Jefferson Aparecido Dias
No início de cada nova legislatura, ressurge a polêmica envolvendo a remuneração dos nossos parlamentares e demais agentes políticos, sendo renovadas as denúncias de "super salários", muito superiores aos praticados na iniciativa privada. Afinal de contas, quanto ganha um agente político no Brasil?
Inicialmente, antes de continuar com nossa análise, importante destacar que, para o presente texto, serão considerados agentes políticos, a partir de um "conceito amplo", "os componentes do Governo nos seus primeiros escalões que atuam com independência funcional, com funções delineadas na Constituição, que não se encontram subordinados aos demais agentes, pois ocupam os órgãos de cúpula ("órgãos independentes"). Inserem-se nesse conceito os chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos), os membros das Casas Legislativas (Senadores, Deputados e vereadores), membros do Poder Judiciário (magistrados), membros do Ministério Público (Procuradores e Promotores) etc.1"
Feita essa observação, do ponto de vista constitucional, a remuneração salarial máxima de um agente político é o valor do subsídio recebido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 37, inciso XI, que prevê: "XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (...)".
A partir de tal preceito ficou estabelecido que a remuneração do ministro do Supremo seria "teto salarial" do serviço público, o qual, num primeiro momento, seria único, independentemente do servidor ocupar mais de um cargo ou função pública.
Contudo, como vários dos Ministros do Supremo Tribunal Federal também são professores na UnB (Universidade de Brasília), que é uma universidade pública, entendeu-se que a fixação de um "teto salarial único" provocaria uma situação injusta, pois os Ministros teriam que lecionar sem receber remuneração. Em razão de tal circunstância, o critério foi flexibilizado e o "teto" passou a ser considerada para cada cargo ou função, isoladamente, nos termos do art. 8º, inciso II, letra "a", da resolução 13, de 21/03/2006, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)2.
Posteriormente, esse critério foi estendido para outros cargos cuja a acumulação é permitida pela Constituição. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal ao analisar o Recurso Extraordinário (RE) 612975/MT: "TETO CONSTITUCIONAL – ACUMULAÇÃO DE CARGOS – ALCANCE. Nas situações jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido"3.
Assim, se um médico ocupa dois cargos públicos, em cada um deles tem o direito de receber até o limite do teto, situação que provoca certa polêmica quando noticiada pela mídia.
A maior polêmica, contudo, é outra e fixa-se na distinção entre os valores recebidos a título de remuneração daqueles tidos como indenizatórios ou compensatórios. A própria Resolução nº 13/2006, do CNJ, prevê algumas verbas que não se submetem ao teto. São elas:
I - de caráter indenizatório, previstas em lei:
a) ajuda de custo para mudança e transporte;
b) auxílio-moradia;
c) diárias;
d) auxílio-funeral;
f) indenização de transporte;
g) outras parcelas indenizatórias previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional de que trata o art. 93 da Constituição Federal.
II - de caráter permanente:
a) remuneração ou provento decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal; e
b) benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas.
III - de caráter eventual ou temporário:
a) auxílio pré-escolar;
b) benefícios de plano de assistência médico-social;
c) devolução de valores tributários e/ou contribuições previdenciárias indevidamente recolhidos;
d) gratificação pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. 1º e 2º da lei 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela lei 11.143, de 26 de julho de 2005;
e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público;
f) bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório.
A título de exemplo, é pacífico que as diárias por viagem têm caráter indenizatório e, portanto, não se sujeitam ao "teto salarial". Assim, se uma pessoa, que já recebe o limite do teto dos servidores, fizer viagens que gerem direito a diárias, receberá um valor superior ao teto, pois o valor das diárias é considerado uma compensação por gastos dispendidos.
Outros valores recebidos, porém, não são tão facilmente classificados como remuneratórios ou indenizatórios e geram grande discussão. Caso emblemático é o de um juiz do Mato Grosso que, tendo recebido por vários anos um valor inferior ao que teria direito, posteriormente recebeu tudo de uma vez, chegando o seu contracheque de julho de 2017 ao valor de R$ 503.928,794.
A mesma polêmica existe em relação aos valores devidos por substituição, por atividades extraordinárias ou relativos a honorários advocatícios, verbas que para alguns são classificadas como remuneratórias e, para outros, como indenizatórias, o que faz com que elas sejam submetidas ou não ao teto constitucional.
Situação peculiar também é a dos parlamentares que, além da remuneração, também têm direito ao recebimento de outras verbas decorrentes do exercício do cargo. No caso de um Deputado Federal, além do salário de R$ 33.763,00 (igual ao do Ministro do Supremo Tribunal Federal), ele tem direito a receber5:
- Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap): o valor depende do estado de cada deputado, devido ao preço da passagem aérea. Representantes do Distrito Federal ficam com a menor quantia (R$ 30.788,66). Já os de Roraima recebem a maior: R$ 45.612,53.
- Verba destinada à contratação de pessoal: o valor, que hoje é de R$ 106.866,59 por mês, destina-se à contratação de até 25 secretários parlamentares (cuja lotação pode ser no gabinete ou no estado do deputado), que ocupam cargos comissionados de livre provimento. A remuneração do secretariado deve ficar entre R$ 980,98 e R$ 15.022,32.
- Auxílio-moradia: R$ 4.253, concedidos aos parlamentares que não moram em residências funcionais em Brasília.
- Despesas com saúde: os deputados têm atendimento no Departamento Médico da Câmara (Demed) e podem pedir reembolso para despesas médico-hospitalares realizadas fora do Demed. Deputados em exercício do mandato e seus familiares que podem ser incluídos como dependentes no Imposto de Renda têm direito de utilizar o departamento.
- Cota gráfica: o parlamentar pode solicitar a confecção de material de papelaria oficial (cartões, pastas, papel timbrado e envelopes) e a impressão de documentos e publicações.
- Ajuda de custo: no início e no fim do mandato, o parlamentar recebe ajuda de custo equivalente ao valor mensal da remuneração. A ajuda é destinada a compensar as despesas com mudança e transporte e não será paga ao suplente que for reconvocado dentro do mesmo mandato.
- Aposentadoria: a lei do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC - lei 9.506/97) prevê aposentadoria com proventos proporcionais ao tempo de mandato. Nesse caso, os proventos serão calculados à razão de 1/35 (um trinta e cinco avos) por ano de mandato. No entanto, é obrigatório preencher os requisitos de 35 anos de contribuição e 60 anos de idade.
Assim, como se vê, o salário é apenas parte da remuneração recebida por um parlamentar.
Diante de todos esses dados, podem ser mencionados dois grandes problemas.
O primeiro é que a maioria dos servidores públicos recebem os seus salários em valores muito aquém ao teto salarial e, nos debates mais acalorados, atualmente envolvendo a Reforma da Previdência, acabam sendo vítimas de generalizações indevidas, como se todos recebessem valores exorbitantes e supostamente indevidos.
Nesse ponto, a solução para tais polêmicas seria que o Estado tivesse maior transparência e ficasse mais claro para o cidadão qual a remuneração de cada agente político e servidor público.
Outro problema é que o cidadão não consegue mensurar como a atuação dos agentes políticos e dos servidores públicos pode beneficiá-lo, pois prevalece a sensação de que o Estado é caro e ineficiente.
Nesse ponto, seria importante que o Estado e os serviços públicos, como um todo, nele incluídos os agentes políticos, conseguissem resgatar sua legitimidade perante o cidadão que, sabedor dos benefícios que lhe são proporcionados, aceitaria como justa a remuneração recebida pelos agentes políticos e pelos servidores públicos, as quais, como se sabe, são pagas com os valores arrecadados a título de impostos suportados por todos.
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