Direito trabalhista nos negócios

O trabalho rural e as horas in itinere - Plot twist na lei e jurisprudência

O debate sobre a integração das horas in itinere ao trabalho rural parece não acabar. Nele se misturam correntes interpretativas, inovações legislativas, avanços (para alguns) e retrocessos (para outros).

11/12/2023

I. Introdução

O debate sobre a integração das horas in itinere ao trabalho rural parece não acabar. Nele se misturam correntes interpretativas, inovações legislativas, avanços (para alguns) e retrocessos (para outros).

II. Origem do debate. Conceito de tempo à disposição

A definição do tempo à disposição do empregador tem nuances, sendo constante fonte de conflitos. Bastam alguns exemplos:

a) em regra, a remuneração é paga como contrapartida ao tempo, ressalvadas as hipóteses de remuneração por empreitada, tarefa ou produção;

b) o salário mínimo é proporcional ao tempo;

c) as horas extras são pagas quando excedida a jornada contratual ou legal;

d) a lei prevê intervalos intra e interjornadas.

Portanto, identificar com precisão o tempo integrante da jornada tem grandes repercussões econômicas e sociais.

O campo semântico é realmente aberto, admitindo muitas interpretações.

A própria OIT, em relatório do Comitê de Especialistas na Aplicação de Convenções e Recomendações1, diz que suas convenções não definem hora de trabalho e nem tempo à disposição para cômputo na jornada, e, embora com variedade de critérios, prevalece na “maioria dos países” a ideia de que a “exigência de estar à disposição do empregador é complementada ou substituída pela necessidade de desempenhar efetivo trabalho”2.

Por isto, o intervalo para refeição e descanso não é computado, sendo irrelevante a permanência no estabelecimento (vg. no refeitório da empresa). Sua escolha é livre.

São comuns ações postulando a inclusão do intervalo na jornada quando se exige permanência em local específico (vg. atividades de segurança).

Mas o artigo 4º da CLT considera “serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. Para reduzir o campo de interpretação, a lei 13.467/17 acrescentou que a permanência na empresa, “por escolha própria”, para “buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas”, bem como “para exercer atividades particulares”, não configura tempo à disposição.

O acidente de trajeto é equiparado ao do trabalho, nos termos da lei previdenciária (artigo 21, IV, “d”, da lei 8213/91), ainda que em veículo próprio do empregado ou transporte público, trazendo repercussões trabalhistas como a garantia de emprego do artigo 118 da mesma lei.

O Estatuto do Trabalhador Rural prevê a aplicação subsidiária da CLT. Seu artigo 1º dispõe sobre os intervalos inter e intrajornada, prestigiando os “usos e costumes da região” (artigo 5º), e disciplina o tempo de trabalho nos serviços “caracteristicamente intermitentes” (artigo 6º).

Nesse contexto é que surge o debate sobre o cômputo das horas in itinere na jornada, especialmente relevante no trabalho rural.

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1 Disponível aqui. Na mesma página há links para acesso às versões em espanhol e francês.

2 "33. Although Convention No. 1 does not include a definition of “hours of work”, Convention No. 30 provides in Article 2 that the term hours of work does not include rest periods during which the persons employed are not at the disposal of the employer. The legislation in the majority of countries contains a definition of hours of work which, in a substantial number of cases, reflects the definition in Convention No. 30. However, in the majority of countries, the requirement of being at the disposal of the employer is supplemented or replaced by the need to perform actual work. For example, in Ethiopia, the Labour Proclamation defines normal hours of work as the time during which a worker actually performs work or is available for work in accordance with the law, collective agreement or work rules. In Denmark, working time is the period during which workers are working and are at the employer’s disposal and carrying out their activity or duties.

(…)

36. Neither Convention No. 1 nor Convention No. 30 contain explicit provisions on periods of “stand-by” or “on-call” work. In most countries, the national legislation does not contain specific provisions on this subject. However, in a few cases, national law or practice provide that time spent “on-call” is included in working time. For example, the Government of Cyprus reports that on-call hours are only considered working time if the employee is at the employer’s premises and at the disposal of the employer.

37. In other cases, the law is silent on this subject, or specifically indicates that on-call time is not included in working hours. For example, in Poland, 26 the Labour Code provides that on-call time is not included in working time if the employee has not carried out any work. The Independent and Self-Governing Trade Union “Solidarnosc” considers that this provision is not in accordance with Article 2 of Convention No. 30, as employees on stand-by certainly remain at the disposal of the employer, even if they do not perform any actual work. In Portugal, the legislation does not specify whether on-call time is

included in hours of work. In this regard, the General Confederation of Portuguese Workers – National Trade Unions (CGTP–IN) indicates that, when employees are on call, they are not free to use their time and that this period should therefore be considered as working time."

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Colunistas

Antonio Galvão Peres é doutor e mestre em Direito do Trabalho (USP) - Professor de Direito do Trabalho do Curso de Pós-graduação de Direito do Agronegócio do IBDA - Professor do Curso de Direito do Agronegócio do INSPER -. Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP (2017-2021) - Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (2006-2014) - Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do qual foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho (2010-2012) - Coordenador do Núcleo de Assuntos Legislativos da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/SP.

Luiz Carlos Amorim Robortella é doutor em Direito do Trabalho (USP) – Professor do Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1974-1995) - Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da FAAP (2000-2008) - Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (2022-2024)- Titular da cadeira n. 29 da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social - Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP - Membro do Grupo de Altos Estudos do Trabalho – GAET; Representante do Brasil no Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social em Sidney, Austrália – 2008, Sevilha, Espanha – 2011, Santiago, Chile – 2012, Praga, República Checa – 2017, Turim, Itália – 2018, Córdoba, Argentina – 2019 e Lisboa, Portugal – 2021.