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Mediação familiar: Acordo extrajudicial pós sentença

Mediação familiar: Acordo extrajudicial pós sentença

17/12/2021

No Código de Processo Civil (CPC) de 2015 foi inserido, nos procedimentos especiais, um capítulo próprio referente às ações de famíliai. Percebe-se, pela leitura dos dispositivos, que o legislador se preocupou em solucionar os conflitos da área de família de forma consensual.

O procedimento especial das ações de família, previsto nos arts. 693 e ss. do CPC, aplica-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, de reconhecimento e de extinção de união estável, de guarda, visitação e filiação. Já no caso da ação de alimentos, o procedimento especial é regulado pela lei 5.478/68.

Nesse sentido, a recomendação legislativa é a de que sejam dispostos, pelo juiz, mecanismos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a conciliação, ou até mesmo as próprias partes podem requerer ao juiz a suspensão do processo para buscar a mediação extrajudicial, por exemplo.

A questão a ser refletida é se há a possibilidade de um acordo extrajudicial após sentença homologatória nas relações do direito de família.

De acordo com o CPC, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execuçãoii. No entanto, nos casos de acordo extrajudicial, o encerramento de um processo em curso é realizado por meio de uma sentença homologatória da transação com resolução do méritoiii.

Nas ações de família, em especial nas de alimentos, as relações jurídicas são continuativas. Como explica Câmara, “São [...] de natureza obrigacional que se protraem no tempo de um modo tal que o pagamento das prestações não é capaz de extinguir a relação obrigacional. Uma vez efetuado o pagamento, nova prestação surge para ser paga, e assim sucessivamente”iv.

Assim, em ações de alimentos com acordo entre as partes e posteriormente homologado pelo juiz, em que pese tratar-se de sentença de mérito e, portanto, sujeita à coisa julgada, é possível readequar a qualquer tempo, as prestações alimentaresv.

Diante disso, as partes em comum acordo e desde que não haja dano para nenhuma delas, podem buscar nova autocomposição para ajustar os valores das prestações alimentícias, por exemplo.

O STJ confirma o incentivo à autocomposição, pois já reconheceu acordo extrajudicial que foi homologado pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), embora houvesse ação de alimentos decidida em sentença homologatória de acordovi.

Nesse caso, o STJ, no REsp 1531131/AC, entendeu que não há nulidade do ato conciliatório posterior à sentença homologatória proferida pelo juiz do processo de família e estimulou outras formas de acesso à justiça. 

É certo que o procedimento não deve seguir o formalismo exacerbado, assim, atos que não seguiram o que estava previsto em lei, mas alcançaram a finalidade, sem causar prejuízo a ninguém, não têm o condão de gerar nulidade.

Cássio Scarpinella Bueno entende que tanto a doutrina como a jurisprudência “são assentes no sentido de que a forma não pode querer se sobrepor ao conteúdo do ato processual quando, ainda que de outra forma, sua finalidade foi atingida”vii..

Destaque-se que a superação do formalismo processual está presente no STJ desde o CPC/73, pois a referida Corte tem entendimento sedimentado de que a nulidade do ato ocorre desde que haja prejuízo para as partes, como demonstrado no Recurso Especial em comentoviii.

No referido REsp 1531131/AC, restou clara a ausência de nulidade da conciliação realizada pelo CEJUSC mesmo que houvesse sentença proferida na ação de alimentos homologada pelo juiz da vara de família.

Importante esclarecer que o CEJUSC é a unidade responsável pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão”ix.

Assim, em cada CEJUSC haverá um juiz-coordenador com competência para homologar os acordos entabulados pelas partes e conduzidos pelo conciliador ou mediadorx. Portanto, caso as partes busquem o Centro Judiciário de Solução de Conflitos, mesmo que haja processos tramitando ou já finalizados em vara de família, não haverá violação à prevenção do juízo de família.

Nesse sentido, o STJ no REsp 1531131/AC entendeu que (...) “O papel desempenhado pelo juiz-coordenador do CEJUSC tão-somente favoreceu a materialização do direito dos pais de decidirem, em comum acordo, sobre a guarda de seus filhos e a necessidade ou não do pagamento de pensão, razão pela qual, passados mais de três anos da homologação da convenção extrajudicial entre os genitores no âmbito do CEJUSC, sem a notícia nos autos de qualquer problema dela decorrente, revela-se inapropriada a cogitação de nulidade do ato conciliatório em face de eventual reconhecimento de desrespeito à prevenção pelo juízo de família”.

Dessa maneira, não há nulidade quando as partes buscam acordo extrajudicial mesmo que já tenha uma sentença, visto que os envolvidos, de forma espontânea e em comum acordo, alcançaram a finalidade pretendida, sem sofrerem qualquer prejuízo.

Outra passagem importante do julgado é sobre o acesso à justiça, o qual deve ser compreendido de forma ampla, isto é, não se restringir o acesso à solução de conflitos somente pela via do Judiciário. Em seus estudos, Cappelletti e Garth já observavam que o Judiciário nem sempre é a melhor opção para resolver conflitosxi.

Nesse sentido, surge o chamado Fórum Multiportas que é uma política pública que surgiu nos EUA como instrumento de tratamento de conflitos fora do âmbito do Judiciário. Esse modelo de Fórum foi proposto pelo Emérito Professor Frank Sander da Universidade de Havard, que abordou o tema pela primeira vez na Pound Conferencexii.

Segundo Frank Sander, o conceito de Fórum Multiportas parte da ideia inicial de examinar as diferentes formas de resolução de conflitos, quais sejam: a mediação, a conciliação, a arbitragem e a negociaçãoxiii.

No Brasil, o modelo do sistema multiportas previsto na justiça norte americana foi fonte de inspiração para a Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça, que impulsionou a autocomposição.

Dessa maneira, fica à disposição da sociedade civil a escolha de um dos métodos consensuais de solução de conflitos como, por exemplo, a conciliação e a mediação, como formas adequadas de resolver conflitos de interesses.

Observa-se que o STJ, ao admitir o acordo extrajudicial após sentença homologatória, destacou que a sentença judicial não pode ser a única forma de resolver conflitos de interesses e alertou para a necessidade de verificar a política pública do judiciário prevista na Resolução 125/10 do CNJ: “É inadiável a mudança de mentalidade por parte da nossa sociedade, quanto à busca da sentença judicial, como única forma de se resolver controvérsias, uma vez que a Resolução CNJ 125/10 deflagrou uma política pública nacional a ser seguida por todos os juízes e tribunais da federação, confirmada pelo atual Código de Processo Civil, consistente na promoção e efetivação dos meios mais adequados de resolução de litígios, dentre eles a conciliação, por representar a solução mais adequada aos conflitos de interesses, em razão da participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça sobejamente os seus anseios”.

Ademais, o REsp 1531131/AC demonstra que, mesmo antes de o CPC de 2015 entrar em vigor, o STJ já incentivava a utilização de métodos consensuais de solução de conflitos, com base na Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um dos marcos regulatórios da autocomposição. O STJ reconheceu o protagonismo das partes na busca de solução para os próprios conflitos de interesses.

Portanto, a nova era do processo civil permite e estimula, sempre que possível, os procedimentos da conciliação e da mediação, uma vez que a utilização desses instrumentos traz celeridade e economia processual, além do sentido de pacificação entre as partes.

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i Capítulo X, Art. 693 e seguintes do CPC/15. Disponível aqui. Acesso em: 28 de nov. 2021.

ii CPC.  Art. 203, § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Disponível aqui. Acesso em: 30 de nov. 21.

iii CPC. Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: III – homologar b) a transação [...].

iv CAMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 333.

v Maria Berenice Dias explica que nas ações de alimentos cabem qualquer tempo revisão de alimentos desde que observe o princípio da proporcionalidade (...) “Assim, ainda que ocorra coisa julgada em sede de alimentos, prevalece o princípio da proporcionalidade. Estipulado o valor do encargo alimentar, quer por acordo, quer por decisão judicial, possível é a revisão do valor quando houver o desatendimento do parâmetro possibilidade-necessidade. Mesmo que não tenha ocorrido alteração, quer das possibilidades do alimentante, quer das necessidades do alimentado, possível a adequação a qualquer tempo.” (Coisa julgada no processo de família. Disponível em: http://www.berenicedias.com.br/manager/ arq/(cod2_569)13__coisa_julgada_ no_processo_de_familia.pdf. Acesso em: 30 nov 2021).

vi REsp 1531131/AC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 15/12/2017.

vii BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

viii “O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, à luz do princípio constitucional da prestação jurisdicional justa e tempestiva (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/1988), que, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas (art. 244 do CPC/1973), somente se reconhece eventual nulidade de atos processuais caso haja a demonstração efetiva de prejuízo pelas partes envolvidas”.

ix Resolução 125/2010 - Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão.

x Resolução 125/2010 - Art. 9º Os Centros contarão com um juiz coordenador e, se necessário, com um adjunto, aos quais caberá:

I – administrar o Centro;

II – homologar os acordos entabulados;

III – supervisionar o serviço de conciliadores e mediadores.

xi “[...] certas áreas ou espécies de litígios, a solução normal – o tradicional processo litigioso em juízo – pode não ser o melhor caminho para entender a vindicação efetiva dos direitos”. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 83.

xii Em 1976, lançou o documento de sua autoria denominado Varieties of dispute processing (Variedades do processamento de conflitos), na Pound Conference. Nele o professor Sander lançou o conceito do Tribunal Multiportas — modelo multifacetado de resolução de conflitos em uso atualmente em vários setores dos Estados Unidos e outros países. CRESPO, Mariana Hernandez.Diálogo entre os professores Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução do Tribunal Multiportas. In Tribunal Multiportas: Investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. (orgs) ALMEIDA, Rafael Alves de, ALMEIDA,Tânia e CRESPO, Mariana Hernandez. Rio de Janeiro: FGV, p. 27.

xiii Idem, p. 32.

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Colunistas

Cristiane Rodrigues Iwakura é doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Pós-graduada em Direito Público pela UnB e em Regulação de Mercado de Capitais pelo Ibmec. Professora e pesquisadora na área de Direito Processual, Regulação, Legal Design, Inovação em Gestão e Direito Digital.

Fernanda Gomes e Souza Borges é doutora e mestre em Direito Processual pela PUC/MG. Docente de Direito Processual Civil da UFLA. Líder do GEPPROC/UFLA (Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional). Membro do IBDP. Membro da ABDPro. Membro da ABDPC.

Flávia Pereira Hill é doutora e mestre em Direito Processual da UERJ. Professora associada de Direito Processual Civil da UERJ. Pesquisadora visitante da Universidade de Turim, Itália. Delegatária de cartório extrajudicial.

Flávia Pereira Ribeiro é pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Doutora e mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP. Membro do IBDP, do CEAPRO e do IASP. Diretora Jurídica da ELENA S/A. Sócia do escritório Flávia Ribeiro Advocacia.

Renata Cortez é doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito pela UNICAP. Coordenadora da Pós-graduação em Advocacia Extrajudicial (IAJUF/UNIRIOS). Membro do IBDP e da ANNEP. Registradora Civil e Tabeliã em Pernambuco.