Federalismo à brasileira

Das empresas estatais

Das empresas estatais.

15/8/2018

Emerson Ademir Borges de Oliveira

Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga

O Brasil adota um modelo de Constituição Econômica, sedimentado a partir das inclinações da Constituição alemã de Weimar, de 1919. No modelo constitucional econômico como o nosso, embora exista uma clara escolha por um modelo capitalista de mercado, o Estado preocupa-se em regular-lhe e fiscalizar-lhe em face dos abusos que o capitalismo desenfreado poderia gerar às demandas sociais.

Na realidade, e bem a propósito, nosso Estado Social Constitucional traz em si a preocupação com o desenvolvimento social, tomando, inclusive, a promoção da dignidade humana, em todos os seus aspectos, como postulado.

Regular e fiscalizar a economia serve, nesse ponto, como medida de contraponto à opção de mercado. Aceita-se a livre iniciativa e o empreendedorismo, mas os mantém sob a observação do Estado para que promovam a finalidade de proporcionar a todos uma vida digna (art. 170, caput, CF).

Historicamente, o Brasil permite que o próprio Estado intervenha diretamente na economia, criando e gerindo empresas. Mas, em se tratando de um modelo capitalista, busca evitar a inserção estatal na livre iniciativa, limitando as empresas estatais a duas finalidades: relevante interesse coletivo e segurança nacional1.

Atualmente, busca-se também evitar o monopólio das atividades econômicas em sentido estrito. Desde a postura neoliberal dos anos 90 e a Emenda Constitucional 9/1995, as atividades petrolíferas perderam o status de monopólio, reservado atualmente apenas às atividades nucleares, excetuados os radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizados sob regime de permissão2. Isto significa que, na prática, o Estado adentra ao regime de livre competição em praticamente todas as suas empresas. E, como preleciona o artigo 173 da CF, tais empresas deverão possuir o mesmo regime jurídico das empresas privadas, sem possibilidade de quaisquer benefícios especiais. Vale dizer, elas adentram ao sistema de livre concorrência.

Segurança nacional é de compreensão mais simples e demonstra-se atividade mais específica. Aliás, por ser nacional somente poderão tais empresas estatais serem criadas pela União. A segurança nacional lida com a alimentação de aparatos armamentistas e bélicos às Forças Armadas. Frise-se, todavia, que não haverá intervenção do Estado em tal âmbito sempre que estivermos diante de segurança nacional, mas uma autorização para fazê-lo3.

Já o relevante interesse coletivo possui um perfil deveras abstrato. Conforme o artigo 27, §1º da lei 13.303/2006, a realização do interesse coletivo deve ser orientada para o bem-estar econômico e alocação eficiente dos recursos geridos pela empresa estatal, além da ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos seus produtos e desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta dos produtos. Nota-se que a lei, o Estatuto das Empresas Estatais, perdeu a chance de delimitar o inalcançável conceito constitucional, mantendo a situação em um quadro de intangibilidade.

Conforme Leonardo Figueiredo, interesse coletivo deve ser visto como "aquele que deve se sobrepor ao interesse particular, com o fim de se garantir a sobrevivência da própria liberdade individual e da sociedade"4. É justamente a falta de critérios legais e constitucionais que faz com que a situação busque solução na doutrina e na jurisprudência.

O problema, no entanto, é que mesmo assim, recai sobre um conceito muito amplo e indeterminado, como a própria definição vista acima, configurando-se como uma chave coringa que atua como permissivo para um sem-número de atividades.

Como já apontado, é pouco desejável que o Estado possa atuar direta e indefinidamente na atividade econômica, convocando possibilidades infinitas e desvirtuando o Estado de suas verdadeiras funções. Ao depois, as empresas estatais podem se apresentar como instrumentos político-partidários contaminados pela vontade dos governantes, como ocorrera com a Petrobras.

Como já dissemos, em quaisquer casos, é preciso que as atividades das empresas estatais sejam guiadas pelo interesse estratégico do Estado, vale dizer, atividades que devem ser vistas como essenciais para o desenvolvimento do país e possam ser afastadas de concepções meramente privatísticas e financeiras5. Salutares, nesse tocante, as palavras de Mário Engler: "O interesse público empresarial exige maior estabilidade, não podendo ficar ao sabor de conveniências político-partidárias de caráter sectário e transitório"6.

Uma nova ordem econômica deve sim direcionar ao Estado as atividades relevantes para o desenvolvimento nacional. Claro que isso engloba setores variados, como o petrolífero, a energia, o financeiro e a pesquisa. Mas é preciso que o conceito seja delimitado com parcimônia e a existência de itens objetivos, o que inexiste atualmente. Ao depois, o direcionamento estatal para a atividade econômica deve privilegiar o desenvolvimento tecnológico e o incentivo à pesquisa, pois somente desta forma o Estado brasileiro desenvolver-se-á.

Há, neste ponto, a incidência de uma função social mais apurada, eis que as empresas estatais, justamente direcionadas por um viés estratégico, devem guiar-se pelo desenvolvimento nacional e não meramente pelo aumento dos seus lucros, embora isto seja desejável para a própria sobrevivência empresarial.

É inútil criar empresas estatais para produzir mais do mesmo e tropeçar nos entraves burocráticos que não permitem uma concorrência homogênea com a rede privada. As empresas estatais precisam andar na frente, apresentando-se inovadoras e contemporâneas, buscando, ao invés de concorrer, reger novos caminhos e transportá-los para que, aí sim, a iniciativa privada nacional possa incorporá-los e encontrar o desenvolvimento para o todo. Quando a iniciativa privada cresce, o Brasil também cresce.

No Brasil do futuro, o Estado deve dirigir a economia privada para novos rumos. Se desenvolve tecnologias nas empresas estatais, estas poderão ser aproveitadas pelas empresas privadas, em especial as nacionais. Não se trata de mera concorrência, mas de evolução setorial e de passos largos rumo ao progresso econômico.

__________

1 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.287.

2 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34.ed. São Paulo: Atlas, 2018. p.881.

3 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.286.

4 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

5 BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Procuradoria das empresas estatais federais: uma garantia contra a corrupção. Revista de Direito da Unicuritiba, v. 2, n. 51, 2018. p.302.

6 PINTO JÚNIOR, Mário Engler. Empresa estatal. São Paulo: Atlas, 2010.

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Daniel Barile da Silveira é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela CDH/IGC, da Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em Direito pelo programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB. Professor do programa de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Marília (Unimar). Professor de Direito Constitucional do curso de Direito do UniToledo (Araçatuba/SP). É advogado e consultor jurídico em Direito Público. Foi pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Recebeu Menção Honrosa do Supremo Tribunal Federal do pelo seu trabalho nos "200 anos do Judiciário Independente" (STF). Autor de várias obras jurídicas.

Emerson Ademir Borges de Oliveira é mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP. Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor dos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Vice-coordenador do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Professor em cursos de pós-graduação no Projuris e USP-Ribeirão Preto. Autor de várias obras e artigos jurídicos. Advogado e parecerista.

Jefferson Aparecido Dias possui doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha (2009). Atualmente é procurador da República do Ministério Público Federal em Marília. É professor permanente do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília.

Rafael de Lazari é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor da graduação, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR. Professor convidado de pós-graduação (LFG, Projuris Estudos Jurídicos, IED, dentre outros), da Escola Superior de Advocacia, e de cursos preparatórios para concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil (LFG, IED, IOB Concursos, PCI Concursos, dentre outros). Autor, organizador e participante de inúmeras obras jurídicas, no Brasil e no exterior. Advogado e consultor jurídico.