A questão da população em situação de rua é um recorrente problema das megalópoles e das maiores metrópoles brasileiras. Até a década de 2000 o perfil do morador de rua era de homens, maiores de 40 anos e geralmente com problemas de alcoolismo. Hoje, são famílias inteiras, crianças, pessoas de diversas origens que se encontram acampados em barracas ou dormindo em meros papelões a sobreviverem de doações.
Ao contrário do que o senso comum acredita, as pessoas nessas condições encontram-se na sua maioria não apenas por motivos econômicos, mas a tristeza por alguma decepção da vida ou rompimento de vínculo familiar é que justificam o ser humano se maltratar em tamanho desprezo por sua própria dignidade. Tal estágio de lamento é em grande parte ampliado numa tentativa de supressão do sofrimento na entorpecência, das mais variadas ordens, desde as drogas mais brandas até as sintéticas mais agressivas como a preocupante K9.
Dados da SMADS1 de 2021 indicam que 16,6% (dezesseis vírgula seis por cento) dessas pessoas são mulheres. O número da época do censo é de mais de 30 (trinta) mil pessoas, mas a mídia divulga fartamente que esse número quase dobrou, levando-se em consideração o pós pandemia como forte agravante. As características dessa população transformou-se, está mais jovem. Quase 50% (cinquenta por cento) têm entre 31 e 49 anos, havendo também crianças e adolescentes sob os efeitos das drogas ilícitas.
Por via do processo estrutural, o Ministro Alexandre de Moraes2 exigiu que em 120 dias (a contar de julho de 2023) os municípios de todo país apresentem soluções para a questão da população em situação de rua. Com foco no mapeamento de quem são e quais são suas necessidades, e para os estados, a obrigação imposta foi de prover segurança, apoio para os pets e a proibição do recolhimento forçado de pertences e o transporte compulsório.
Numa tentativa de esforço mútuo entre terceiro setor e poder público, a recuperação das pessoas em situação de rua, diga-se, recobrar a dignidade, é um processo longo, iniciado pela disponibilidade de toda sua rotina para submeter-se a tratamento de saúde que promova a desintoxicação. Para alcançar o feito, a cada 40 pessoas que conseguem passar pelo tratamento e superar as adversidades sem retornar às ruas, nenhuma é mulher3.
Este fator se dá pelo valor nas relações, o dever de cuidado daqueles que estão à sua volta ou delas dependem sacrifica qualquer chance de tratamento, ou seja, a mulher prefere não aderir a oportunidade de se livrar das condições deprimentes em que vive para seguir acompanhando o esposo, namorado, filhos ou pets.
O dado alarmante supramencionado faz das mulheres vítimas sujeitas à mais crueldade nessa conjuntura, uma vez que para angariar recursos também são aviltadas por prostituição e outros estigmas de gênero.
Há um olhar todo especial que deve ser provido em favor de todas as pessoas, sejam quais forem suas características, mas para as mulheres, o trabalho de resgate do público feminino tem um agravante superior. Num Estado Democrático de Direito que visa aplicar o artigo 5º, I da Carta Magna, as mulheres em situação de rua demandam mais atenção e opções eficazes, de forma a tratar os desiguais na medida de suas desigualdades em face da nobreza que justifica tamanho sacrifício pessoal.
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1 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. Disponível em https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/observatorio_socioassistencial/pesquisas/index.php?p=18626
2 Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/07/25/alexandre-de-moraes-da-120-dias-para-o-governo-apresentar-plano-para-populacao-em-situacao-de-rua.ghtml
3 Dados obtidos com a ABCPovo. https://abcpovo.org.br/