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Advogado responde por prazo errado informado pelo cliente

Advogado responde por prazo errado informado pelo cliente.

2/7/2019

Quem perde um prazo confiando nas informações do cliente, incorre em violação de dever e precisa indenizar. Foi o que entendeu recentemente, em 14/2/2019, a Corte infraconstitucional alemã, o Bundesgerichtshof (BGH), em processo movido por uma cliente contra seu advogado.

O caso

A cliente havia sido demitida por seu empregador por meio de comunicação escrita, datada de 22/12/2012 e lançada, por mensageiro, no mesmo dia, às 10h52, em sua caixa postal. Seu esposo, então, contratou o advogado para mover uma ação contra o empregador, informando-o, contudo, que a demissão teria ocorrido dia 23/12/2011.

O advogado protocolou, dia 13/1/2012, perante a Justiça Trabalhista, uma ação visando a declaração de que a relação trabalhista não havia sido desfeita. Segundo o § 4, frase 1 da Lei de Proteção contra Demissão (Kündigungsschutzgesetz ou KSchG), de 10.08.1951, de acordo com a última redação feita em 17/7/2017, quando o trabalhador pretende ver declarada a invalidade da demissão, alegando ser a mesma socialmente injustificada, ele precisa mover uma ação dentro do prazo de três semanas, nos termos do § 4, frase 1 c/c § 13, frase 2 KSchG.

Se o juiz constatar que a demissão extraordinária carece de fundamento, o trabalhador deve ser imediatamente reintegrado, exceto se a continuidade da relação trabalhista for irrazoável, hipótese na qual o vinculo será desfeito e o empregador condenado ao pagamento da devida indenização (§ 13, frase 3 KSchG).

A ação interposta foi, entretanto, julgada intempestiva, porque o prazo se esgotara no dia anterior (12/1/2012), vez que a cliente recebera – e teve, portanto, possibilidade de acesso ao conteúdo da correspondência (dispensa imotivada) – no mesmo dia (22/12/2011) e não no dia seguinte, como informara o marido da cliente.

A cliente, inconformada, processou o causídico pela propositura tardia da ação, aduzindo que cabia a ele se certificar acerca da data exata da demissão, o que poderia ter feito por meio de simples consulta dos documentos, pois a carta de demissão estava datada do dia 22/12/2011 e havia sido entregue por mensageiro, o que pressupõe ter sido entregue no mesmo dia.

O juízo de primeira instância julgou a ação improcedente, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça (Oberlandsgericht) de Hamburgo ao argumento de que o advogado poderia confiar na informação prestada pelo marido da mandante, pois se tratava de dado fático e não de fato jurídico.

Na verdade, segundo o OLG Hamburg, o marido da autora foi quem agiu culposamente, pois poderia supor que uma correspondência retirada da caixa de correio em um dia poderia ter sido entregue no dia anterior, como aliás indicava a data assentada no documento.

Dessa forma, o advogado não violara nenhum dever culposamente, já que não precisava reconhecer a incorreção das informações prestadas pelo esposo da autora.

BGH: dever de diligência

O BGH, entretanto, não se convenceu dos argumentos e reenviou o caso ao Tribunal a quo para reanálise. Para a Corte, era dever do advogado ter conferido a data exata da entrega da carta de demissão.

É verdade que o causídico pode, em princípio, confiar nas indicações fáticas fornecidas pelos clientes, disse o Tribunal. Mas a informação sobre a data de recebimento de uma demissão constitui indicação jurídica que o cliente nem sempre consegue avaliar com segurança, até por falta de conhecimento técnico e experiência.

E a contratação de um advogado tem exatamente por fim deixar na mão de um especialista a avaliação jurídica da situação fática, disse a Corte sublinhando o fim (Zweck) elementar do contrato de prestação de serviços jurídicos.

Por isso, o dever de assessorar de forma correta e completa o cliente pressupõe que o advogado, através de questionamentos ao mandante, esclareça os fatos relevantes para a correta avaliação jurídica da questão.

Se os fatos narrados não forem claros ou forem incompletos, o advogado tem o dever de agir para (tentar) obter uma visão mais objetiva e completa da situação, conforme reiterada jurisprudência da Corte.

No caso, como a carta de demissão estava datada de 22/12/2011, o Tribunal entendeu que o advogado estava obrigado a esclarecer, junto ao marido da autora ou à própria, se a carta não poderia ter sido eventualmente acessada, isto é, ter sido colocada efetivamente na caixa de correspondência no mesmo dia (22/12/2011).

Se isso [acesso] não pudesse ser afastado com segurança, ele estava obrigado a escolher o caminho mais seguro e a protocolar a ação de proteção contra a demissão imotivada já em 12 de janeiro de 2012.

O réu agiu, assim, de forma "contrária ao dever" (pflichtwidrig), ou seja, em desacordo com o dever de diligência esperado na situação, pois, sem qualquer verificação, simplesmente tomou como certa as informações do marido da autora para determinar sua conduta.

Em outras palavras: o advogado deveria, segundo a Corte de Karlsruhe, ter verificado a data exata do recebimento da correspondência e não simplesmente ter confiado nas informações do cliente, até porque este não tem conhecimento acerca dos critérios legais exigidos para se determinar o início da contagem de um prazo processual.

Já a data indicada na carta deveria ter motivado o causídico a apurar a data exata da entrega (possibilidade de acesso) e, consequentemente, o início do prazo para ajuizar a ação. Como deixou de verificar, o advogado violou negligentemente seu dever de diligência, devendo responder pelos danos causados à autora.

Decisão polêmica

A decisão do BGH chama atenção por diversos motivos, sobressaindo-se dois em especial.

Primeiro, ela confirma uma tendência, que vem se delineando nas últimas décadas na jurisprudência alemã, de agravamento da responsabilidade do advogado.

Este vem sendo frequentemente chamado a responder não apenas pelo descumprimento de deveres inerentes ao contrato de prestação de serviços jurídicos, bem como pela violação de deveres laterais, oriundos da boa-fé objetiva, positivada no § 242 do Código Civil alemão (BGB).

Segundo, o Tribunal aplicou ao caso a regra segundo a qual uma declaração de vontade (carta de demissão) tem-se como presumidamente acessada pelo destinatário quando, de acordo com os usos do tráfego, pode-se legitimamente esperar que ele dela tenha tido conhecimento, salvo prova em contrário.

No caso, como o depósito da carta na caixa de correio da ex-funcionária fora feito por mensageiro pela manhã, o BGH considerou razoável supor que, salvo prova em contrário, ela dela teve conhecimento no mesmo dia.

De qualquer forma, para a Corte, o erro do advogado foi simplesmente ter confiado nas informações prestadas pelo cliente, sem se certificar acerca do início do prazo para o protocolo da medida contra a demissão imotivada, pois isso não é uma questão fática, mas jurídica, que o cliente não consegue adequadamente avaliar.

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Colunista

Karina Nunes Fritz é doutora (summa cum laude) pela Humboldt Universität de Berlim (Alemanha). Prêmio Humboldt de melhor tese de doutorado na área de Direito Civil (2018). LL.M na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Secretária-Geral da Deutsch-lusitanische Juristenvereinigung (Associação Luso-alemã de Juristas), sediada em Berlim. Diretora Científica da Revista do Instituto Brasileiro de Estudos sobre Responsabilidade Civil (IBERC). Foi pesquisadora-visitante no Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão) e bolsista do Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Professora, Advogada e Consultora. Facebook: Karina Nunes Fritz. Instagram: @karinanfritz15