Universidade de Leipzig, onde o parto aconteceria.

Ele entrou, então, com medida liminar alegando a abusividade da decisão da clínica.

Segundo o marido, a decisão era irrazoável, porque ele poderia manter o distanciamento mínimo de 1,5 metro para o corpo médico e de enfermagem na sala de parto.

Além disso, ele estava disposto a fazer o teste para comprovar que não estava acometido de Covid-19 e a usar as roupas adequadas, fornecidas pelo hospital, para reduzir ainda mais o risco de contágio.

A clínica universitária, em contestação, contraditou todos os argumentos, aduzindo, em síntese, que essas medidas seriam insuficientes para impedir, com segurança, um eventual contágio de Covid-19 durante o parto.

Além disso, as normas internas da clínica de combate ao coronavírus proíbem a presença de familiares na sala de parto. Aliás, aqui merece ser dito, que essa regra tem sido adotada por inúmeras clínicas e hospitais na Alemanha.

Diante disso, o colegiado de primeira instância denegou a liminar requerida, dando ganho de causa à clínica. Trata-se do processo VG Leipzig Az. 7 L 192-20, julgado em 9.4.2020 pelo Tribunal Administrativo (Verwaltungsgericht).

Segundo a decisão, o teste anterior de Covid-19 seria insuficiente para legitimar a presença do pai na sala de parto. Isso porque, ainda quando o pai testasse negativo para Covid-19 antes do parto, isso não garantiria segurança suficiente para excluir totalmente o risco contágio de todas as pessoas presentes na sala.

O mesmo se diga em relação à utilização das indumentárias, incluindo máscaras e luvas. Ademais, há de se ter em vista que, nas atuais condições, os hospitais não dispõem de roupas de proteção em quantidade suficiente para disponibilizá-las aos acompanhantes das parturientes, disse a decisão.

O julgado assinalou que é perfeitamente compreensível o interesse do pai de participar e acompanhar o nascimento dos filhos, mas que o interesse público na preservação do funcionamento do hospital, respeitando suas normas de segurança, deveria prevalecer sobre o interesse particular no caso concreto.

As regras internas da clínica universitária, que proíbem a entrada de acompanhantes durante o período de pandemia, têm por fim evitar o contágio e garantir o direito à saúde e à vida das pessoas expostas e são, nesse sentido, proporcionais, concluiu o Verwaltungsgericht.

Resta saber se o pai, que perdeu o momento único do nascimento dos gêmeos, irá continuar a briga e recorrer da decisão para, eventualmente, receber dano moral.

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1 Casamento pela internet é opção para oficializar união durante a pandemia. G1, 14/5/2020.

2 Coronavírus: casamentos por videoconferência se tornam opção em Pernambuco. Matéria publicada em 18.5.2020 no site do CNJ. Acesso: 18/6/2020.

3 Cartórios do interior de Minas Gerais já podem realizar casamentos virtuais. Matéria publicada em 21/5/2020 no site. Acesso: 18/6/2020.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15