Direito trabalhista nos negócios

Igualdade salarial: Proteção constitucional versus critérios objetivos da lei - Aspectos práticos

Na prática, diante de princípios genéricos, cabe explorar os critérios objetivos que tornam justo o tratamento desigual para trabalho idêntico.

9/10/2023

Introdução

A CF/88 consagra, no artigo 5º, caput, o princípio da não-discriminação (isonomia). Essa regra se repete, com especificidades, no artigo 7º, XXX, inserido nos direitos sociais.

O artigo 5º da CLT dispõe que "a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual".

Na prática, diante desses princípios genéricos, cabe explorar os critérios objetivos que tornam justo o tratamento desigual para trabalho idêntico.

O "problema é reconhecer a identidade juridicamente relevante ou, a contrario sensu, apontar os fatores que, no caso concreto, possam justificar a diferença de tratamento"1.

Cabe lembrar inexcedível página de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO2:

"O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexos de obrigações e direitos.

(...) a correta indagação a ser formulada para conhecimento do princípio sub examine pode ser traduzida nos termos que seguem:

Quando é vedado à lei estabelecer discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função de discriminar?"

A doutrina, à luz da CF/88, destaca dois pontos:

a) correlação lógica entre desigualdade real e disparidade de tratamento;

b) relevância jurídica do ponto de desigualdade.

Exemplo usual é o limite de idade para admissão em concursos públicos. Cabe investigar se a exigência constitui razão objetiva juridicamente relevante. Para a contratação de um bombeiro ou vigilante pode ser necessária jovialidade, mas não para um professor3.

Quando se trata de igualdade salarial, o legislador optou por critérios específicos, mas, ainda assim, alguns guardam amplo grau de subjetivismo (vg. mesma perfeição técnica).

Tais pressupostos estão no artigo 461 da CLT, com alterações importantes da Reforma de 2017, que trouxe mais clareza, além de novos critérios para se aceitar a disparidade salarial.

Na jurisprudência, as divergências de interpretação produziram a extensa Súmula n. 6 do Tribunal Superior do Trabalho, ainda não atualizada para o texto legal em vigor.

Recente e importante alteração decorre da lei 14.611/23, a qual, apesar de manter os critérios do artigo 461 da CLT – ou seja, não afeta os critérios objetivos para equiparação salarial –, amplia o espectro de proteção.

Essa nova lei olha para além dos critérios objetivos, remoçando a tradição legislativa e da jurisprudência.

De forma expressa diz que, "independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho", cabe corrigir a desigualdade salarial entre homens e mulheres. 

Nela se vê um aparente paradoxo:

Se respeitados os critérios do artigo 461 da CLT, como vislumbrar desigualdade injusta, ilegal ou inconstitucional?

A solução está na distinção entre:

A - análise sob a perspectiva individual a partir de critérios objetivos juridicamente relevantes:

B - aferição coletiva da discriminação.

Como no ditado popular, cabe agora olhar a floresta e não apenas as árvores.

Nos tópicos subsequentes trataremos dos critérios objetivos para o confronto individual e, ao cabo, da recente inovação legislativa.

__________

1 PERES, Antonio Galvão. Contrato internacional de trabalho: novas perspectivas. S. Paulo: LTr, 2004. p. 124.

2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros Ed., 2003. p. 12-13.

3 PERES, op. cit., p. 124.

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Colunistas

Antonio Galvão Peres é doutor e mestre em Direito do Trabalho (USP) - Professor de Direito do Trabalho do Curso de Pós-graduação de Direito do Agronegócio do IBDA - Professor do Curso de Direito do Agronegócio do INSPER -. Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP (2017-2021) - Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (2006-2014) - Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do qual foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho (2010-2012) - Coordenador do Núcleo de Assuntos Legislativos da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/SP.

Luiz Carlos Amorim Robortella é doutor em Direito do Trabalho (USP) – Professor do Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1974-1995) - Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da FAAP (2000-2008) - Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (2022-2024)- Titular da cadeira n. 29 da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social - Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP - Membro do Grupo de Altos Estudos do Trabalho – GAET; Representante do Brasil no Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social em Sidney, Austrália – 2008, Sevilha, Espanha – 2011, Santiago, Chile – 2012, Praga, República Checa – 2017, Turim, Itália – 2018, Córdoba, Argentina – 2019 e Lisboa, Portugal – 2021.