Elas no Processo

O acesso à justiça e a importante atuação das Defensorias Públicas nos IRDR

Ana Flávia Borges Paulino e César Augusto Cunha Campos

No entanto, pontuamos aqui que, nem sempre o acesso à justiça somente se personifica mediante a proposição de ação individual.

30/12/2022

Nossa Constituição Federal prima por seu garantismo e pelo real intuito de proteção dos direitos individuais e, dentre eles, destacamos a previsão contida no art. 5º, LXXIV, da CF/88 de que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Logicamente, considerando a enorme demanda processual frente ao perfil contencioso apresentado pelos jurisdicionados, as pessoas (ou agrupamentos sociais) em situação de vulnerabilidade podem não ter acesso ao Judiciário no intuito de pleitear determinado direito.

No entanto, pontuamos aqui que, nem sempre o acesso à justiça somente se personifica mediante a proposição de ação individual.

O Código de Processo Civil trouxe em seu bojo, o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, instituto processual que se inspirou no direito alemão diante do similar musterverfahren, sofrendo influências ainda do sistema de agregação de causas no direito português e, finalmente do modelo de decisões de litígio de grupo (group litigation order) e demanda-teste (test-claim) do direito inglês (MENEZES, 2018).

O cabimento do IRDR se dá quando se tem, de forma concomitante, uma efetiva repetição de processos tratando de semelhante controvérsia acerca de questão unicamente de direito e que, inclusive, possua o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, conforme determina o art. 976 do Código de Processo Civil de 2015.

Portanto, poderíamos considerar que o IRDR seria um incidente legítimo apto a discutir litígios de interesse coletivo com legitimidade superior à própria ação civil pública?

Pontua-se que o IRDR pode tratar de casos que estão em discussão e que ainda possam surgir, tendo a Ação Civil Pública, por exemplo, a previsão, pelo menos a princípio, da existência de um dano que, contudo, tornará prevento o juízo para eventuais novas ações.

No entanto, embora a Lei nº 7347/85 traga restrições à própria propositura da ação, situação semelhante não ocorre no âmbito do IRDR, pois além do alcance a que se pode dar das decisões proferidas, o Código de Processo Civil prevê diversas particularidades que trazem a discussão a ser realizada no incidente à valorada temática da teoria geral dos precedentes.

Diante dessa nuance, pode-se afirmar que o IRDR se torna importante mecanismo de acesso à justiça, mas não se constitui como técnica processual a se estabelecer como sucedâneo de ações coletivas.

E o CPC/2015 apresentou a possibilidade dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas, verdadeiro aparato processual também a tutelar os direitos dos hipossuficientes de forma a consolidar o entendimento repetitivo proferido com busca à garantia da segurança jurídica, da uniformidade de entendimentos e da igualdade.

Outrossim, trouxe a nova norma, em seu art. 977, a possibilidade da Defensoria Pública, no exercício de suas atribuições da promoção dos interesses individuais e coletivos dos necessitados (art. 185 do CPC/2015), a instauração do incidente diretamente ao presidente de tribunal.

Importante pontuar valiosa colocação da defensora pública Luciana Jordão, ao tratar da importância da atuação da Defensoria nesta seara, perante a qual destaca que esta é instituição pública voltada à implementação de política pública de acesso à justiça, à avaliação técnica a respeito da maximização dos resultados, que podem gerar benefícios ao maior número de cidadãos e, como tal, sugerimos que pode, portanto, o instrumento do IRDR assumir protagonismo nesta prática qualificada.

Em complemento, cabe destacar que o IRDR se caracteriza como incidente processual, considerando que pode ser instaurado por meio de um pedido, exigindo sempre um prévio processo judicial instaurado (MENDES, 2021).

Outrossim, as particularidades apresentadas no CPC/2015 relacionadas ao IRDR trazem inúmeros benefícios em sua tramitação, tais como: a previsão do caput do art. 980, que determina o prazo de prazo de 1 (um) ano para julgamento; e,  a suspensão dos processos pendentes, conforme previsto no art. 982, I. E acrescenta-se que, a inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, possa ser o incidente novamente suscitado (Art. 976, §3º).

A participação social, a realização de audiências públicas, os amici curiae serão ferramentas importantes para consolidar o acesso à justiça, podendo contar, agora, com a competência da Defensoria Pública para imiscuir-se em tais questões, através do IRDR, podendo a referida discussão ser levada, inclusive, para o âmbito dos Tribunais Superiores e, quiçá, ter a modulação de efeitos também como instrumento de concretização de direitos.

Em breve pesquisa no Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios é possível afirmar que a sistematização de informações dos IRDR não permite saber se a defensoria pública foi a postulante na busca pela promoção dos direitos humanos, ou então pela defesa dos direitos coletivos dos necessitados, conforme determina o art. 185 do CPC/2015.

Com isso, a ausência de informações detalhadas obsta o acompanhamento da defesa dos mais necessitados na criação de precedentes qualificados por meio de julgamento de demandas repetidas.

Seria o caso, portanto, quanto ao ponto, de sugerir ao CNJ (órgão regulador da atividade judiciária conforme esta autora já pontuou em obra anterior) que possa disponibilizar filtros cada vez mais detalhados a fim de facilitar o controle e a consequente melhoria na prestação jurisdicional no que tange aos direitos dos hipossuficientes frente às demandas contidas em IRDR perante todos os tribunais.

Por conseguinte, destaca-se que, funcionando a Defensoria Pública como postulante lhe é conferido melhor meio para desenvolver a tese e levar ao judiciário no tempo adequado às possibilidades de atuação deste órgão.

Guedes (2018) expõe neste sentido:

Tal participação é tão importante quanto a atuação nas demandas individuais, pois, a partir da entrada em vigor do novo CPC, há grande tendência de que todas as questões repetitivas passem a ser decididas por meio do julgamento de IRDR, sendo, então, proferidas decisões e escolhidas as teses jurídicas que vincularão todos os juízes subordinados hierarquicamente ao tribunal.

Em síntese, a consolidação da atuação da defensoria pública como participante da criação de precedentes qualificados deve ficar destacada vez que funciona como guardiã dos interesses da população hipossuficiente de fato.

Com efeito, a defensoria pode, então, identificar tema que possa ser objeto de discussão por meio do IRDR, promovendo a discussão dos direitos dos vulneráveis diante da previsão processual de apresentação de petição, a qual conterá pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas tal como preceitua o art. 977 do CPC/2015, inaugurando uma nova era na temática dos precedentes frente à proteção do direito dos hipossuficientes.

__________

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível aqui.

BRASIL. [CPC (2015)]. Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível aqui.

 CARVALHO, Luciana Jordão da Motta Armiliato. A Defensoria Pública e o IRDR: reflexões sobre desafios e caminhos para a consolidação do instituto. In: Acesso à justiça em contexto de litigância repetitiva. DELCHIARO, Mariana Tonolli Chiavone; MAIA, Maurilio Casas. (org.). Belo Horizonte, São Paulo: Editora D'Plácido, 2022.

GUEDES, Cintia Regina. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e o papel da Defensoria Pública como porta-voz dos litigantes individuais na formação da tese jurídica vinculante. REVISTA DE DIREITO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Nº 28 – 2018. Disponível aqui.

MENDES, Bruno Cavalcanti Angelim. Julgamento de casos repetitivos: critérios de seleção dos casos paradigmáticos e formação de precedentes. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021.

MENEZES, André Beckmann de Castro. O IRDR Como Política Pública Judiciária. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018.

PAULINO, Ana Flávia Borges. CNJ: o regulador da atividade judiciária. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Cristiane Rodrigues Iwakura é doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Pós-graduada em Direito Público pela UnB e em Regulação de Mercado de Capitais pelo Ibmec. Professora e pesquisadora na área de Direito Processual, Regulação, Legal Design, Inovação em Gestão e Direito Digital.

Fernanda Gomes e Souza Borges é doutora e mestre em Direito Processual pela PUC/MG. Docente de Direito Processual Civil da UFLA. Líder do GEPPROC/UFLA (Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional). Membro do IBDP. Membro da ABDPro. Membro da ABDPC.

Flávia Pereira Hill é doutora e mestre em Direito Processual da UERJ. Professora associada de Direito Processual Civil da UERJ. Pesquisadora visitante da Universidade de Turim, Itália. Delegatária de cartório extrajudicial.

Flávia Pereira Ribeiro é pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Doutora e mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP. Membro do IBDP, do CEAPRO e do IASP. Diretora Jurídica da ELENA S/A. Sócia do escritório Flávia Ribeiro Advocacia.

Renata Cortez é doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito pela UNICAP. Coordenadora da Pós-graduação em Advocacia Extrajudicial (IAJUF/UNIRIOS). Membro do IBDP e da ANNEP. Registradora Civil e Tabeliã em Pernambuco.