Federalismo à brasileira

A competência da União III: O que deve ser delegado aos municípios

A competência da União III: O que deve ser delegado aos municípios.

1/8/2018

Emerson Ademir Borges de Oliveira

Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga

Neste artigo finalizaremos nossa proposta de redistribuição das competências federativas. O primeiro artigo da série expôs quais seriam aquelas imprescindíveis ao todo e que deveriam ficar a cargo da União. Organizamos tais atribuições em cinco grupos: 1. Segurança nacional; 2. Interesse financeiro e patrimonial coletivo; 3. Relações exteriores; 4. Equilíbrio federativo; 5. Interesse geral.

No segundo artigo analisamos aquilo que deveria ser delegado aos Estados. Para tanto, propomos uma divisão em cinco grupos: 1. Segurança pública e afinidades; 2. Funcionamento da Justiça em nível estadual; 3. Administração estadual; 4. Prestação social; 5. Atividades financeiras.

Por fim, restam as competências que devem ser deixadas nas mãos dos municípios. Deve-se ter em mente que, como já manifestado anteriormente, as pessoas residem nos municípios e são estes que devem estar prontos e hábeis para atender as suas necessidades mais imediatas e passar a ocupar posição de destaque na Federação1.

Nossa proposta, assim como nos demais casos, centra-se em grupos de competências que demonstram coletivamente determinado interesse: 1. Administração Municipal; 2. Bem-estar coletivo local; 3. Assistência direta aos munícipes; 4. Poder Judiciário Municipal.

No tocante à temática da Administração Municipal, incluímos três subitens: a) orçamento público municipal; b) tributação municipal; c) gestão do patrimônio público.

Nada mais óbvio. São assuntos que dizem respeito ao erário municipal. Tratam da arrecadação tributária e dos recursos financeiros e patrimoniais. Natural que a gerência a respeito deles seja do município. A propósito, devemos lembrar que as normas básicas de tributação são de competência federal. Mas isso se resume, no aspecto dos tributos municipais, a aspectos bastante genéricos apenas com o intuito de manter certa uniformidade e não surpreender o contribuinte.

Quanto ao Bem-estar coletivo local, inserimos as subtemáticas: a) proteção de bens artísticos, históricos, culturais e naturais; b) meio ambiente local.

Mantemos o meio ambiente como uma competência comum, porém com divisão de atribuições. Assim, as questões ambientais locais devem guardar competência nos limites municipais.

Da mesma forma, o município deve dedicar esforços constantes e latentes para proteger a sua arte, história, cultura e bens naturais. O tombamento e o auxílio ao particular proprietário de bem tombado deve ser uma atribuição do município, no intuito de preservar a sua história. E, para tanto, deve possuir recursos e meios. O que se assiste, atualmente, nos municípios brasileiros é um bloqueio de propriedade sem nenhuma contrapartida, o que não deve ser mais admitido. Se o município deseja preservar sua história, não deve fazê-lo às custas do particular, mas em conjunto com ele.

Sobre as temáticas que envolvem a Assistência direta aos munícipes, vislumbram-se: a) atendimento aos idosos e pessoas com deficiência; b) moradia; c) serviços de transporte urbano.

Deve o município também preocupar-se com seu cotidiano. A atenção aos meios de transporte urbano, à edificação de moradias e ao atendimento a idosos e pessoas com deficiência, proporcionando-lhes meios especiais para suas atividades, nada mais revela do que questões locais relevantes a merecer especial apreço municipal. Atualmente, a regra é a União e os Estados voltarem-se para programas de moradias. Mas nenhum ente melhor do que o próprio Município para ter plena consciência das necessidades, locais e perfil dessas moradias.

Por derradeiro, uma verdadeira inovação: a criação de um Poder Judiciário Municipal: o Judiciário de Resolução de Conflitos.

O Judiciário Municipal será vocacionado para a solução pacífica dos conflitos, por meio de conciliação e mediação. Será instância obrigatória para todas as demandas judiciais que envolvam direitos disponíveis ou que possam ser negociados pelas partes. Apenas o insucesso da solução pacífica abrirá portas para a Justiça Estadual ou Federal. Ademais, a solução não violaria o princípio de inafastabilidade da Jurisdição porque o Judiciário Municipal estaria inserto no próprio Poder Judiciário. Por consequência, a nova atribuição retiraria a função primordial de negociação das demais Justiças, que passariam a atuar para a solução do conflito por meio de decisão judicial.

A prática certamente traria impactos relevantes para as Justiças Estadual e Federal, que passariam a atuar de forma mais específica e quantitativamente muito mais suavizadas, em razão do Judiciário Municipal. Ademais, os atores municipais encontram-se mais próximos às partes, a fim de compreender suas realidades e poder auxiliar o encontro da solução com mais presteza.

Frise-se, ademais, que as competências residuais devem ficar sob incumbência do Município, salvo se revelarem interesse direto que extrapole o âmbito municipal. Tal assertiva relembra, em parte, a cláusula dos “assuntos de interesse local”, porém com uma lógica diferente, pois consideram-se os residuais como assuntos de interesse local, salvo se demonstrado interesse que extrapole a mera localização geográfica.

Penso que, desta forma, as competências se fariam mais equilibradas, revelando maior proximidade quanto a importância dos entes federativos, cada qual com temas que lhe são mais afetos. Naturalmente, esta nova divisão trará a necessidade de redistribuição financeira, o que será abordado oportunamente.

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1 DIAS, Jefferson Aparecido. Federalismo e Municípios - Parte 1.
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Colunistas

Daniel Barile da Silveira é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela CDH/IGC, da Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em Direito pelo programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB. Professor do programa de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Marília (Unimar). Professor de Direito Constitucional do curso de Direito do UniToledo (Araçatuba/SP). É advogado e consultor jurídico em Direito Público. Foi pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Recebeu Menção Honrosa do Supremo Tribunal Federal do pelo seu trabalho nos "200 anos do Judiciário Independente" (STF). Autor de várias obras jurídicas.

Emerson Ademir Borges de Oliveira é mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP. Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor dos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Vice-coordenador do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Professor em cursos de pós-graduação no Projuris e USP-Ribeirão Preto. Autor de várias obras e artigos jurídicos. Advogado e parecerista.

Jefferson Aparecido Dias possui doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha (2009). Atualmente é procurador da República do Ministério Público Federal em Marília. É professor permanente do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília.

Rafael de Lazari é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor da graduação, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR. Professor convidado de pós-graduação (LFG, Projuris Estudos Jurídicos, IED, dentre outros), da Escola Superior de Advocacia, e de cursos preparatórios para concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil (LFG, IED, IOB Concursos, PCI Concursos, dentre outros). Autor, organizador e participante de inúmeras obras jurídicas, no Brasil e no exterior. Advogado e consultor jurídico.