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Coronavírus bate à porta do Judiciário alemão

Coronavírus bate à porta do Judiciário alemão

24/3/2020

O mundo está mergulhado em uma pandemia sem precedentes. Atualmente, não se fala em outra coisa a não ser no novo coronavírus (Covid-19). É compreensível, tendo em vista que desde o fim da 2a Guerra Mundial a população não convivia com tantas medidas restritivas da liberdade, inclusive econômica.

Nem mesmo após o fatídico 11 de setembro de 2001, quando o mundo assistiu atônito aos ataques terroristas nos EUA. O pior: é só o começo, dizem as apocalípticas previsões.

Junto com o vírus, avulta no horizonte uma grave recessão econômica mundial, cruel para países como o Brasil, que ainda estava se recuperando da crise econômica de 2014, agravada pelas turbulências políticas dos últimos anos.

Na Alemanha, o coronavírus também domina o debate público. E com a chamada Corona-Krise, já vigoram oficialmente inúmeras restrições, dentre as quais a de circulação.

Em regra, só se pode sair na rua sozinho ou, no máximo, com mais uma pessoa. Ou seja, é proibido reunirem-se em público mais de duas pessoas, exceto familiares.

Ao entrar em contato com outras pessoas na rua e em espaços públicos, deve-se manter a distância mínima de 1,5m e, em todos os casos, observar as medidas de higiene.

Ainda está permitido sair de casa para trabalhar (se for impossível realizar a atividade via home office), fazer compras, ir ao médico ou à farmácia, ir à casa de alguém sob seus cuidados (ex: pais idosos, que dependam de cuidados diários), participar de compromissos inadiáveis, fazer esportes e se movimentar ao ar livre.

Terminantemente proibido são reuniões festivas de pessoas em casa e espaços públicos ou privados. E a polícia e agentes públicos têm o poder de vigiar e sancionar, em caso de desobediência das regras. As penas variam de multa a prisão.

Restaurantes estão fechados, exceto para fornecimentos delivery. A mesma regra para qualquer tipo de comércio, exceto os de necessidades estritamente básicas como mercados, farmácias, correios, bancos, postos de gasolina, etc.

Essas medidas duram, em tese, até o início de abril.

Coronavírus e o Judiciário

O coronavírus está em todo lugar e já chegou aos tribunais, que tentam se preparar para lidar com a pandemia.

Os primeiros processos já começam a pipocar.

Dois advogados de Munique entraram dia 18/3/2020 com um pedido liminar no Tribunal Constitucional, em Karlsruhe, a fim de interromper o andamento de dois processos criminais contra seus clientes.

Alguns atos processuais deveriam ocorrer nos próximos dias. Adam Ahmed, um dos causídicos, diz que a medida visa evitar a propagação do coronavírus.

"Trata-se de uma questão de risco de contaminação e transmissão para todos os envolvidos no processo", disse ele, que criticou a falta de uma orientação geral, vez que, por enquanto, cada tribunal tem decidido como enfrentar a crise.

Recorde-se que na Alemanha não há um órgão legiferante como o Conselho Nacional de Justica.

Ministério da Justiça quer alterar o CPP alemão

Por conta disso, o Ministério da Justiça está estudando a hipótese de criar uma regra única que permita aos tribunais suspender os processos em andamento por um período mais longo que o atualmente permitido.

Segundo o atual Código de Processo Penal alemão – Strafprozessordnung (StPO) – julgamentos ou audiências só podem ser suspensos, em regra, por no máximo quatro semanas.

Segundo o projeto de lei, esse período deve ser estendido para, no máximo, três meses e dez dias. Com isso, evita-se que vários prazos tenham que começar a contar desde o início, disse o porta-voz do Ministério da Justiça.

Certo, porém, que caberá a cada tribunal decidir sobre a realização ou não de qualquer ato processual.

As alterações deverão ser inseridas na Lei de Introdução ao Código de Processo Penal (Einführungsgesetzt zur Strafprozessordnung)

A Ordem dos Advogados (Deutsche Anwaltsverein) alerta, contudo, contra "frenéticas alterações" na ordem processual penal e, por isso, sugere que fique claro que essas regras excepcionais ficarão restritas à situação atual.

De modo geral, apenas julgamentos e audiências absolutamente necessários têm sido realizados na maioria das varas e tribunais alemães.

Exemplos são casos envolvendo prisão, prescrição iminente ou outros prazos que devam ser necessariamente obedecidos, bem como em casos de processos pendentes, em estágio avançado, com risco de ser reiniciados.

Na área cível não é diferente: apenas audiências urgentes estão sendo realizadas, principalmente questões relacionadas a família e guarda, nas quais há a necessidade de garantir proteção contra violência ou tutelar o bem-estar da criança.

Por essas razões, as audiências dos processos de Adam Ahmed devem ocorrer nos próximos dias. Até, porque o Tribunal Constitucional negou, em 19/3/2002, o pedido liminar impetrado.

Advogado denuncia juiz por tentativa de lesão corporal

Por conta da discussão em torno da realização ou não de julgamentos e audiências, o advogado Thomas Pfister denunciou um magistrado da Comarca de München por tentativa de lesão corporal por ele não ter adiado a realização de uma audiência em processo criminal por tentativa de homicídio.

Segundo o denunciante, o juiz teria "criado conscientemente" uma situação de risco e, ao denegar o pedido de adiamento da audiência, assumiu o risco de expor os presentes na sala de audiência a elevado risco de contaminação.

De acordo com a denúncia, haviam na sala mais de cinquenta pessoas e isso configuraria um evento com elevadíssimo risco de contágio, a justificar a remarcação da audiência.

A denúncia foi rejeitada ao argumento de que a Justiça precisa continuar funcionando, mesmo em tempos de propagação da doença, pois o Judiciário é parte fundamental do sistema.

Além disso, inexistiam indícios de que havia na sala uma pessoa infectada ou que tenha tido contato anteriormente com infectados.

Apesar do insucesso do causídico, a orientação do Ministério da Justiça é que haja atualmente o mínimo possível de audiências.

Como dito no início, isso é só o começo. Infelizmente, o pior ainda está por vir.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15