O autismo e o feminismo podem criar uma relação inusitada, mas importantíssima para o avanço dos direitos humanos. Mas o que os movimentos autistas e feministas teriam em comum?
Além da união entre minorias, que é própria do paradigma da interseccionalidade, o feminismo e o autismo precisam apenas de um "empurrãozinho" para entrarem em simbiose. Ouso dizer, inclusive, que o autismo e o feminismo têm o potencial de produzir a mais incrível relação de interseccionalidade do século XXI.
Você sabe que a interseccionalidade é essa interação entre características distintas das minorias políticas, com o objetivo de criar pautas mais justas de direitos fundamentais, ao mesmo tempo que junta os movimentos em uma união de forças. A ideia é que o conjunto dos movimentos identitários, unidos, produzem uma política de alteridade poderosa.
Mas como o feminismo poderia ajudar o autismo e vice-versa? Em um primeiro momento, é o movimento feminista, que tem a bibliografia e a história para ajudar o movimento autista a evoluir.
Hoje, estamos diante de uma primeira geração do movimento autista, que ainda luta para se libertar das amarras do determinismo biológico. A normalização médica, com os seus mitos e terminologias ultrapassadas, ainda põe obstáculos aos autistas para reconhecerem as suas condições de opressão. Será que isso não soa similar com o que as mulheres sofreram no passado?
As relações de opressão que subjugam os autistas derivam da neurotipicidade, que engloba um sistema de instituições montadas para privilegiar mentes neurotípicas, em detrimento das mentes autistas (neurodiversas).
Eu sei que isso é algo novo, mas, por mais incrível que pareça, existem dois padrões mentais distintos no mundo. Essa diferença é profunda o suficiente para acarretar vivências alternativas no mundo. Escrevendo de modo didático e brincando, é como se os autistas fossem os extraterrestres e tivessem que se adaptar a instituições, que não estão otimizadas para as suas mentes e ordem de prioridades.
Essa neurotipicidade (ou capitalismo neurotípico) tenta a todo momento colocar os autistas no lugar, circunscrevendo o que eles podem ou não fazer, com base em um determinismo biológico mítico. Esse sistema de opressão causa nos autistas comorbidades, reduzem a qualidade de vida deles, faz eles sofrerem.
Agora, você já deve ter se lembrado do patriarcado (ou capitalismo patriarcal) e como as suas explicações biológicas tentaram pôr as mulheres no lugar. Foi o feminismo que desenvolveu teorias de construtivismo social, para domar o determinismo biológico, dando às mulheres mais liberdade para escolherem as suas trajetórias de vida.
O movimento autista deve seguir esse caminho. É subindo nas costas do feminismo, que o autismo conseguirá reconhecer as suas condições de opressão, desenvolvendo o orgulho autista e reivindicando a superinteligência como uma questão de deficiência.
Parafraseando Greta Thunberg, sem as condições ideais, o autismo não se transforma em um presente. Mas com as condições ideais, autismo é força à Leonardo da Vinci. É a partir da percepção da mente autista como poder, que os autistas terão a possibilidade de desenvolver o orgulho autista.
Se as lideranças autistas prestarem mais atenção ao feminismo (e vice-versa), uma união poderosíssima, com pautas de minorias convergentes, poderá surgir, mudando o curso da história para melhor.