Elas no Processo

O caminho é longo e nós vamos de salto

O caminho é longo e nós vamos de salto

1/7/2022

Embora as mulheres ocupem a maior parte dos bancos das universidades brasileiras, quando partimos para as instâncias de poder percebemos a presença majoritariamente masculina.    

Em toda a sua história, somente 3 mulheres foram ministras do STF. Esperamos mais de 100 anos para a posse da primeira mulher, a ministra Ellen Gracie, no ano 2000; a segunda, a ministra Carmem Lúcia, tomou posse em 2006; a terceira, ministra Rosa Weber, ingressou na mais alta corte em 2011.

Ao compararmos o lapso temporal para o ingresso da primeira mulher no Supremo com o espaço de tempo para a posse das outras duas ministras, até ficamos animadas e pensamos que talvez estivéssemos encurtando o caminho. Afinal, para a posse da primeira mulher havíamos esperado 100 anos, para a segunda 6 e para a terceira apenas 5. 

Todavia, as perspectivas positivas são indiscutivelmente frustradas, já que após 2011 surgiram 5 vagas no STF e todas elas foram preenchidas por homens. E essa ausência de representatividade feminina nos espaços de poder também está presente nos outros tribunais.

No STJ, o “tribunal da cidadania”, dos 32 cargos de ministros ocupados, apenas 6 são mulheres, proporção que se repete na maioria dos demais tribunais. Há ainda tribunais, como o TRF da 5ª Região, em que não há sequer uma desembargadora – situação que esperamos seja, em breve, resolvida, uma vez que existe vaga aberta e três mulheres extremamente competentes integram a lista sêxtupla formada pelo Ministério Público1. 

Não fosse suficiente a falta numérica de mulheres nos tribunais, ainda há uma distorção participativa ainda mais agressiva: a interrupção da fala das mulheres na Cortes, realidade observada também fora do Brasil.

Estudo realizado pela Universidade Northwestern concluiu que as interrupções de ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos, quando eles estão expondo os seus argumentos, possuem estrita relação com questões de gênero. As Ministras, além de serem mais interrompidas do que os Ministros, o são não apenas por seus colegas da Corte, mas por advogados homens, prática que, ressalte-se, é proibida pelas diretrizes do Tribunal2. 

O estudo, intitulado “Justice, Interrupted: The Effect of Gender, Ideology and Seniority at Supreme Court Oral Arguments”3, demonstra que as dificuldades impostas para as mulheres permanecem até mesmo quando alcançamos a posição de maior poder das carreiras jurídicas. No âmbito brasileiro, constatou-se que os processos judiciais relatados por mulheres são “contemplados” por mais divergências do que aqueles relatados por homens4.

E a situação de desequilíbrio se repete nas demais carreiras jurídicas. O Conselho Federal da OAB, por exemplo, nunca foi presidido por uma mulher e somente uma mulher ocupou o cargo de Procuradora Geral da República.

Não é diferente a realidade de gênero na Faculdade de Direito da USP. Em quase 200 anos de existência, somente uma mulher ocupou o seu cargo de direção: a professora Ivette Senise Ferreira, entre os anos de 1998 a 2002. 

É bem possível que a dificuldade de participação tenha a ver com a maternidade e com a conciliação das atividades domésticas. Dados do IBGE apontam que as mulheres dedicam 21,4 horas semanais aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos, ao passo que os homens dedicam apenas 11 horas semanais para as mesmas atividades5.

É evidente a relação da maternidade com a inserção feminina no mercado de trabalho, já que o nível de ocupação (em atividades econômicas) das mulheres que convivem com crianças de até 3 anos de idade é de 54,6 horas semanais e o dos homens é de 89,2 horas semanais6.   

Esse cenário, especialmente no que diz respeito à influência da maternidade nas carreiras profissionais das mulheres, leva-nos a questionar qual o papel dos homens no mundo, haja vista que a maternidade nasce ao mesmo tempo da paternidade. A chegada de um filho, portanto, não deveria impactar a vida dos homens e das mulheres de igual forma?

Bem, não é novidade que vivemos em uma sociedade machista e que, desde crianças, somos condicionadas a perpetuar esse status quo. Entramos em uma loja de brinquedos e já percebemos nitidamente a seção das meninas e dos meninos: os brinquedos deles incentivam a diversão e o delas, as tarefas domésticas.

Talvez algo que começasse a mudar essa realidade fosse a promoção de uma campanha massiva sobre o direito de as crianças brincarem com o que elas quisessem, afinal, tudo começa na infância. Essa seria a construção de uma mudança cultural que, embora imprescindível, demanda muito tempo.

Como não temos tempo a perder, mudanças legislativas podem encurtar esse longo caminho. A título de exemplo, a licença maternidade pode se transformar em licença parental, de modo que o pai e a mãe escolham quem irá se licenciar para cuidar do novo membro da família. A famosa e inconveniente pergunta das entrevistas de emprego sobre o desejo de ser mãe não faria mais sentido. Essa já é a realidade de alguns países europeus, dentre eles, Finlândia, Alemanha, Islândia, Noruega e Suécia7.

Todo esse cenário, embora preocupante, revela a premente necessidade da união das mulheres em busca da igualdade de gênero, afinal, o caminho é longo e nós vamos de salto.

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1 Dos seis nomes indicados, o primeiro lugar é de uma mulher, cuja votação (560 votos) foi a maior da história do MPF.

Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

4 GOMES, Juliana Cesario Alvim; NOGUEIRA, Rafaela; ARGUELHES, Diego Werneck. Gênero e comportamento judicial no supremo tribunal federal: os ministros confiam menos em relatoras mulheres?. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018 p.854-876

5 Disponível aqui. Acesso em: 16 mar. 2021.

6 Disponível aqui. Acesso em: 16 mar. 2021.

7 Disponível aqui.

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Colunistas

Cristiane Rodrigues Iwakura é doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Pós-graduada em Direito Público pela UnB e em Regulação de Mercado de Capitais pelo Ibmec. Professora e pesquisadora na área de Direito Processual, Regulação, Legal Design, Inovação em Gestão e Direito Digital.

Fernanda Gomes e Souza Borges é doutora e mestre em Direito Processual pela PUC/MG. Docente de Direito Processual Civil da UFLA. Líder do GEPPROC/UFLA (Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional). Membro do IBDP. Membro da ABDPro. Membro da ABDPC.

Flávia Pereira Hill é doutora e mestre em Direito Processual da UERJ. Professora associada de Direito Processual Civil da UERJ. Pesquisadora visitante da Universidade de Turim, Itália. Delegatária de cartório extrajudicial.

Flávia Pereira Ribeiro é pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Doutora e mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP. Membro do IBDP, do CEAPRO e do IASP. Diretora Jurídica da ELENA S/A. Sócia do escritório Flávia Ribeiro Advocacia.

Renata Cortez é doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito pela UNICAP. Coordenadora da Pós-graduação em Advocacia Extrajudicial (IAJUF/UNIRIOS). Membro do IBDP e da ANNEP. Registradora Civil e Tabeliã em Pernambuco.