Repercutiu muito nos últimos dias a decisão proferida pelo Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, composto pelo Presidente e pelo Vice-Presidente da Corte, pelo Corregedor Geral da Justiça, pelo Desembargador Decano e pelos Presidentes das Seções de julgamento. O julgado foi proferido nos autos da Apelação n. 1007525-42.2022.8.26.0132, originário o processo da Comarca de Catanduva, tendo surgido o dilema no 1º Oficial de Registros de Imóveis e Anexos, daquela localidade.
A discussão chegou ao Tribunal Bandeirante diante de insurgência contra decisão do oficial de não registrar contrato ou pacto de convivência com disposições de natureza sucessória. A inviabilidade do registro imobiliário foi confirmada perante o Conselho, de forma unânime, em decisão que vale para todo o Estado de São Paulo, e com a seguinte ementa:
"REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO DE CONVIVÊNCIA EM UNIÃO ESTÁVEL – REGIME CONVENCIONAL DA SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS – EXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÕES NO PACTO ESTABELECIDO QUE, SEGUNDO O OFICIAL, NÃO COMPORTAM INGRESSO NO REGISTRO DE IMÓVEIS PORQUE ILEGAIS – RENÚNCIA À POSTULAÇÃO DE COMUNICAÇÃO PATRIMONIAL, EMBASADA NA SÚMULA 377 DO STF, QUE APENAS REFORÇA A INCOMUNICABILIDADE DE BENS NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – NULIDADE NÃO CONFIGURADA – RENÚNCIA AO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO – RENÚNCIA TAMBÉM AO DIREITO CONCORRENCIAL PELOS CONVIVENTES – ARTIGO 426 DO CÓDIGO CIVIL QUE VEDA O PACTO SUCESSÓRIO – SISTEMA DOS REGISTROS PÚBLICOS EM QUE IMPERA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA – TÍTULO QUE, TAL COMO SE APRESENTA, NÃO COMPORTA REGISTRO – APELAÇÃO NÃO PROVIDA".
Analisando o voto proferido no decisum, pelo Corregedor Geral de Justiça do TJSP Desembargador Fernando Torres de Garcia, de início, constata-se que os então apelantes alegaram que a referência, no pacto ou contrato de convivência, à não aplicação da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal estaria justificada "na tendência atual de mudança de entendimento por parte dos Tribunais, no sentido de forçar a comunicação patrimonial mesmo em caso de separação convencional de bens. Aduzem que, por não desejarem tal comunicação, manifestaram expressa renúncia no pacto celebrado, que tem por objetivo não apenas eleger o regime patrimonial de bens dos conviventes, mas também fixar sua livre vontade a respeito".
Sobre a possibilidade de essa previsão gerar efeitos após a sua morte, os recorrentes contestaram a conclusão do registrador de imóveis segundo a qual a renúncia ao direito concorrencial do companheiro pudesse ser tida como um pacto sucessório – nos termos do art. 426 do Código Civil -, como uma deliberação de herança de pessoa viva e como uma renúncia de herança a termo, “pois apenas externaram sua vontade de que, no caso de existência de descendentes ou ascendentes, estes herdem a totalidade da herança deixada pelo falecido, honrando o desejo dos conviventes de que o sobrevivente não venha a concorrer com eventuais ascendentes ou descendentes existentes no momento da abertura da sucessão do outro”.
Também sustentaram os apelantes ser possível a renúncia ao direito real de habitação, por instrumento público e desde que um dos conviventes confirmasse esse seu consentimento, livre e desimpedido, depois do óbito do outro companheiro.
Todavia, como se pode perceber da ementa transcrita, de modo correto tecnicamente, o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal Paulista, em votação unânime, rechaçou esses argumentos, concluindo haver lesão ao art. 426 do Código Civil. Concluiu, ademais, pela impossibilidade de registro da escritura pública, mesmo com o argumento de que não seria uma “renúncia à pretensão sucessória”, mas uma “renúncia à concorrência sucessória” do companheiro com os ascendentes ou descendentes do falecido. Nos termos do voto do Desembargador Corregedor, “ainda que permaneçam os apelantes com o direito à herança quando o convivente herdar com exclusividade, ou seja, se não houver descendentes ou ascendentes do falecido, a renúncia à concorrência sucessória esbarra na vedação legal trazida pelo artigo 426 do Código Civil, que impede o pacto sucessório. Pela mesma razão de direito, é também nula a renúncia ao direito de habitação, uma vez que, em contravenção ao mencionado artigo 426 do Código Civil, se dispôs sobre herança de pessoa viva”. Após citar a doutrina de Pontes de Miranda, arrematou o julgador que “não se desconhece a controvérsia doutrinária sobre o tema, bem como a existência de alguns julgados em sentido contrário, mas o fato é que, no sistema dos registros públicos, impera o princípio da legalidade estrita, de sorte que, tal como se apresenta, o título não comporta registro”.
Como se pode perceber, o julgamento trouxe mais uma vez para debate três questões relevantes sobre o exercício da autonomia privada e o Direito das Sucessões Brasileiro, que devem ser aqui analisadas mais uma vez, sobretudo na perspectiva da impossibilidade de renúncia prévia a direitos sucessórios, prática que, no meu entendimento doutrinário, é ilegal e ilícita, na nossa realidade jurídica vigente.
A primeira questão diz respeito ao afastamento da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o que tem sido admitido por doutrina e jurisprudência, de forma ampla, mas apenas com efeitos inter vivos, e não post mortem. Vale lembrar que, nos termos exatos da ementa da sumular, que remonta à década sessenta do século passado, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sua Segunda Seção, tem aplicado o seu teor, tanto para o casamento quanto para a união estável, desde que comprovado o esforço comum do consorte, para que haja a divisão do patrimônio. Em pacificação a respeito do casamento, decidiu a Segunda Seção da Corte: "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Releitura da antiga Súmula 377/STF ('No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento'), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça" (STJ, EREsp n. 1.623.858/MG, relator Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Segunda Seção, julgado em 23/5/2018, DJe de 30/5/2018). Antes disso, a respeito da união estável já havido sido pacificado o seguinte: “apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha” (STJ, EREsp n. 1.171.820/PR, relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/8/2015, DJe de 21/9/2015).
No âmbito da doutrina, admitindo o afastamento da sumular no contrato havido entre as partes: “é lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF” (Enunciado n. 634, aprovado na VIII Jornada de Direito Civil, em 2018). E mais, originário de proposta formulada por mim: “podem os cônjuges, por meio de pacto antenupcial, optar pela não incidência da Súmula 377 do STF” (Enunciado n. 81, da I Jornada de Direito Notarial e Registral, promovida em 2022).
Não se olvide que a própria Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal Paulista já havia decidido pela possibilidade de afastamento da Súmula n. 377 por convenção dos cônjuges. Em decisão de dezembro de 2017, concluiu-se que “nas hipóteses em que se impõe o regime de separação obrigatória de bens (art. 1.641 do CC), é dado aos nubentes, por pacto antenupcial, prever a incomunicabilidade absoluta dos aquestos, afastando a incidência da Súmula 377 do Excelso Pretório, desde que mantidas todas as demais regras do regime de separação obrigatória. Situação que não se confunde com a pactuação para alteração do regime de separação obrigatória, para o de separação convencional de bens, que se mostra inadmissível”.
Como outro marco decisório importante, no final de 2021, surgiu precedente da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, deduzindo que, “no casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos” (STJ, REsp 1.922.347/PR, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07.12.2021, DJe 1.º.02.2022).
Pois bem, o julgado ora em comentário, do Conselho Superior da Magistratura do TJSP, de 2023, só confirmou esse entendimento, no único trecho em que não se seguiu a decisão do registrador de imóveis, in verbis:
"Quanto à cláusula referente à não aplicação da Súmula nº 377 do STF, não assiste razão ao registrador. Com efeito, ao estipularem tal cláusula no pacto em análise, os conviventes sinalizaram que obedecerão à regra da separação de bens e que, no curso da união estável, não haverá incidência dos seus efeitos. Logo, ainda que referida Súmula diga respeito ao regime da separação obrigatória de bens, inexiste nulidade na cláusula que a ela faz referência no intuito de deixar claro que na união estável estabelecida prevalecerá o pacto celebrado, segundo o qual haverá incomunicabilidade absoluta de bens, protegendo o interesse lícito dos conviventes na destinação de seu patrimônio. É preciso dizer que, em verdade, o ideal seria que o pacto houvesse se limitado a prever o regime de bens estipulado para a união estável estabelecida entre os conviventes, deixando as demais disposições para instrumento diverso que, sem necessidade de ingresso no registro imobiliário, viesse a ser oportunamente analisado por exemplo, quando da abertura do inventário daquele que primeiro vier a falecer, caso ainda esteja, à época, vivendo com o companheiro" (TJSP, Conselho Superior da Magistratura, Apelação cível n. 1007525-42.2022.8.26.0132, Relator Corregedor Geral de Justiça Des. Fernando Torres de Garcia, julgado em 22 de setembro de 2023).
Entretanto, reitere-se que, na linha do que tem sido afirmado pela doutrina majoritária e em julgados superiores, não pode esse afastamento da Súmula n. 377 do STF por ato inter vivos gerar efeitos sucessórios, sob pena de sua nulidade absoluta, por caracterizar pacto sucessório e desrespeito ao art. 426 do Código Civil, segundo o qual não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
Ingressa-se na segunda questão posta em debate no decisum, sendo a hipótese de violação do último preceito de nulidade absoluta virtual ou implícita, pois a lei proíbe a prática do ato sem cominar sanção (art. 166, inc. VI, segunda parte do Código Civil). A esse propósito, destaco trecho de outra ementa do Superior Tribunal de Justiça::
"É inviável a pretensão de estender o regime de bens do casamento, de separação total, para alcançar os direitos sucessórios dos cônjuges, obstando a comunicação dos bens do falecido com os do cônjuge supérstite. As regras sucessórias são de ordem pública, não admitindo, por isso, disposição em contrário pelas partes. (...). Conforme já decidido por esta Corte, 'O pacto antenupcial que estabelece o regime de separação total de bens somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial' (STJ, RESP 1.294.404/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe de 29/10/2015)" (STJ, Ag. Int. no REsp. 1.622.459/MT, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/12/2019, DJE 19/12/2019).
Sobre a impossibilidade de renúncia à concorrência sucessória do cônjuge ou companheiro com os descendentes – tratada pelo art. 1.829, inc. I, do Código Civil -, a jurisprudência superior também havia concluído que “com a dissolução da sociedade conjugal operada pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente terá direito, além do seu quinhão na herança do de cujus, conforme o caso, à sua meação, agora sim regulado pelo regime de bens adotado no casamento. O artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei” (STJ, REsp n. 954.567/PE, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 10/5/2011, DJe de 18/5/2011). Como está nesse acórdão e no comando por último aludido, não se pode contrariar, por convenção dos cônjuges ou dos companheiros, disposição absoluta de lei, assim entendida a norma de ordem pública, como a que reconhece o direito sucessório e que tutela a concorrência sucessória do cônjuge e do companheiro, nos termos do que está expresso no art. 1.829 do CC.
Acrescento com o art. 166, inc. VI, do Código Civil, segundo o qual é nulo de pleno direito o negócio jurídico que tiver por objetivo fraudar lei imperativa, ou seja, desrespeitar norma cogente. Por isso, o decisum do Tribunal Paulista é irrepreensível nessa parte, não se podendo chancelar convenção ilícita e ilegal; impassível de registro imobiliário.
Não se admite no Brasil e neste momento, a renúncia prévia à herança ou a direitos sucessórios, em qualquer regime de bens. A renúncia à herança, como sempre insisto, somente é viável após a morte de alguém, cabível ao herdeiro e desde que respeite as regras de solenidade previstas entre os arts. 1.804 a 1.813 do Código Civil. Sendo a herança um direito fundamental – consoante o art. 5º, inc. XXX, da Constituição Federal, como corolário do direito à propriedade previsto no inc. XXII do mesmo comando superior -, a sua renúncia somente é possível se seguida a estrita legalidade.
De todo modo, não se pode negar que, de lege ferenda, seria interessante incluir exceções à regra geral do art. 426 do Código Civil, com novos parágrafos nesse preceito, um deles admitindo a renúncia prévia à herança por cônjuges e companheiros que vivem sob o regime de separação convencional de bens. Esse tema está sendo intensamente debatido pela comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal, para a Reforma do Código Civil. Porém, no atual sistema, reafirme-se que essa renúncia prévia a direitos sucessórios não é possível juridicamente, como está claro no aresto em estudo.
Como terceira questão de debate, o julgado paulista não admitiu a renúncia ao direito real de habitação do companheiro, exatamente na linha do que tenho sustentado doutrinariamente, sobretudo no Volume 6 da minha coleção de Direito Civil, publicada pela Editora Forense e atualmente em sua 16ª Edição. Não se aplicou, assim o teor do Enunciado n. 271, da III Jornada de Direito Civil (2004), ao qual não me filio e segundo o qual: “o cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança”. Mais uma vez se entendeu tratar-se de ofensa ao art. 426 do Código Civil.
Como outro argumento a ser considerado, tenho defendido, naquela obra, ser o direito real de habitação irrenunciável por envolver a consagração do direito fundamental à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal, com plena incidência nas relações privadas, ou seja, com eficácia horizontal.
Em comparação que faço com o instituto do bem de família, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acabou por consolidar a afirmação de que o bem de família legal é irrenunciável, não sendo possível a figura do bem de família ofertado, como premissa geral. Nessa linha, apenas para ilustrar: “a jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado que a incidência da proteção dada ao bem de família somente é afastada se caracterizada alguma das hipóteses descritas nos incisos I a IV do art. 3.º da Lei 8.009/1990. Precedentes. O benefício conferido pela Lei n.º 8.009/1990 ao instituto do bem de família constitui princípio de ordem pública, prevalente mesmo sobre a vontade manifestada, não admitindo sua renúncia por parte de seu titular” (STJ, Ag. Rg. no AREsp 264.431/SE, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.03.2013, DJe 11.03.2013). Ora, se não se admite o bem de família ofertado pela parte, não é possível, juridicamente, o direito real de habitação legal renunciado.
Para encerrar este texto, é preciso fazer duas observações, verdadeiras notas de advertência de relevo, sobretudo para a prática, tendo como pano de fundo o julgado do Conselho Superior da Magistratura Paulista.
A primeira observação é a de que a decisão afasta a possibilidade de registro dos pactos e contratos celebrados entre cônjuges ou companheiros de renúncia à herança, à concorrência sucessória e ao direito real de habitação em todo o Estado de São Paulo. Entendeu-se que tais convenções são ilegais, eivadas de nulidade absoluta, a mais grave das invalidades. Isso traz aos advogados e tabeliães dessa unidade da federação uma orientação clara de não elaborarem tais negócios, sobretudo por escrituras públicos, sob pena de uma possível responsabilização do profissional que os recomenda aos seus clientes. Como tenho alertado, há uma constante e infeliz profusão de atos e negócios jurídicos nulos no âmbito sucessório – como se dá com o fenômeno das “holdings familiares" -, e que não trazem qualquer segurança para as partes que o compõe ou celebram.
A segunda observação é que a decisão paulista entra em conflito direto com norma da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de 19 de dezembro de 2022, inserida no seu novo Código de Normas (Provimento CGJ n. 87/2022). Consoante o seu art. 390, poderão constar nas escrituras públicas de união estável, a serem lavradas pelos Tabelionatos do Rio de Janeiro, cláusulas dispondo sobre regime de bens. E entre essas cláusulas, está expresso no § 3º desse comando que “a cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia".
Mais uma vez com o devido respeito, e isso ficou claro com a decisão do Tribunal Paulista, a consequência da previsão da cláusula de renúncia ao direito concorrencial é a nulidade absoluta virtual ou implícita do pactuado (art. 166, inc. VI, segunda parte, do Código Civil), e não a mera ineficácia, como está na norma do Rio de Janeiro. Não se pode falar, portanto, em "controvertida eficácia" da cláusula de renúncia ao direito de herança ou à concorrência sucessória, mas em sua nulidade absoluta, por afronta a normas cogentes ou de ordem pública, que não podem ser afastadas por convenção entre as partes, isto é, pelo exercício da autonomia privada.
A clara colisão agora existente entre a decisão paulista e a norma fluminense demostra a urgente necessidade de a questão ser resolvida no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, não se podendo aceitar decisões conflitantes sobre o tema, em unidades diversas da federação. Tenho notícias que paulistas já se deslocam para o Estado do Rio de Janeiro, para elaborarem escrituras públicas de renúncia à herança e de afastamento à concorrência sucessória, atos nulos de pleno direito, o que ocasiona uma instabilidade que não pode ser aceita.
Assim mais uma vez -, como está em Nota Técnica do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT), que assino com os Professores Marília Pedroso Xavier e Maurício Bunazar -, o § 3º do art. 390 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro padece de grave ilegalidade, sendo recomendável a sua imediata revogação expressa ou o seu afastamento pelo Conselho Nacional de Justiça.
Tal medida é fundamental para evitar insegurança jurídica e a construção de um Direito Civil "de exceção" no Estado do Rio de Janeiro, que vá na contramão do que tem sido aplicado no restante do território nacional, caso do Estado de São Paulo, em afronta a todos os entendimentos doutrinários e às posições jurisprudenciais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, expostos neste texto.