Federalismo à brasileira

Sobre o sistema judiciário nas esferas Federal e estadual

Sobre o sistema judiciário nas esferas Federal e estadual.

6/3/2019

Emerson Ademir Borges de Oliveira

Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga

A divisão do Poder Judiciário em Federal e estadual é inerente à forma federalista de Estado. Desta forma, concede autonomia aos entes federados em relação aos três poderes, pois todos passam a gozar de um Legislativo, Executivo e Judiciário na esfera da União – Federal – e na esfera dos Estados – estadual.

Vale dizer, todos os entes federados – o todo e as partes – têm sua parcela de representatividade do Poder.

No Brasil, com a elevação do município a ente federativo há uma falha desse sistema, tendo em vista que tal ente possui Legislativo e Executivo, mas não Judiciário. Já defendemos aqui nesta coluna, no texto "A competência da União III", de 1º de agosto de 2018, a criação de um Poder Judiciário Municipal.

Naquela ocasião, afirmamos:

"Por derradeiro, uma verdadeira inovação: a criação de um Poder Judiciário Municipal: o Judiciário de Resolução de Conflitos.

O Judiciário Municipal será vocacionado para a solução pacífica dos conflitos, por meio de conciliação e mediação. Será instância obrigatória para todas as demandas judiciais que envolvam direitos disponíveis ou que possam ser negociados pelas partes. Apenas o insucesso da solução pacífica abrirá portas para a Justiça Estadual ou Federal. Ademais, a solução não violaria o princípio de inafastabilidade da Jurisdição porque o Judiciário Municipal estaria inserto no próprio Poder Judiciário. Por consequência, a nova atribuição retiraria a função primordial de negociação das demais Justiças, que passariam a atuar para a solução do conflito por meio de decisão judicial.

A prática certamente traria impactos relevantes para as Justiças Estadual e Federal, que passariam a atuar de forma mais específica e quantitativamente muito mais suavizadas, em razão do Judiciário Municipal. Ademais, os atores municipais encontram-se mais próximos às partes, a fim de compreender suas realidades e poder auxiliar o encontro da solução com mais presteza".

Neste modelo proposto, estaria completada a representatividade de todos os entes federativos em relação a cada uma das funções estatais.

O Poder Judiciário Federal teria sua competência dilatada, equilibrando com as competências da própria União, e desafogando o Judiciário Estadual. Como dissemos em "A competência da União I", em 18 de julho de 2018, os crimes Federais, a merecer competência da União, seriam aqueles que ofendem a União e a soberania do país e cuja legislação e administração já seriam da própria União. Oferecemos como exemplo os atos corruptivos, pois ofendem o Brasil como um todo.

Também estariam sob a esfera federal as questões que atribuímos a União – para legislar e administrar: a) crimes federais e respectiva anistia; b) direito marítimo, aeronáutico, espacial, ferroviário e militar; c) direito da terra; d) requisição; e) águas, energia (inclusive nuclear) e combustíveis: f) comunicação de nível regional (entre mais de um Estado), nacional ou internacional; g) correios; h) nacionalidade; i) áreas e direitos indígenas; j) armas, Forças Armadas, guerra, paz e defesa do território brasileiro; k) polícias federais; l) registros públicos, civis e comerciais; m) fronteiras; n) ciência e tecnologia.

Ora, se a competência para legislar e administrar tais questões é da própria União por serem considerados assuntos de interesse nacional, nada mais óbvio que o julgamento de demandas que envolvam tais assuntos se dê na Justiça Federal. Claro que, como já dissemos, após a passagem obrigatória pelo Judiciário Municipal de Conciliação e Mediação. Este Judiciário deteria, inclusive, competência para o plea bargaining, enquanto espécie de conciliação penal pré-processual.

Os demais assuntos, cuja legislação e administração caiba aos Estados, estariam inseridos na sorte de competências da Justiça Estadual. Assim, por exemplo, os crimes que não atinjam o país considerado em seu todo, como aqueles comuns contra a vida ou patrimônio particular.

Na realidade, é basicamente este o modelo que fora tomado como base no cenário norte-americano. Homogêneo ou simétrico na estrutura federalista, o Judiciário americano é dividido em estadual e federal – dual -, de forma que esta, representando a União, não se imiscua nos assuntos típicos da competência estatal e de interesse meramente local1. Em regra, adota-se o sistema de especialização para o Judiciário Federal e o sistema residual para o Judiciário Estadual.

Na base jurisdicional norte-americana, tanto estadual como federal, tem-se os juizados de primeira instância (trial courts), dos quais caberá recurso para os tribunais de apelação (affirm).

O Tribunal do Júri, destinado apenas a realizar análise fática, tem competência cível e criminal nos Estados Unidos, considerando-se, nesta, os crimes de maior potencial ofensivo (felonies) e, naquela, danos materiais (money damages), perda de propriedade (recovery of property) e danos em geral decorrentes de culpa ou dolo (torts).

Por uma questão de eficiência, não somos favoráveis a uma utilização tão ampla do Júri, mas apenas para os crimes dolosos contra a vida, como hoje ocorre.

As Justiças Estadual e Federal, em nossa proposta, contariam com uma primeira e segunda instâncias, sendo a primeira monocrática e a segunda colegiada, como ocorre hoje, mas apenas, repise-se, após a passagem pelo Judiciário Municipal. A junção e a uniformidade em direção a um Tribunal Superior único da Justiça Comum se manteria, mas seu acesso seria ainda mais excepcional do que atualmente.

No próximo texto, apresentaremos as propostas para a divisão entre a Justiça Comum e as Especializadas.

__________

1 A classificação é de Raul Machado Horta. O federalismo no direito constitucional contemporâneo. Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Rio de Janeiro, n.19-20, p.223-249, 2001.

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Daniel Barile da Silveira é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela CDH/IGC, da Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em Direito pelo programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB. Professor do programa de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Marília (Unimar). Professor de Direito Constitucional do curso de Direito do UniToledo (Araçatuba/SP). É advogado e consultor jurídico em Direito Público. Foi pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Recebeu Menção Honrosa do Supremo Tribunal Federal do pelo seu trabalho nos "200 anos do Judiciário Independente" (STF). Autor de várias obras jurídicas.

Emerson Ademir Borges de Oliveira é mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP. Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor dos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Vice-coordenador do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Professor em cursos de pós-graduação no Projuris e USP-Ribeirão Preto. Autor de várias obras e artigos jurídicos. Advogado e parecerista.

Jefferson Aparecido Dias possui doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha (2009). Atualmente é procurador da República do Ministério Público Federal em Marília. É professor permanente do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília.

Rafael de Lazari é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor da graduação, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR. Professor convidado de pós-graduação (LFG, Projuris Estudos Jurídicos, IED, dentre outros), da Escola Superior de Advocacia, e de cursos preparatórios para concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil (LFG, IED, IOB Concursos, PCI Concursos, dentre outros). Autor, organizador e participante de inúmeras obras jurídicas, no Brasil e no exterior. Advogado e consultor jurídico.