A partir da prisão do deputado Daniel Silveira, o Supremo ressuscitou a lei de segurança nacional e terá que lidar com as consequências de despertar esse "fóssil normativo" da ditadura (feliz expressão do ministro Ricardo Lewandowski).
Como "pau que bate em Chico, bate em Francisco", o bolsonarismo passou a utilizar a lei para dar trabalho aos opositores do presidente Jair Bolsonaro, colocando a liberdade de expressão em xeque. E isso é só o começo, pois a LSN possui dispositivos capazes de inviabilizar a democracia das manifestações públicas.
O PSDB, o PTB, o PSB e a DPU acionaram o Supremo para que reconheça a não-recepção da LSN, diante da sua natureza antidemocrática, com tipos penais vagos contrários à República, que criminalizam o livre exercício das manifestações e ferem de morte a liberdade de expressão.
Sabemos disso tudo. Devemos, todavia, refletir sobre os motivos que levaram o Supremo a ressuscitar a LSN e por unanimidade, já que a decisão do Alexandre de Moraes foi confirmada por todos os demais ministros.
O STF passará pelo constrangimento de ter que declarar a não-recepção de uma lei que ele aplicou em fevereiro. Diante de tanto casuísmo, fica dificílimo explicar a racionalidade deste direito às brasileiras e brasileiros.
Lembro o Marco Aurélio dizendo que as instituições estão fracas. Assertiva que nos deixa com medo, ainda mais com o descontrole da pandemia nos escombros deste desgoverno da saúde.
Por mais difícil que seja lidar com o autoritarismo e a petulância de Daniel Silveira, talvez tivesse sido melhor se não tivéssemos ressuscitado a LSN. O problema não será o reconhecimento da sua inconstitucionalidade, mas sim o casuísmo, que deixa o indício de desmoronamento da nossa democracia.
O STF se defendeu com as armas que sobraram. Não é que ele esteja errado, mas revelou os perigos que passa a Constituição de 1988. Ela está em risco.
O Supremo mantém a sua autoridade pela altivez das suas narrativas. A força do direito está na potência dos seus discursos e na coercitividade que vem em seguida.
Quando existem contradições nas decisões constitucionais, tão aparentes que podem ser identificadas por qualquer um, o Supremo perde o poder da narrativa e tudo o que sobra é a força bruta, que nos obriga a cumprir as decisões dele.
Mas repare que essa força bruta não é mais Supremo. Ela é polícia e exército. Ela é tudo o que a Lei de Segurança Nacional representa.
O direito só se mantém vivo e democrático, se for capaz de convencer o povo da legitimidade das suas narrativas. Se ele começa a perder força diante das contradições, o Supremo pode tomar um xeque-mate. É tudo o que não queremos.