Direito trabalhista nos negócios

Direito do Trabalho e meio ambiente

Estamos evoluindo para a ideia de "habitat laboral", que reconhece o ambiente de trabalho como um elemento crucial para a qualidade de vida do trabalhador, em sintonia com os ecossistemas. A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 estabelece obrigações para todos os Estados-Partes, independentemente da ratificação das convenções da OIT.

13/11/2023

1 – DIREITO À SAÚDE

Em 2022 a Conferência Internacional do Trabalho acrescentou a segurança e saúde aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.

Essa histórica decisão obriga todos os Estados membros da OIT a respeitar e promover um ambiente de trabalho seguro e saudável, independentemente da ratificação das Convenções que tratam desse tema.

A Convenção 148 cuida dos riscos profissionais no local de trabalho decorrentes de contaminação do ar, do ruído e vibrações, tendo como princípio fundamental a eliminação do atentado à saúde e não apenas sua neutralização.

Merece realce, por envolver a proteção à saúde física e mental, a Convenção 190 da OIT, de 2019, que entrou em vigor em junho de 2021, ratificada apenas por Uruguai e Fiji. Aplica-se a todos os trabalhadores, públicos e privados, independentemente da situação contratual, bem como a estagiários, voluntários e até quem está em busca de emprego.

2 – DIREITO AMBIENTAL

Viver rodeado por um meio ambiente saudável constitui direito humano fundamental de terceira geração, conforme assentado na moderna teoria geral do direito.

Os direitos de terceira geração protegem a cidadania e criam um processo coletivo de satisfação diferente de outros interesses plurais.

São de titularidade coletiva e interessam a todos e a cada um em particular, podendo ser citados, além do meio ambiente, o direito à paz, ao desenvolvimento econômico e social etc.

No caso do meio ambiente, o que se preserva é o acesso de todos à qualidade de vida, a fim de que a saúde corporal e mental não seja atingida por agressões decorrentes de desvios de comportamento, novas tecnologias, processos e necessidades produtivas, além da explosão urbana.

Mas não se deve pensar a proteção da natureza e do meio ambiente em benefício exclusivo do ser humano, mas sim como um pressuposto inerente a todas as formas de vida animal, vegetal ou mineral.

Já não é mais possível considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem.

O ambiente saudável exige relação ecologicamente equilibrada entre as várias espécies animais, plantas, flores, assim como a preservação dos rios, dos oceanos e da atmosfera.

O direito ambiental é ramo novo do direito, formado a partir de conteúdos diversos, multidisciplinares, recolhidos em vários outros, a partir de uma identificação dogmática e afinidade teleológica.

Conforme a doutrina, quando se trata de qualidade de vida, há que pensar no meio ambiente que não traga danos à saúde, ao bem estar e à segurança.

O objeto do direito ambiental é a própria vida e não apenas humana, mas em todas as suas formas, como se vê na Constituição Brasileira.

Portanto, há uma ordem pública tecnológica ou ambiental que atrai a tutela através do poder do Estado, abrangendo todos os cidadãos e, consequentemente, os trabalhadores.

Como vivemos, segundo BOBBIO, em plena “era dos direitos”, cada vez mais se valoriza o direito ambiental, conceituado como o conjunto de normas, princípios e instituições voltados a preservar a qualidade de vida, a saúde humana e o equilíbrio entre a natureza e o homem. 

3. DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO 

O direito ambiental do trabalho pode ser definido como “o conjunto das condições, leis, influências e integrações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida das pessoas nas relações de trabalho”.

A segurança e medicina do trabalho são ciências voltadas à proteção física e mental do homem, principalmente para evitar doenças profissionais e acidentes do trabalho. 

Em visão mais expansiva, devem ser incluídos fatores comportamentais que atuam sobre o trabalho humano em todas as suas formas, provocando estresse, “burn out”, exaustão física e mental, ampliando assim a proteção objetiva do trabalhador.

A moderna abordagem do tema se afasta dos conceitos estreitos de insalubridade, periculosidade ou mesmo penosidade para alcançar uma dimensão axiologicamente mais vasta e densa: a saúde.

Mas há também uma expansão subjetiva para incluir todas as espécies de trabalhador e não apenas o empregado, já perceptível em alguns ordenamentos jurídicos nacionais e no próprio Direito Internacional do Trabalho. 

Realmente, limitar aos empregados é desarrazoado, incompatível com o trato amplo, expansivo, multidisciplinar, que a matéria exige.

Estamos muito longe das circunstâncias em que evoluiu historicamente o direito do trabalho com a intervenção estatal e a negociação coletiva.

O que interessa é proteger o ambiente onde o trabalho é prestado, qualquer que seja a condição do seu exercício. Merecem proteção os trabalhadores autônomos, avulsos, eventuais, temporários, à distância etc.

4 – ALTERAÇÕES NO PERFIL DO TRABALHADOR

As modificações nos processos produtivos, as inovações tecnológicas, o teletrabalho e o trabalho em domicílio, que levam à desconcentração da mão-de-obra, modificaram o conceito de ambiente laboral, cada vez menos restrito ao espaço interno da fábrica ou da empresa para se estender à moradia e outros ambientes urbanos.

A nova tecnologia transtorna a ideia de estabelecimento, horário e subordinação. Os empregados são mais autônomos e os autônomos mais subordinados.

Por outro lado, há intensa telessubordinação e controle de descansos e horários, gerando o chamado direito à desconexão.

O paradoxo autônomo/subordinado e subordinado/autônomo cria um dilema dogmático para o direito do trabalho. Há figuras ambíguas: autônomo exclusivo, autônomo dependente, microempresário, teletrabalhador, trabalhador eventual, precário, temporário, intermitente etc.

A economia digital oferece maior autonomia no trabalho mas, por outro lado, tem pontos negativos como, dentre outros:

a) isolamento social e profissional;

b) hiperindividualismo;

e) promiscuidade entre trabalho e família;

g) jornadas extenuantes e burn-out;

Nas atividades terceirizadas exige-se para os trabalhadores da fornecedora proteção idêntica aos da tomadora, no que concerne aos riscos ambientais.

Esta é uma das manifestações perversas da terceirização descuidada: trabalhadores que atuam lado a lado, exercendo funções semelhantes ou mesmo idênticas, não gozarem da mesma proteção contra os riscos ambientais.

A legislação brasileira assegura que todos tenham o mesmo tratamento no plano ambiental.

A disparidade é realmente inaceitável. A preservação da saúde não depende de vínculos jurídicos formais ou indiretos porque o meio ambiente nocivo agride igualmente a todos.

Entretanto, no Brasil a segurança e medicina do trabalho ainda se voltam quase exclusivamente à proteção da saúde no estabelecimento do empregador, conforme normas elaboradas pelo Ministério do Trabalho.

Não alcança os informais, que criaram uma nova classe social: o “precariado”.

O direito do trabalho só recuperará funcionalidade, racionalidade e eficiência quando se voltar à proteção dos trabalhadores excluídos. Deve ser um instrumento de política social e econômica mediante um equilíbrio entre “hard law” e “soft law”.

São fórmulas de "soft law" a negociação coletiva e a  responsabilidade social da empresa.

5. RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA

A economia social de mercado contemporânea agrega dois valores essenciais: saúde e meio ambiente. 

O capitalismo precisa estar em harmonia com a natureza e a sociedade humana.

A verdadeira riqueza das nações é medida pelo respeito à natureza, aos direitos humanos e à ética nos negócios.

Não se pode admitir o lucro que prejudica a saúde do trabalhador. 

No capitalismo colaborativo a empresa deve gerar valor para investidores, trabalhadores, fornecedores, consumidores e a comunidade.

É um capitalismo de stakeholders, com valores sociais e políticos que vão além do mero interesse do investidor (shareholder). 

O chamado padrão ESG está sendo adotado como critério para investimento no mercado de capitais.

O Brasil figura na lista dos 25 países mais dedicados a esse tema nos últimos anos.

O padrão ESG constitui o núcleo do capitalismo colaborativo. Aumenta o padrão de socialização da empresa para atender aos vários interesses nela concentrados, inclusive dos consumidores.

Torna visível a faceta institucional ao expandir obrigações com a sociedade. Vai além da mera governança corporativa. Propõe uma postura cívica que influi no próprio conceito jurídico de empresa.

Segundo consultorias internacionais, até 2025 cerca de 60% dos fundos de investimento observarão o critério ESG, ou seja, U$$ 8,9 trilhões, assim como cerca de 80% dos investidores institucionais em suas operações.

Definitivamente, empresas que sacrificam os direitos humanos e atacam a natureza serão proscritas pelos investidores. A ONU exige das instituições financeiras e de seguros o padrão ESG na análise de risco, crédito e investimento.

A OIT editou em 2006 a “Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Justa”, que avalia vantagens comparativas entre os países nos níveis de proteção ao Trabalho.

A certificação ISO 26000, criada em 2010, mede a responsabilidade social corporativa, inclusive com base nas convenções da OIT.

O próprio consumidor está a exigir produtos social e ambientalmente sustentáveis.

Portanto, não basta a empresa cumprir as leis. Ela deve se autolimitar mediante códigos internos que são verdadeiro compromisso, complementando o direito estatal.

É inegável a eficácia normativa desses códigos em temas como proteção ao meio ambiente de trabalho, assédio sexual, assédio moral etc.

 

6. NEGOCIAÇÃO COLETIVA E MEIOS JUDICIAIS DE PROTEÇÃO

A participação das entidades sindicais na prevenção e reparação dos danos causados pelo ambiente de trabalho deve assumir maior relevância.

Afinal, os interesses coletivos dos trabalhadores estão na essência da atividade dos sindicatos. No Brasil estão legitimados para a propositura de ação pública ambiental e mandado de segurança para proteção da saúde.

Além disto, pode o trabalhador acidentado postular individualmente a indenização nos casos de dolo ou culpa do empregador na geração de riscos ambientais.

7 – CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

A Constituição de 1988 assegura ao trabalhador tratamento nunca antes visto nos textos constitucionais, havendo capítulo específico sobre o meio ambiente e diversas referências em outros tópicos.

Exige redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; estabelece jornada de seis horas para os turnos ininterruptos de revezamento; estipula adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas. 

Mas todas essas normas se destinam exclusivamente a empregados.

O texto constitucional criou um formidável SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, que atende a todos os brasileiros e tem, entre suas atribuições, colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Outro preceito proclama que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Competem ao SUS atividades de proteção à saúde do trabalhador através de Comissões Intersetoriais, com adoção de políticas de controle das agressões ao meio ambiente de trabalho

É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.

As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, além da reparação do dano.

Como se vê, há obrigações da empresa para com a coletividade, inconfundíveis com aquelas dirigidas aos seus trabalhadores. 

8 – ELIMINAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS

É necessária uma revisão dos conceitos legais das atividades que causam dano físico ao trabalhador.

Mais que uma indenização pelo trabalho em condições ambientais danosas, devemos eliminar ou neutralizar os agentes nocivos.

É necessária maior atenção aos aspectos ergonômicos. A ergonomia tem por fim o estudo de sistemas para que as máquinas possam funcionar no ambiente de trabalho em harmonia com o homem.

Segundo alguns estudos, a valorização excessiva do uso de Equipamentos de Proteção Individual como medida de proteção à saúde é um equívoco, pois sua utilização não corrige as deficiências ambientais e tampouco elimina a ação dos agentes insalubres no organismo do trabalhador.

As novas tecnologias talvez venham a extinguir completamente o trabalho insalubre, perigoso e penoso.

9 – CONCLUSÃO

Caminhamos para uma noção de “habitat laboral”, ou seja, o ambiente de trabalho como fator de qualidade de vida do trabalhador “lato sensu” e em harmonia com os ecossistemas.

A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 traz obrigações para todos os Estados-Parte, independentemente da ratificação das convenções da OIT.

Quase 25 anos após foi acrescentado o quinto princípio, que trata do ambiente de trabalho seguro e saudável, à Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho

Este quinto princípio se aplica a todos os trabalhadores do mundo, formais ou informais, eis que protege o direito à vida saudável no trabalho, com redução de enfermidades e mortes.

Cabe lembrar que novos riscos ocupacionais e sociais podem ser criados pela tecnologia, o que exige constante evolução e atualização das medidas de proteção.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Antonio Galvão Peres é doutor e mestre em Direito do Trabalho (USP) - Professor de Direito do Trabalho do Curso de Pós-graduação de Direito do Agronegócio do IBDA - Professor do Curso de Direito do Agronegócio do INSPER -. Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP (2017-2021) - Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (2006-2014) - Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do qual foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho (2010-2012) - Coordenador do Núcleo de Assuntos Legislativos da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/SP.

Luiz Carlos Amorim Robortella é doutor em Direito do Trabalho (USP) – Professor do Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1974-1995) - Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da FAAP (2000-2008) - Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (2022-2024)- Titular da cadeira n. 29 da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social - Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP - Membro do Grupo de Altos Estudos do Trabalho – GAET; Representante do Brasil no Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social em Sidney, Austrália – 2008, Sevilha, Espanha – 2011, Santiago, Chile – 2012, Praga, República Checa – 2017, Turim, Itália – 2018, Córdoba, Argentina – 2019 e Lisboa, Portugal – 2021.