Uma das mais debatidas propostas constantes do Anteprojeto de Reforma do Código Civil diz respeito à sucessão legítima, em especial à ordem de vocação hereditária, prevista atualmente no art. 1.829 da codificação privada, que tem a seguinte confusa e longa redação:
"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais".
Como é notório, o preceito colacionado consagrou a concorrência do cônjuge com os descendentes do falecido, o que depende do regime de bens adotado entre ambos, no seu inciso I. Nos termos exatos da norma, existem regimes de bens em que não há a concorrência sucessória, pelo menos em regra, e que estão excluídos pelo dispositivo após a palavra "salvo", a saber: comunhão universal, separação legal ou obrigatória – prevista no art. 1.641 do Código Civil –, e comunhão parcial de bens, se o autor da herança não tiver deixado bens particulares.
A contrario sensu, nos regimes de separação convencional de bens, participação final nos aquestos e comunhão parcial de bens, em havendo bens particulares do falecido – o que ocorre na grande maioria dos casos concretos –, haverá a citada concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes do falecido, caso dos filhos do de cujus, exatamente como se verifica no presente quadro fático. Advirta-se, assim, que os principais dilemas a respeito do instituto da concorrência estão relacionados à comunhão parcial e à separação convencional de bens.
Seguindo, sem qualquer relação com o regime de bens, no inciso II do art. 1.829 do Código Civil consagra-se a concorrência do cônjuge com os ascendentes do falecido, o que diz respeito à totalidade dos bens do de cujus. Nos termos do Enunciado n. 609, aprovado na VII Jornada de Direito Civil, que explica essa afirmação, "o regime de bens no casamento somente interfere na concorrência sucessória do cônjuge com descendentes do falecido".
Sabe-se que, originalmente e na sua redação expressa ainda mantida, a norma somente dizia respeito ao cônjuge. Entretanto, por decisão do Supremo Tribunal Federal, julgada em sede de repercussão geral, foi reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, que tratava, igualmente de forma confusa e insuficiente, da sucessão do convivente, com a seguinte redação: "A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694). I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança".
Isso se deu por força dos Temas n. 798 e 809 de repercussão geral da Corte Suprema, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários n. 646.721 e 878.694, que constam das anotações legislativas, com a seguinte afirmação de tese: "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002".
Como consequência desse decisum, deve ser o convivente ou companheiro incluído na ordem de vocação hereditária do dispositivo em estudo (art. 1.829 do CC/2002), em todas as menções feitas ao cônjuge, e em igualdade de tratamento legal, ou seja, nos seus incs. I, II e III. Consolidou-se, portanto, a equalização sucessória entre o casamento e a união estável, o que era defendido por doutrinadores como o saudoso Zeno Veloso e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.
Voltando-se ao inciso I do art. 1.829 da codificação privada, como espírito do Código Civil de 2002, e por todas as consequências que gerou nos seus mais de vinte anos de vigência, constata-se que o objetivo do legislador foi separar claramente a meação da herança, o regime de bens da sucessão. Portanto, pelo sistema instituído a partir de 11 de janeiro de 2003, quando o cônjuge meia, não herda; quando herda, não meia. E mais, onde o cônjuge herda, não meia; onde meia, não herda.
Essas expressões são encontradas nas páginas da doutrina e também sempre eram lembradas pelo saudoso Zeno Veloso, em suas aulas, palestras, exposições e interlocuções. Também procuro lembrar dessa afirmação em todas as minhas atividades docentes e acadêmicas, quando o tema é o Direito Sucessório Brasileiro, e aqui não poderia ser diferente.
Diante dessas afirmações, quanto ao regime da comunhão parcial – regime legal ou supletório aplicável ao casamento e à união estável, e escolha natural da grande maioria dos brasileiros, como se sabe -, atualmente, essa concorrência do cônjuge ou convivente com os descendentes do de cujus está limitada aos bens particulares do falecido, aqueles que não se comunicam na comunhão parcial e sobre os quais não há meação. Não havendo meação, haverá herança, em concorrência com os descendentes do morto.
Essa solução foi adotada, após intensos debates, pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, o que prevalece para a prática, no seguinte acórdão: "nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. (...). A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus" (STJ, REsp 1.368.123/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 22/04/2015, DJe 08/06/2015).
Seguiu-se a solução apontada pela doutrina majoritária, a que sempre me filiei, constante do Enunciado n. 270, da III Jornada de Direito Civil, in verbis: "o art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes".
Na mesma linha do que está no enunciado doutrinário, reconhece-se a concorrência sucessória do cônjuge ou do convivente com os descendentes do falecido, no regime da separação convencional de bens, pois nesse caso não haverá meação, devendo ser atribuída a concorrência sucessória. Reitere-se: quando o cônjuge ou convivente não meia, ele herda.
Esse entendimento igualmente restou consolidado na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, novamente após debates muito intensos na Corte e no acórdão a seguir: "no regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil" (STJ, REsp 1.382.170/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 22/04/2015, DJe 26/05/2015).
O confuso texto do Código Civil e essa última forma de julgar causam enorme perplexidade na sociedade brasileira, diante do argumento de que aquilo que foi convencionado pelas partes em vida deveria também gerar efeitos após a morte, preservando-se a autonomia privada e a vontade individual dos consortes, de nada se comunicar, seja na vida ou na morte. Em verdade, a solução que está na atual codificação privada não faz o menor sentido para a grande maioria da população brasileira, sendo difícil a sua explicação mesmo para os profissionais do âmbito jurídico.
Não se pode negar que esses temas foram de grande divergência nos mais de vinte anos de vigência do Código Civil, gerando enormes problemas práticos e tornando a sucessão hereditária confusa, de difícil solução e distante da desejada solução consensual das controvérsias. Em uma realidade de novos vínculos familiares que são formados, as disputas entre cônjuges e conviventes sobreviventes com os filhos dos falecidos se arrastam no tempo, gerando perdas patrimoniais consideráveis e prejuízos para terceiros e para toda a sociedade brasileira. Muitos recursos acabam se perdendo no meio do caminho, por anos de discussões judiciais.
Por tudo isso, a Comissão de Juristas concluiu pela necessária extinção da concorrência sucessória do cônjuge ou convivente com os descendentes e ascendentes do falecido, estando ela muito distante de uma segura e justa pacificação das controvérsias.
Nesse contexto, como já destaquei nos meus textos anteriores publicados neste canal, restou decidido que muito melhor será a ampliação considerável da comunicação de bens na comunhão parcial (art. 1.660) e a participação patrimonial do cônjuge e do convivente na separação convencional (art. 1.668), que compensarão a retirada da hoje injustificada concorrência do cônjuge ou do convivente com os descendentes e ascendentes do falecido.
Por isso, sugere-se uma volta parcial ao sistema do Código Civil de 1916, muito mais efetivo, com a retirada da concorrência sucessória e passando o art. 1.829 do Código Civil a prever pura e simplesmente que "a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes; II – aos ascendentes; III – ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente; IV – aos colaterais até o quarto grau".
Também se retirou o cônjuge – hoje expresso na lei –, e o convivente – por interpretação da decisão do STF aqui antes destacada –, do rol dos herdeiros necessários do art. 1.845 do Código Civil. A esse propósito, vejamos as justificativas apresentadas pela subcomissão de Direito das Sucessões – formada pelos Professores Mario Luiz Delgado, Gustavo Tepedino, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Ministro Asfor Rocha – ao texto do anteprojeto:
"Uma das preocupações, na condução dos trabalhos, foi a de atender a determinadas demandas da sociedade civil, a exemplo da extinção do direito de concorrência sucessória de cônjuges e companheiros com descendentes e ascendentes, especialmente quando submetidos ao regime de separação convencional de bens, alvo de grande rejeição da sociedade em geral. O mesmo se diga em relação à ampliação do rol de herdeiros necessários, promovida pelo CCB/2002, a incluir o cônjuge sobrevivente no rol taxativo do art. 1.845. Diante da progressiva igualdade entre homens e mulheres na família e do ingresso da mulher no mercado de trabalho, bem como do fenômeno cada vez mais crescente das famílias recompostas, foi preciso repensar a posição do cônjuge e do companheiro na sucessão legítima, chegando-se à conclusão de que eles não deveriam mais figurar como herdeiros necessários, nem muito menos concorrer com os descendentes e ascendentes do autor da herança. Importante destacar que grande parte das sugestões recebidas nos canais disponibilizados pelo Senado Federal e por outras instituições tiveram por objeto afastar do cônjuge a condição de herdeiro necessário e de herdeiro concorrente. Dessa forma, estão sendo propostas alterações na ordem da vocação hereditária (art. 1.829), para que cônjuges e companheiros permaneçam como herdeiros legítimos da terceira classe, mas sem direito à concorrência sucessória; bem como no rol de herdeiros necessários (art. 1.845), restrito, de lege ferenda, a descendentes e ascendentes. A proposta volta sua atenção para as pessoas em situação de vulnerabilidade, preocupação que se concretizou com a ampliação do direito real de habitação, de modo a extrapolar a titularidade de cônjuges e companheiros, dando maior concretude ao seu caráter protetivo, passando a alcançar, também, outros herdeiros ou sucessores vulneráveis cujas moradias dependiam daquela do autor da herança por ocasião da abertura da sucessão, podendo o referido benefício ser exercido coletivamente, enquanto os titulares não adquirirem renda ou patrimônio suficiente para manter sua respectiva moradia, ou não casarem nem constituírem união estável".
De fato, a posição amplamente majoritária na doutrina sempre foi no sentido de se criticar duramente a concorrência sucessória, propondo-se inclusive a sua extinção. O mesmo se diga quanto aos julgadores, diante das dificuldades em se resolver os inventários pelo País. Essas críticas também foram ouvidas no âmbito da Comissão dos Juristas no Senado Federal.
Além do que está devidamente justificado, para a posição que ali prevaleceu não faria sentido retirar a concorrência sucessória do cônjuge e do convivente e mantê-los no rol dos herdeiros necessários, por haver uma relação de interdependência entre os dois tratamentos legais, presente um grave desvio técnico se houvesse uma regulação fracionada e diferenciada quanto a esses institutos.
Nesse contexto, acreditamos e entendemos de forma conjunta que a retirada da concorrência sucessória foi compensada pela ampliação da meação e da participação patrimonial nos dois regimes citados em que ela hoje é reconhecida, como antes pontuado: o da comunhão parcial de bens – opção da grande maioria da população brasileira, repise-se – e o da separação convencional de bens. Acrescente-se que no regime da comunhão universal não há a citada concorrência sucessória, diante do amplo reconhecimento da meação. E, no que diz respeito à separação obrigatória de bens, sugere-se no Anteprojeto a sua retirada do sistema jurídico brasileiro.
Mas não é só, pois, com o intuito de se proteger o cônjuge ou convivente sobrevivente, outros direitos, de cunho sucessório, foram-lhe atribuídos, o que merece um especial destaque neste texto.
De início, foi instituído um usufruto legal e judicial sucessório em favor do cônjuge ou convivente sobrevivente que esteja em situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, sobretudo econômica.
Nos termos da nova redação do art. 1.850 do Código Civil, em seu caput, "para excluir da herança o cônjuge, o convivente, ou os herdeiros colaterais, basta que o testador o faça expressamente ou disponha de seu patrimônio sem os contemplar". De todo modo, enunciará o seu § 1º que "sem prejuízo do direito real de habitação, nos termos do art. 1.831 deste Código, o juiz instituirá usufruto sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência do cônjuge ou convivente sobrevivente que comprovar insuficiência de recursos ou de patrimônio". Ademais, cessará o usufruto legal e judicial quando o usufrutuário tiver renda ou patrimônio suficiente para manter sua subsistência ou quando constituir nova família (novo § 2º do art. 1.850 do CC/2002).
Deve ficar claro que esse usufruto legal e judicial sucessório será instituído no inventário não só nos casos em que houver a exclusão do cônjuge ou do convivente da sucessão por força de testamento, mas em todas as situações em que ele se encontrar em dificuldades para a sua subsistência. Como se sabe, o usufruto é hoje a principal forma de planejamento sucessório efetivada nos inventários, sobretudo quando há a morte de um dos consortes, com a presença de bens imóveis do falecido ou de ambos. A nua propriedade geralmente é instituída aos filhos enquanto o cônjuge ou convivente sobrevivente permanece com o usufruto dos bens, podendo locá-los, por exemplo. A proposta afasta totalmente as alegadas situações de desamparo do cônjuge ou convivente, presente um direito sucessório do viúvo ou viúva em tal previsão.
O mesmo se diga em relação ao direito real de habitação, outro direito sucessório que foi mantido, em qualquer regime de bens, e ampliado textualmente para a união estável. Consoante a proposta que se faz ao art. 1.831 do Código Civil, em seu caput, "ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente que residia com o autor da herança ao tempo de sua morte, será assegurado, qualquer que seja o regime de bens e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação, relativamente ao imóvel que era destinado à moradia da família, desde que seja o único bem a inventariar". Ao contrário do que alguns afirmam, não passará a haver uma concorrência do direito real de habitação do consorte sobrevivente em relação aos filhos, como premissa geral. O texto é bem claro no sentido de ser esse direito do cônjuge ou convivente, como regra.
De todo modo, essa regra poderá ser quebrada em casos excepcionais e devidamente justificados, em prol da proteção de filhos ou outros descendentes que estejam em situações de vulnerabilidade ou hipossuficiência. Assim, "se ao tempo da morte, viviam juntamente com o casal descendentes incapazes ou com deficiência, bem como ascendentes vulneráveis ou, ainda, as pessoas referidas no art. 1.831-A caput e seus parágrafos deste Código, o direito de habitação há de ser compartilhado por todos" (§ 1º do art. 1.831). Ademais, "cessa o direito quando qualquer um dos titulares do direito à habitação tiver renda ou patrimônio suficiente para manter sua respectiva moradia, ou quando constituir nova família”, assim como ocorre com o usufruto, proposta que traz uma ideia de concretização da justiça de forma inquestionável (proposição do § 2º do art. 1.831).
O direito real de habitação será objeto de um outro texto meu, a ser aqui publicado, incluindo a análise da proposta de art. 1.831-A, que trata da possibilidade do direito real de habitação em favor da família parental, como nas situações de irmãos e outros membros da mesma família que vivem juntos.
Por fim, além da ampliação da meação na comunhão parcial, da instituição da participação de bens na separação de bens, da criação de um usufruto legal e judicial sucessório, da manutenção do direito real de habitação em qualquer regime de bens, cria-se no art. 1.832 do Código Civil a possibilidade de antecipação de bens da herança.
Nos termos da norma projetada, "o herdeiro com quem comprovadamente o autor da herança conviveu, e que não mediu esforços para praticar atos de zelo e de cuidado em seu favor, durante os últimos tempos de sua vida, se concorrer à herança com outros herdeiros, com quem disputa o volume do acervo ou a forma de partilhá-lo: I – terá direito de ter imediatamente, antes da partilha, destacado do montemor e disponibilizado para sua posse e uso imediato, o valor correspondente a 10% (dez por cento) de sua quota hereditária; II – se forem mais de um os herdeiros nas condições previstas no caput deste artigo, igual direito lhes será garantido, nos termos do § 1º; III – se a herança não comportar as soluções previstas nos §§ 1º e 2º e ela consistir apenas em único imóvel de morada do autor da herança, terão as pessoas apontadas no caput deste artigo direito de ali manterem-se, com exclusividade, a título de direito real de habitação".
Ao contrário do que alguns têm sustentado, penso que essa última norma não só poderá como deverá ser aplicada ao cônjuge ou convivente sobrevivente, nos casos em que estiver reconhecido o direito real de habitação – regra do sistema –, ou o direito de usufruto legal e judicial sucessório. Basta a presença de um dos dois institutos no caso concreto em favor do cônjuge ou convivente, para que essa antecipação da herança seja deferida.
Isso porque os dois institutos constituem sim direitos hereditários, ou seja, herança, e sendo reconhecidos haverá a sua concorrência com os descendentes em casos tais. Sendo assim, não restam dúvidas de que em situações como essa devem ser atribuídos os direitos hereditários em antecipação, caso o consorte preencha os requisitos da norma, com destaque para o fato de ter cuidado do falecido em seus últimos dias. A proposta tem um caráter ético e humanitário inquestionável, devendo ser aprovada, no meu entender.
Por tudo o que foi desenvolvido neste texto, percebe-se que não se pode dizer que, com o Anteprojeto proposto pela Comissão de Juristas no âmbito do Senado Federal, "a viúva deixou de ser herdeira". Também não se pode afirmar que a norma projetada traz retrocessos, mas muito ao contrário, como está claro neste texto.
Penso haver graves equívocos técnicos nessas afirmações até porque, como regra geral, terá o cônjuge ou convivente reconhecido, como herança, ao menos o direito real de habitação sobre o imóvel do casal. Observe-se que nas hipóteses de sua hipossuficiência, vulnerabilidade e de cuidado com o falecido haverá a instituição não só do tão citado usufruto legal e judicial sucessório como também da antecipação da herança do proposto art. 1.832 da codificação privada.
Na verdade, o que se propõe no texto é a retirada do tratamento do cônjuge ou convivente como herdeiro necessário do rol do art. 1.845, bem como da concorrência sucessória com os descendentes e ascendentes do art. 1.829 da codificação privada, pois a prática e a experiência demonstraram que esses tratamentos não foram eficientes nos vinte anos de vigência do Código Civil de 2002. Deixará ele de ser herdeiro necessário, mas não herdeiro!
Em resumo e arremate final a este artigo, essas foram as propostas da Comissão de Juristas para tornar o Direito Sucessório Brasileiro mais efetivo na prática, sem se esquecer da tutela de vulnerabilidades e hipossuficiências, cabendo agora ao Congresso Nacional analisá-lo, com três opções ou caminhos possíveis.
O primeiro deles é o de manter o sistema atual, que chega a ser caótico, não sendo essa a melhor opção, no entender de todos os membros da Comissão de Juristas. O segundo é a adoção da proposta por nós elaborada, que nos parece a mais equilibrada e eficiente, por todas as razões expostas e por tudo o que se escreveu, pesquisou, estudou e julgou nos mais de vinte anos de vigência da codificação privada. O terceiro caminho é o da adoção de outra proposição que surgir entre os parlamentares, que fique entre o sistema hoje existente e as proposições que foram formuladas.
Caberá, assim, ao Parlamento Brasileiro uma profunda análise dessa temática, uma das mais importantes do Direito Privado Brasileiro, para se chegar a uma necessária conclusão.