Direitos Humanos em pauta

"Termos em que, requerem felicidade": Reflexões sobre o Direito Humano e Fundamental à Felicidade no Brasil

Felicidade possui inúmeros conceitos – neste momento o leitor é aconselhado a parar por alguns minutos e anotar o que entende por felicidade...

12/9/2023

Perceber a felicidade na atuação profissional: um convite

Na defesa dos Direitos, costumeiramente cada advogado utiliza como desfecho de petições “termos em que, requer deferimento”. Trata-se, como é de conhecimento amplo, de clássica combinação de palavras que pretende dar ênfase em tudo que foi exposto e assinalar que, como consequência, alguma providência jurisdicional é esperada. E o que mais está atrás de tudo isso?

Em um primeiro momento talvez seja o caso de pensar em “justiça”, afinal faz muito sentido que o resultado útil de um processo seja exatamente este. Agora, que tal refletir também no quanto a pacificação e mesmo a prevenção de um litígio promovem felicidade? A atuação de todo profissional do Direito também não deve se preocupar com isso?

Felicidade possui inúmeros conceitos – neste momento o leitor é aconselhado a parar por alguns minutos e anotar o que entende por felicidade... anotou? –, sendo que sempre foi objeto de estudo em vários campos do saber. Não há uma única definição de felicidade, porém, do mesmo modo que acontece com a justiça, as pessoas sabem quando algo prejudica ou é o exatamente o contrário de felicidade.

Fato é que toda vez que um advogado atende um cliente e ao final do diálogo ou de sua atuação percebe que pôde resolver algo, certamente vai sentir o reflexo disto em si e no cliente. Estas duas perspectivas são percepções de felicidade traduzidas em satisfação e gratidão, por exemplo. Entender o quanto a prevenção e solução de um litígio são também fontes de felicidade pode ser um grande aliado na atuação de qualquer profissional do direito.

Some-se que a atuação adequada do advogado aumenta as chances de bom relacionamento com os clientes e, aliás, bons relacionamentos são fontes cientificamente validadas de felicidade. No mesmo sentido, a atuação de todo profissional do Direito é força motriz de melhores relacionamentos entre os envolvidos em determinada situação jurídica e de toda sociedade. Deste modo, é recomendável que cada operador do Direito possa refletir facetas de felicidade que suas respectivas atividades oportunizam.

Portanto, há uma correlação intensa entre os Direitos defendidos e a felicidade: seja por meio da percepção dos resultados obtidos, seja pela melhora dos relacionamentos, seja pela colaboração do Direito à paz e seja ainda pela própria percepção da felicidade como um Direito.

Porém, é a felicidade um Direito?

Tecnicamente o vocábulo “felicidade” não está expresso na Constituição Federal de 1988; também não estão “feliz” ou “alegria”. O mais próximo disso seria “bem-estar”, só que não necessariamente são sinônimos. Assunto resolvido: em sede de compreensão legislativa e observado o rol de Direitos Fundamentais, a felicidade não é Direito.

Ocorre que para os que entenderem felicidade e bem-estar como equivalentes, será dever constitucional a atuação pelo bem-estar do povo brasileiro e, portanto, da própria felicidade. Para os que entenderem como conceitos diferentes, fica a orientação: também será dever agir pela felicidade de todos, como um desdobramento de compreensão internacional e mesmo a luz de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal.

Sobre o STF, a cúpula do Poder Judiciário já se manifestou acerca do “direito à busca da felicidade”. Este foi firmado, em alguns casos, como desdobramento da própria dignidade da pessoa humana e como um princípio. Vale uma pesquisa nas jurisprudências do STF sobre o tema das quais sobressai a necessidade da compreensão de que em qualquer atuação, os profissionais do Direito possam constatar o real impacto em assegurar dignidade e felicidade das pessoas, afinal, ambos são Direitos.

Há, portanto, fundamentos internos para fortalecer a argumentação em cada discurso jurídico sobre o tema. Além disso, o Brasil tem recepcionado normativas internacionais de Direitos Humanos e a Organização das Nações Unidas, assim como diversos países no mundo, vem considerando a felicidade como um Direito.

Mais recentemente por meio da Resolução 65, de 2011, a ONU afirmou que a felicidade traduz a essência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Estes são um conjunto de metas a serem atingidas até 2030 e que representam uma forma global de percepção de como os Direitos Humanos devem ser efetivados.

A ONU expressa real interesse em pesquisas, indicadores e presença da felicidade nas agendas públicas e privadas e o Brasil assumiu o compromisso de implementá-los; os indicadores estão em construção, com forte atuação do IBGE, onde é possível acompanhar conquistas e entraves de cada ODS no país.

Será o contexto brasileiro favorável para tratar de felicidade?

O país é marcado por tantas violações de Direitos Humanos e Fundamentais que pode soar estranho “cuidar também de felicidade”. Fome, miséria e desigualdade, problemas sérios no acesso à saúde e educação de qualidade, desigualdade de gênero, discriminações, racismo estrutural, déficit de trabalho decente, entre outros dilemas brasileiros estão em evidência...

Só que indispensável reforçar: a) felicidade traduz o anseio, o que sempre se espera como resposta do Direito; b) a felicidade é um Direito por si só, um Direito Humano em construção e que certamente vai conquistar cada vez mais e melhores contornos no Brasil e no mundo e precisamos atuar coletivamente por isso – que contorno você leitor dá para esse Direito?; e c) até justamente por ser necessário compreender que enquanto humanidade, a busca pelo desenvolvimento humano dialoga incessantemente com a promoção da dignidade e também felicidade das pessoas. E isso não é algo apenas para um futuro distante...

Aliás, prefere-se e defende-se em trabalho próprio – vide referências -, que seja tratado o Direito à Felicidade não como “direito à busca da felicidade”. O verbo “buscar” torna a felicidade como algo futuro e certamente mais difícil de se alcançar. Além disso, não é o usual, eis que não se diz “direito à busca da saúde”, “direito à busca da moradia” e, assim, sucessivamente... Devemos (e tomo a liberdade de me incluir agora com o uso do verbo desta forma) agir pelo Direito à Felicidade!

Esse agir é “glocal”. O reconhecimento de ações locais de impacto global trará a tranquilidade de se reconhecer que: a) a felicidade possui aspectos individuais e, neste caso, no dia a dia, pode-se viver felicidade nos relacionamentos mais próximos e no cotidiano, sempre pensando também em como colaborar à felicidade dos outros e efetivamente agindo; e b) a felicidade possui aspectos coletivos e, neste caso, no dia a dia, todos devem realmente engajar na promoção dos Direitos Humanos e Fundamentais, na compreensão e monitoramento dos indicadores da Agenda 2030, nas boas práticas...

Há dados oficiais postos, bastante material de apoio e verdadeira necessidade de agir consistente e persistente em prol da efetividade dos Direitos Humanos e Fundamentais! O contexto é favorável por assim escolhermos perceber a realidade que não deixa de ser desafiadora e mesmo árdua, porém, é justamente na escolha pela atuação reconhecendo conquistas e engajada na transformação e aprimoramento contínuo da realidade que se dará real sentido e propósito de vida.

Em linhas de primeiros passos e direcionamentos... algumas conclusões

 Há fundamento jurisprudencial e documentos internacionais que permitem tratar de felicidade como Direito. Há ainda o despertar, que se espera tenha gerado, em perceber que é um tema de interesse coletivo, inclusive do leitor, para si e para todos! Em outras palavras, a felicidade é um Direito Humano – seu Direito, inclusive! É de extrema importância que cada pessoa saiba mais cada um desses temas – Direitos Humanos e Fundamentais, ODSs, Dignidade e Felicidade –, e que realmente perceba ser alguém que ao agir também está promovendo felicidade!

É necessário simplificar... felicidade é um tema bastante pulverizado, muitas vezes confundido com “ter” bens... ou só expressar sorriso no rosto. Cuidado: felicidade é uma construção diária, um exercício, é acesso aos direitos mais básicos, é acolher estilos de vida diferentes e que se estimula e precisam que sejam sustentáveis, é, ao final, como apontado, um Direito, forte aliado da dignidade e, como apontado: os profissionais do Direito podem colaborar muito para isso.

Vamos fortalecer a cultura jurídica da felicidade em todos os espaços?

Sugestões de Leitura 

DIAS, Maria Berenice. Direito Fundamental à Felicidade. In Revista Interdisciplinar de Direito, [S.l.], v. 8, n. 01, dez. 2011. ISSN 2447-4290.  Disponível aqui. Acesso em mar. 2021.

FREITAS, Aline da Silva. Endo-Direito Humano à Felicidade: por quais motivos e como agir para efetivar? São Paulo: Dialética, 2023.

GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. FDRP/USP. Revista Digital de Direito Administrativo. Disponível aqui. DOI:. Acesso em mar. 2021.

LEAL, Saul Tourinho. Direito à Felicidade. São Paulo: Almedina, 2017.

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Colunista

Silvia Souza é advogada, conselheira Federal da OAB/SP e presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFOAB. Pós-graduada em Direitos Humanos, Diversidades e violência pela Universidade Federal do ABC. Mestranda em Direito pela UnB.