Segundo o Tribunal de Justiça de Düsseldorf, Alemanha, o portal de reservas Booking.com pode proibir os hotéis de oferecer quartos por preços mais baratos em suas próprias páginas na internet.
A discussão começou quando os portais online de reservas como Booking.com, Expedia e HRS passaram a exigir que os hotéis parceiros ofertassem sempre condições melhores aos clientes na plataforma das agências do que as praticadas regularmente em seus próprios sites.
O Booking é um portal online de reservas que atua como intermediário entre as empresas hoteleiras lá cadastradas e os clientes. Pela intermediação, ele recebe uma taxa (remuneração) sempre que o cliente faz a reserva do hotel no site Booking.com e não diretamente na página do próprio hotel.
Essa prática do Booking, materializada na chamada cláusula "ampla" do melhor preço ("weite" Bestpreisklausel) – entre nós conhecida como "cláusula de paridade" – foi considerada ilegal, em 2015, pelo próprio OLG Düsseldorf e pelo Bundeskartellamt (BKartA), o órgão de defesa da concorrência na Alemanha, equivalente ao CADE brasileiro (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por contrariar as regras do Direito Concorrencial.
O portal de reservas, então, modificou sua política e passou a exigir "apenas" que os hotéis não praticassem menor preço em suas próprias homepages. Assim, foram inseridas nos contratos entre o portal de reservas e os hotéis a chamada cláusula "estreita" do melhor preço ("enge" Bestpreisklausel), pela qual os hotéis ficam proibidos de oferecer preço menor em suas páginas na internet.
Essa cláusula, contudo, também foi censurada pelo órgão antitruste, vez que, dentre outros problemas, impede que os hotéis fixem seus preços livremente. Por isso, foi retirada, desde 2016, das condições gerais dos contratos do Booking com os hotéis parceiros.
Entretanto, no último dia 4/6/2019, a 1a Câmara do Oberlandsgericht de Düsseldorf, especializada em Direito Antitruste, concluiu pela admissibilidade da cláusula, liberando seu uso pelo portal de reservas.
Segundo o OLG, esse tipo cláusula tem por fim evitar "desvios desleais" na reserva dos hotéis, pois impede que o hóspede, ciente do preço oferecido nas plataformas das agências, faça a reserva do quarto diretamente no site (ou presencialmente) do hotel em razão do menor preço ou das melhores condições contratuais oferecidas pelo estabelecimento. É o chamado "efeito carona".
Com a decisão, o Tribunal de Justiça de Düsseldorf revogou a proibição do órgão antitruste (BKartA), que se disse decepcionado com a decisão. Segundo o presidente do órgão, Andreas Mundt, a decisão é lamentável, tendo em vista a rápido crescimento do mercado de reservas de hotéis por meio de portais e a dependência das redes de hotelaria ao Booking, que já domina mais de 60% do mercado na Alemanha.
A decisão, segundo o BKartA, prejudica não apenas os consumidores, mas também os hotéis, cadastrados ou não, além de outros portais menores, fortalecendo a posição dominante do Booking.com. As redes hoteleiras, contudo, já vêm reagido de forma criativa ao poder dominante do Booking através da criação de um programa de fidelidade, que oferece aos participantes descontos e vantagens extras quando as reservas são feitas diretamente no hotel.
No Brasil, surgiu o mesmo problema e o CADE celebrou, em 2018, Termos de Compromisso de Cessação com o Booking, Expedia e Decolar, onde as empresas renunciaram à política de cláusula de paridade de preços e condições, o que suspendeu a investigação sobre o uso abusivo da cláusula1.
Entretanto, ao negociar os acordos, o CADE permitiu a utilização da cláusula de paridade (conhecida na Alemanha como cláusula estreita do melhor preço) proibindo que os hotéis ofereçam preços menores em seus próprios sites, evitando, assim, o efeito carona no mercado de reservas online de hotéis, no qual compradores e vendedores se conectam pela plataforma das agências, mas negociam fora dela.
A solução do CADE harmoniza-se, assim, com a decisão do Tribunal de Justiça de Düsseldorf, que o órgão antitruste alemão pretende barrar. O OLG, contudo, denegou o pedido de revisão interposto à instância superior, o Bundesgerichtshof, de modo que sua decisão só pode ser impugnada sob rígidos pressupostos.
Só resta agora aguardar o desenrolar do imbróglio para saber como o BGH se pronunciará sobre tema tão relevante para os consumidores e a livre concorrência, quando a discussão chegar a Karlsruhe.
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