Direitos Humanos em pauta

As violações de direitos humanos do povo Uigur na China: Denúncias de campos de concentração e trabalhos forçados contra uma minoria étnica

Roberto Serra, Silvia Souza e Núbia Elizabette de Paula

Em resumo, as graves violações dos direitos dos uigures e a forte repressão a qual são sistematicamente sujeitados, são justificadas pelo governo chinês como uma forma de combater o terrorismo e para coibir ligação dos uigures com o grupo terrorista Al-Qaeda.

30/5/2023

Que a China é uma mega potência econômica mundial em franca expansão todo mundo sabe, afinal, segundo a Austin Rating, desde 2010 a China se firmou como a 2 maior economia do mundo1, chegando a crescer num média anual de 8,7% no PIB (produto interno bruto) e a escala de crescimento vertical prevê ainda, um crescimento de 5,3% para o ano de 2023.

No entanto, o que pouco se comenta é sobre as graves violações de direitos humanos nesse país que é potência que está se tornando ponta de lança da economia mundial, mas em contrapartida, segundo inúmeras entidades denunciantes, ainda utilizam métodos de dominação e perseguição arcaicos e desumanos, como campos de concentração, contra grupos populacionais que não se enquadram em suas normas, como é o caso dos Uigures da região de Xinjiang, no noroeste da China e também, de ativistas pró-democracia em Hong Kong.

Na última semana, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB2, recebeu na sede do CFOAB, os ativistas Dolkun Isa, presidente do Congresso Uirgur Mundial, Zumretay Arkin, que dirige o comitê de mulheres do Congresso Uigur Mundial, Omer Kanat, diretor do Projeto de Direitos Humanos Uigur e Alex Chow, ativista pro-democracia de Hong Kong, que apresentaram seus relatos e compartilharam informações e impressões sobre a situação aterradora dos Direitos Humanos na China, em específico, nessas duas regiões.

Antes de adentrarmos no campo das violações se faz necessário explicar ao(a) leitor(a), afinal, quem são os uigures?

Os uigures são um povo asiático que habitam região de Xinjiang no noroeste da China, oficialmente, Região Autônoma Uigur de Xinjiang. Essa população está nesse local há séculos e são, aproximadamente, doze milhões de pessoas e são de maioria mulçumana. Além disso, os uigures têm modo de vida étnico, religioso e cultural e dialeto próprios.

Contudo, segundo estudiosos, a região é considerada extremamente estratégica para a China, desde os primórdios do comércio mundial com a Rota da Seda até a atualidade, com presença de petróleo, gás natural, produção de micondutores, agricultura e a indústria têxtil, que produz a cerca de um quinto do algodão mundial3.

Embora pouco comentada, as violações dos direitos dos uigures foi alvo da atuação da Alta Comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que em 2018, solicitou acesso irrestrito a todas as regiões da China, após "relatos extremamente perturbadores de detenções em larga escala de uigures e membros de outras comunidades muçulmanas, na Xinjiang em campos de concentração e, em agosto de 2021, Bachelet finalmente publica seu relatório.

Em resumo, as graves violações dos direitos dos uigures e a forte repressão a qual são sistematicamente sujeitados, são justificadas pelo governo chinês como uma forma de combater o terrorismo e para coibir ligação dos uigures com o grupo terrorista Al-Qaeda.

De acordo com o governo chinês, os uigures teriam sido doutrinados por extremistas do Estado Islâmico e com intuito de provocar revoltas do iugures a fim de obter a independência da região. Além disso, o governo chinês também tenta inibir as práticas religiosas muçulmanas, diálogos no dialeto próprio e aplica punições para quem as segue.

Chama a atenção o fato de que essas séries de violações graves ainda persistem, e nos últimos anos a China tem sido acusada de crimes contra a humanidade pelos atos cometidos contra a população uigur.

 O relatório “OHCHR Assessment of human rights concerns in the Xinjiang Uyghur Autonomous Region, People’s Republic of China”, publicado por Bachelet apenas 03 minutos antes de encerrar seu mandato no Alto Comissariado, trouxe à luz os crimes cometidos pela China contra povos muçulmanos do Noroeste, ressaltando os locais de detenção forçada, os campos de reeducação (chamados de Centros de Educação e Formação Profissional, Vetcs), registra-se que, segundo os ativistas uigures, tratam-se de campos de concentração, além de cerceamentos em relação aos direitos reprodutivos e direitos trabalhistas.

O relatório aponta “"Graves violações dos direitos humanos" foram cometidas na região uigur. A ONU observa "padrões de restrições graves e indevidas em uma ampla gama de direitos humanos" que são "caracterizados por um componente discriminatório", uma vez que muitas vezes "afetam direta ou indiretamente os uigures e outras comunidades predominantemente muçulmana”4.

Chama a atenção no relatório a expressiva diminuição da população uigur, enquanto em 1953, 75% se identificavam como uigures; em 2021 esse número caiu para apenas 45%, o relatório atribui essa diminuição drástica da população as políticas de promoção da imigração do leste da China

O relatório também é contundente ao constatar um possível crime contra a humanidade, frisa-se que as conclusões baseou-se em documentos enviados, leis e práticas do governo chinês e entrevistas com cerca de 40 pessoas - 24 mulheres e 16 homens; mais da metade dos entrevistados eram uigures e os demais, de outras etnias muçulmanas do noroeste da China - que estão ligados à região de Xinjiang. A elaboração do documento segue a metodologia padrão da ONU para veracidade das informações.

Um dos pontos nefrálgicos da situação dos uigures e que causa comoção e repulsa a todos nós, é o fato do governo chinês manter iugures detidos forçadamente e sem justificativa legal em campos de concentração, travestidos de campo educacional. O relatório da ONU aponta as principais violações dos direitos das pessoas detidas nesses locais:

1) Ausência de base legal, fundamentação legal ou garantias processuais para internamento no "CFPE"; 2) Tortura e maus-tratos, incluindo espancamentos, uso de algemas e "silla delgre" durante interrogatórios e uso de bastões elétricos; 3) Desnutrição forçada causando severa perda de peso e outros efeitos na saúde; 4) Privação do sono, vigilância e falta de privacidade; 5) Tratamento médico forçado/sem consentimento; 6) Violência sexual e de gênero; Além dos trabalhos forçados nos campos de concentração, onde estima-se que o governo chinês mantenha cerca de 1 milhão de iugures nessa situação

Os tratamentos acima relatados assemelham-se aos infligidos aos judeus nos campos de concentração alemães e que, anos depois, levou alguns dos responsáveis pelas atrocidades do nazismo ao Tribunal Militar Internacional, no julgamento de Nuremberg, e que mais tarde deu base para a criação do Tribunal Penal Internacional.

Contudo, as ações que se podem tomar no campo internacional dos Direitos Humanos são bastantes limitadas, a China não ratificou o Estatuto de Roma e, portanto, não está sujeita a jurisdição do Tribunal Penal Internacional que julga crimes contra humanidade e crimes de genocídio. Ademais, a China é um dos 5 membros permanente do Conselho de Segurança da ONU.

O relatório do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU foi fundamental para iniciar os debates internacionais e por meio de sua divulgação pressionar a China no campo internacional, afinal, não é razoável que uma potência econômica e comercial como é a China mantenha métodos de controle sociais, inclusive quanto a possível eliminação de um povo, calcado naquilo que a humanidade já repudiou desde o fim da segunda guerra mundial e que trouxe consequências nefastas e irreparáveis para todo o mundo.

Nesse sentido, o Conselho de Direitos Humanos da ONU tem papel fundamental para, a partir do relatório aprovar resolução que trata sobre o acompanhamento da situação do Uigures na China, esperamos que o Brasil, que deverá retornar a composição do Conselho, apoie essa medida.

__________

1 Disponível aqui. Acessado em 28.05.2023

2 Participaram desse encontro representando a CNDH, Silvia Souza (presidenta), Roberto Serra (Vice-presidente) e Núbia de Paula (membra da CNDH).

3 Disponível em: BBC. Apple e Nike são acusadas de usar 'trabalho forçado' de minoria muçulmana na China. BBC, [S. l.], p. 1-1, 24 jul. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 28.05.2023

4 Disponível aqui. Acessado em 28.05.2023.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Silvia Souza é advogada, conselheira Federal da OAB/SP e presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFOAB. Pós-graduada em Direitos Humanos, Diversidades e violência pela Universidade Federal do ABC. Mestranda em Direito pela UnB.