Federalismo à brasileira

Federalismo e o direito de secessão

Federalismo e o direito de secessão.

23/5/2018

Jefferson Aparecido Dias

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, estabelecia, em seu primeiro artigo, que "A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil".

Ao estabelecer que a Federação brasileira se constitui por uma união "indissolúvel", o mencionado texto constitucional afastou a possibilidade de secessão, típica das Confederações, nas quais os Estados soberanos e independentes podem pleitear a saída da união celebrada por meio de tratado internacional.

Assim, o direito de secessão é o grande diferencial entre uma Confederação, no qual ele é possível, e uma Federação, na qual ele é vedado.

Essa transição, de Confederação para Federação, ocorreu nos Estados Unidos, no qual "A Federação americana oitocentista é construída como uma aliança política indissolúvel entre Estados federados autônomos, formalizada por meio de uma Constituição escrita e rígida, a de 1787.11 Ela sucede a confederação, pacto político institucionalizado por meio de um tratado internacional – "Os Artigos da Confederação" celebrado em 1781 – entre Estados soberanos e independentes (as treze ex-colônias) e marcado pela possibilidade de secessão dos entes confederados"1.

Segundo Hamilton e Madison, a Confederação, no caso do EUA, era totalmente inviável, pois: "A experiência é o oráculo da verdade; e quando suas respostas são inequívocas, deveriam ser concludentes e sagradas. A importante verdade que pronuncia inequivocamente neste caso é que uma soberania colocada sobre outros soberanos, um governo sobre outros governos, uma legislação para comunidades – por oposição de indivíduos que a compõem -, se em teoria resulta incongruente, na prática subverte a ordem e os fins da sociedade civil, substituindo a violência à lei, ou a coação destruidora da espada à suave e saudável coerção da magistratura"2.

Interessante destacar que, no Brasil, essa transição de Confederação para Federação inexistiu, pois, anteriormente, éramos um Estado Unitário, com "centralização política e monismo de poder"3, e migramos para uma Federação na qual as antigas províncias passaram a ser consideradas Estados Membros. Assim, ao contrário dos Estados Unidos onde os Estados abriram mão da soberania e tiveram que passar a conviver apenas com autonomia, no Brasil, as províncias, que não possuíam qualquer atribuição política ou legislativa, passaram a ter autonomia, ou seja, passaram a ter a possibilidade de auto-organização.

Atualmente, no Brasil, sequer uma Emenda Constitucional pode reconhecer o direito de secessão, pois o art. 60, §4º do atual texto constitucional é expresso em estabelecer que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado".

Em nossa realidade, portanto, o objetivo da União é, por um lado, impedir que os Estados extrapolem a sua autonomia e busquem a secessão e, por outro, fazer com a autonomia seja mantida e não se submeta a um governo central. Na verdade, parece-me que nesse segundo aspecto o risco é maior.

Nesse sentido, é certo que existem movimentos separatistas que defendem que esse ou aquele Estado Membro deveria promover a sua secessão e, saindo da Federação, dar início a outro país, que passaria a ter soberania. Contudo, tais movimentos são incipientes e acabam por congregar a adesão de poucas pessoas.

Por outro lado, a edição de leis e mesmo o desempenho de atribuições constitucionais tende a fortalecer cada vez mais o governo central, diminuindo o âmbito de atuação de Estados e Municípios, o que enfraquece a Federação e faz com que o país caminhe para um Estado Unitário.

Tal situação é facilmente verificável, dentre outros aspectos, no exercício do poder de tributar por parte da União que, nas últimas décadas, tem majorado as contribuições sociais e, quando pretende promover alguma desoneração, a realiza no âmbito dos impostos.

Assim, quando pretendeu incentivar o consumo, o governo Federal promoveu a isenção de IPI (Imposto de Produção Industrial) em várias áreas, diminuindo a arrecadação de imposto de, posteriormente, seria dividido entre Estados e Municípios, por meio dos Fundos de Participação.

Por outro lado, quando necessitou aumentar a arrecadação, o Governo Federal majorou as alíquotas do PIS (Programa Integração Social) e do COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), valores que, ao serem arrecadados, são utilizados apenas pela União e não são distribuídos por meio de transferências obrigatórias para Estados e Municípios.

Ao diminuir a arrecadação de Estados e municípios, a União, de forma indireta, limita a sua autonomia e exige que eles passem a adotar uma postura de quase mendicância em face do Governo Federal, que, ao deter a "chave do cofre", pode condicionar o repasse de recursos à adesão aos seus projetos políticos.

Recentemente, um Ministro de Estado chegou a defender, inclusive, que o Governo Federal somente repassasse recursos para Estados e Municípios se os seus representantes no Congresso Nacional votassem a favor da Reforma da Previdência4.

O problema é que essa forte repressão à autonomia dos Estados não acontece apenas no âmbito orçamentário, pois atinge, também, a autonomia legislativa.

Nesse sentido, é comum que a Constituição estabeleça que cabe à União legislar, em caráter geral, sobre várias matérias, resguardando aos Estados a capacidade para legislar em caráter específico. A União, contudo, ao supostamente desempenhar o seu poder de legislar, não raras vezes excede e, fugindo do âmbito geral, ingressa em matérias específicas que, em tese, caberia ao Estado regulamentar.

A título de exemplo, é o que tem ocorrido em matéria de licitações públicas, na qual a legislação federal tem descido a minúcias que praticamente elimina a autonomia legislativa dos Estados.

O Brasil, nesse cenário e em certos aspectos, corre o risco de se tornar, formalmente, uma Federação, mas, materialmente, um Estado Unitário, tamanha a concentração de poder nas mãos do Governo Federal.

Essa situação, por outro lado, acaba sendo utilizada como inspiração para movimentos separatistas que, sob o argumento de que os recursos públicos se concentram nas mãos do Governo Federal, defendem que a "saída" da Federação brasileira seria a solução para que os recursos arrecadados no Estado Membro revertessem em benefício de sua população.

Tal secessão, como já mencionado, não é possível de ocorrer, mas a defesa dessas teorias separatistas acaba alimentando o preconceito e o discurso de ódio em relação aos brasileiros provenientes de algumas regiões.

A título de exemplo, pode ser citado o preconceito contra nordestinos que, infelizmente, é frequente e a cada dia invade as redes sociais5.

Oxalá o Brasil consiga evoluir com um verdadeiro Estado Federado, no qual a autonomia dos Estados Membros e dos municípios seja desempenhada de forma plena, permitindo que possamos manter nossa unidade como nação, sem esquecer de nossas particularidades.

Que possamos nos reconhecer, todos, como brasileiros.

_________

1 DIAS, Cibele Fernandes. Repartição de competências legislativas e administrativas. In CLÈVE, Clèmerson Merlin (coord.). Direito constitucional brasileiro. vol. II. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais 2014, p. 124.

2 HAMILTON, Alexander. JAY, John. MADISON, James. Os federalistas. Rio de Janeiro : Editora Nacional de Direito, 1959, p. 82.

3 NOVELINO, Marcelo. Curdo de direito constitucional. Salvador : Editora JusPodivm, 2015, p. 588.

4 Ministro diz que liberar verba por voto não é chantagem, é 'ação de governo'. Data: 26 dez. 2017. Acesso em 21 maio 2018.

5 Os nordestinos e o preconceito nosso de cada dia. Data: 10/10/17. Acesso em: 21 maio 2018.

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Daniel Barile da Silveira é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela CDH/IGC, da Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em Direito pelo programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB. Professor do programa de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Marília (Unimar). Professor de Direito Constitucional do curso de Direito do UniToledo (Araçatuba/SP). É advogado e consultor jurídico em Direito Público. Foi pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Recebeu Menção Honrosa do Supremo Tribunal Federal do pelo seu trabalho nos "200 anos do Judiciário Independente" (STF). Autor de várias obras jurídicas.

Emerson Ademir Borges de Oliveira é mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP. Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor dos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Vice-coordenador do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília. Professor em cursos de pós-graduação no Projuris e USP-Ribeirão Preto. Autor de várias obras e artigos jurídicos. Advogado e parecerista.

Jefferson Aparecido Dias possui doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha (2009). Atualmente é procurador da República do Ministério Público Federal em Marília. É professor permanente do programa de mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília.

Rafael de Lazari é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor da graduação, mestrado e doutorado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR. Professor convidado de pós-graduação (LFG, Projuris Estudos Jurídicos, IED, dentre outros), da Escola Superior de Advocacia, e de cursos preparatórios para concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil (LFG, IED, IOB Concursos, PCI Concursos, dentre outros). Autor, organizador e participante de inúmeras obras jurídicas, no Brasil e no exterior. Advogado e consultor jurídico.