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Tribunal proíbe venda de medicamento em máquinas automáticas

Tribunal proíbe venda de medicamento em máquinas automáticas.

16/10/2019

É proibida a venda de remédios em máquinas automáticas, foi o que decidiu o Tribunal de Justiça de Karlsruhe (Oberlandsgericht – OLG) em processo envolvendo a distribuidora de medicamentos holandesa Docmorris.

O caso

Segundo notícias veiculadas na imprensa alemã, não há mais nenhuma farmácia dentro de um raio de 20km a noroeste da cidade de Heilbronn, próxima a Karlsruhe.

Quem precisava comprar um simples remédio para dor de cabeça tinha que andar mais de  6 km até a próxima farmácia.

Isso mudou quando a rede de farmácia holandesa Docmorris, que vende remédios à distância, instalou uma "farmácia automática" na região.

A empresa atua na Europa com um modelo de negócio em que o consumidor se dirige a uma área, supervisionada por câmeras, para comprar seu medicamento diretamente em máquinas automáticas.

É algo parecido com as áreas de caixas automáticos, onde o cliente pode sacar dinheiro com (suposta) rapidez e segurança.

Se a medicação exigir receita médica, o paciente tem a possibilidade de falar por vídeo com um atendente na Holanda, que "recebe" a receita e libera o pedido.

O plano da Docmorris era instalar cerca de oito mil terminais na Alemanha.

Mas apenas dois dias após a inauguração do primeiro terminal automático, o governo suspendeu o projeto, em parte por pressão da Associação das Farmácias de Baden-Württemberg.

O processo

A Associação entrou com medida liminar para suspender o funcionamento das farmácias automáticas alegando violação ao § 73, inc. 1, alíena 1 da Arzneimittelgesetz, a lei Federal que regula a distribuição de medicamentos na Alemanha, que prevê a competência exclusiva das farmácias para a venda de medicamentos com receitas.

Em sua defesa, a Docmorris defendeu a legalidade da prática de enviar e distribuir medicamentos aos consumidores, atividade para a qual ela inclusive possui licença.

O juízo da comarca de Mosbach deferiu a liminar, entendendo ter havido violação à Arzneimittelgesetz.

Em grau de recurso, o processo foi parar no Tribunal de Justiça de Karlsruhe, cidade sede dos tribunais superiores Bundesgerichtshof (BGH) e do Bundesverfassungsgericht (BVerfG), o Tribunal Constitucional.

Trata-se do processo OLG Karlsruhe Az. 6 U 36/18, julgado em 29/5/2019.

O OLG Karlsruhe confirmou, então, a decisão de primeira instância reconhecendo não apenas a violação à lei de medicamentos, como também à lei de defesa da concorrência.

Venda em terminal não é venda à distância

Para a Corte, a atividade realizada pela Docmorris estava fora do âmbito concedido pela licença, que é a venda à distância de medicamentos, por correspondência ou catálogo.

Essa pressupõe a encomenda do consumidor final antes da separação, embalagem e envio do medicamento. Não era o que ocorria nos terminais automáticos.

Lá, os medicamentos eram armazenados em um local sem qualquer pedido prévio concreto do consumidor e vendidos conforme a procura.

Além disso, a Docmorris teria descumprido os deveres de verificação das receitas e de documentação, exigidos pela lei de medicamentos.

O controle por vídeo das receitas e sua anotação apenas depois que a ela chegava na Holanda não atende as exigências da lei alemã de distribuição de medicamentos, disse a Corte estadual.

A repercussão do caso

O caso foi festejado como um importante precedente pela Associação das Farmácias, que há tempos critica a perda antiética de espaço e os danos à saúde devido à falta de fiscalização adequada no comércio de envio de medicamentos.

Compra de medicamentos não é o mesmo que comprar uma coca-cola numa maquina automática, dizem os críticos.

Segundo a Comissão de Direito Médico da Ordem dos Advogados da Alemanha, ocorrem por ano cerca de 500.000 atendimentos de emergência nos hospitais em razão de efeitos colaterais por erro na medicação, que poderiam ser evitados.

Por essa razão, eles tendem a deixar a tarefa na mão de pessoas naturais qualificadas, que têm licença para trabalhar na área, ao invés de delegar a empresas, que são obrigadas a pensar sempre na maximização de seus lucros.

O tema não é pacífico na classe politica. Enquanto o Ministério da Justiça sinalizou ser favorável à proibição de máquinas automáticas de remédios, prefeitos de vilarejos, onde não há farmácia, defendem a implantação de um projeto piloto da Docmorris.

O tema deve chegar ao Bundesgerichtshof, pois já foi interposto pedido de revisão à Corte. E, quem sabe, ao Tribunal Constitucional. Só nos resta aguardar o desfecho dessa lide que envolve a colisão de direitos fundamentais: de um lado, o direito à livre iniciativa e, de outro, o direito à saúde da coletividade.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15