"Você promote às garotas jovens o céu, elas te seguem até o inferno".
(Um cafetão do Arizona)
Na semana passada, conversamos sobre como é importante estudar a Constituição de modo simples, para que as nossas crianças possam compreendê-la. Só que crianças só conseguem aprender, quando estão protegidas.
Hoje refletiremos sobre como proteger as meninas pobres brasileiras, em um ambiente de crise econômica e desespero moral. Precisamos quebrar todas as regras, porque não é possível enfrentar esse tipo de crueldade com os referencias de classe média que temos.
Quando estudei em Berkeley, teve um dia em que saí com amigos pesquisadores para tomar um chopp em um bar em Oakland. Isso foi um pouco antes da pandemia começar. No meio da discussão, um perguntou:
- Você estuda tráfico de mulheres. Como é pesquisar sobre isso? Não tem investimento, apoio, reconhecimento…
- Pois é. Ninguém liga para essas meninas e você luta contra todos. Os interesses mais poderosos e perigosos do mundo estão a favor do tráfico de mulheres.
E é verdade. O tráfico de mulheres sustenta as festas populares, os resorts turísticos, serve de alívio para um dia cansativo de trabalho dos homens brasileiros e, é claro, tem relações profundas com o tráfico de drogas e de armas. Explorar mulheres é o crime mais lucrativo do mundo.
Pensar em igualdade de gênero para as meninas pobres é uma questão emergencial de dignidade humana. Não é a rodinha cool do feminismo branco das universidades. Pensar em igualdade de gênero para as filhas da favela é ousar reestruturar o Brasil inteiro.
- Você é safada?
- Tem que ser.
A garota da favela tem como destino tirar a roupa cedo, sexualizar-se precocemente, em um processo semelhante ao que se chama hoje "empoderamento feminino". Isso sempre existiu na favela. Tirar a roupa desde pré-adolescente e fazer "um corre", para tirar um trocado para ir ao baile funk, comprar algo pra comer ou até mesmo tingir o cabelo.
Se a gente quiser proteger essas meninas, teremos que quebrar todas as regras da cultura pop. Elas já conhecem a realidade de tirar a roupa, mas não a de colocar as roupas de médicas, advogadas, professoras e empresárias.
Você já ouviu falar em estrangeiro que vem para o Brasil e se encanta com as mulheres brasileiras? Não se iluda. Ele está falando de turismo sexual, em como ele vem para o nosso país para ter um prazer barato e fácil, que ele não encontra no país dele, onde as mulheres são mais valorizadas.
Em regra, prostituição é desestruturação financeira, familiar e emocional. Um cafetão identificado como Ken explicou uma das técnicas do lenocínio: fazer a garota perder as referências. Ele comparou as meninas com árvores sem raízes: não importa o quão sejam poderosas, serão fáceis de serem movidas de lá pra cá.
Elas seriam da mesma maneira: fáceis de ajustar e controlar sem laços sólidos como uma casa, uma família, as coisas que gostam: "Se você conseguir manter a mulher desequilibrada, ela não poderá desequilibrá-lo, pois estará muito ocupada tentando recuperar a estabilidade".
Sem referências, o destino da juventude pobre feminina brasileira já é este: servir sexualmente estrangeiros e a classe média brasileira por preços cada vez mais baratos. Este é o empoderamento feminino que desenhamos.
Como resistir? Entendendo que a igualdade de gênero envolve um recorte de classe. A mulher da classe média não entende necessariamente a realidade da mulher da favela. Às vezes, o fetiche de uma é a condenação da outra a um destino miserável.
Precisamos, ainda, no Brasil, inserir urgentemente os estudos neurológicos e hormonais de gênero, proporcionando a assistência de saúde e educacional necessárias, para que a mulher brasileira possa compreender os seus desejos e conscientemente exercer a sua liberdade.
Mulheres e homens são iguais em direitos e deveres. Porém, a realidade neurológica e hormonal é distinta. Desconsiderar essa distinção coloca em risco a saúde mental da mulher.
Nos Estados Unidos, cientistas da Universidade da Pensilvânia observaram esse fato como o paradoxo do declínio da felicidade feminina: as vidas das mulheres americanas melhoraram nos últimos 35 anos, a partir de dados objetivos, mas elas são mais infelizes do que as mulheres da década de 70.
No Brasil, as meninas da classe trabalhadora não estão vivenciando essa melhora na qualidade objetiva de vida e ainda sofrem pressões das indústrias culturais e sexuais, que limitam o horizonte de mundo e afundam a saúde mental delas.
Nós já estamos vendendo as meninas brasileiras pelo preço mais barato do mundo. Isto tem que mudar! Precisamos de homens e mulheres responsáveis e capazes de enfrentar o problema. Ainda dá tempo de virar o jogo, mas é preciso quebrar todas as regras do feminismo branco e pensar a dignidade da mulher de baixo para cima.