Direito trabalhista nos negócios

Redes sociais. Pontos de Inflexão entre vida privada e trabalho

Redes sociais. Pontos de Inflexão entre vida privada e trabalho.

21/2/2022

“o maior pecado depois do pecado é a publicação do pecado” 
MACHADO DE ASSIS (Quincas Borba)

No passado a conexão com o trabalho terminava ao fim da jornada anotada no relógio de ponto. O empregador tinha pouca ou nenhuma ciência do comportamento e da vida pessoal do empregado.

Tudo isso mudou. As redes sociais possibilitam conhecer o que o empregado verdadeiramente é, pensa e faz em suas relações familiares e pessoais, “hobbies”, casos amorosos, preferências sexuais, estilo de vida e até ideologia política.

Um exemplo é bem conhecido. Antes da saudável liberação sexual e dos costumes a que assistimos hoje, empregados frequentemente se sentiam obrigados a esconder do ambiente de trabalho relações homoafetivas que à época geravam sofrimento, preconceito e até discriminação.

Essa injusta realidade impunha dissociar vida privada e carreira  profissional. Com a mudança dos tempos,  a comunicação entre essas vidas paralelas suscita atualmente fundadas dúvidas sobre os limites de interferência no direito fundamental de expressão individual.

“Cabe perguntar: quem se revela publicamente intolerante estaria apto a conviver e respeitar diferentes orientações sexuais ou outras identidades de gênero no ambiente de trabalho?

Com os intoleráveis episódios recentes de racismo no Brasil e no mundo, simpatizantes do nazismo ou antissemitas respeitariam colegas de origem judaica?

Quem “viraliza” em vídeo insinuações sexistas conseguiria ser respeitoso com mulheres? Vale aqui relembrar o obsceno comportamento de torcedores brasileiros na Copa do Mundo de Futebol da Russia de 2018 que, para nossa vergonha, constrangeram uma jovem com canções e gestos.”

A exposição de condutas e ideias abomináveis na vida privada não se restringe a gestores ou colegas de trabalho. Pode também atingir ou provir de fornecedores e clientes do empregador.

A verdade é que o uso das redes sociais se disseminou nas duas últimas décadas, vem crescendo em progressão geométrica e, na mesma medida, se metamorfoseando para o bem e para o mal.

Após tantos anos, ainda pouco se sabe sobre a etiqueta social que rege o procedimento de adicionar ou “cancelar” nas redes particulares pessoas do círculo profissional.

A legislação trabalhista não trata de forma específica do uso de redes sociais nas  relações de trabalho, mas o que se faz e se diz virtualmente cada vez mais repercute no ambiente laboral. Isso deve se acentuar com a difusão do metaverso.

Em regra, em face da lei atual, somente os atos praticados pelo empregado durante a jornada produzem reflexos no contrato de trabalho. As hipóteses de justa causa previstas no art. 482 da CLT normalmente se restringem a atos praticados “no serviço” ou “contra o empregador ou seus superiores hierárquicos”.

Mas há exceções. Certa doutrina e jurisprudência admite, por exemplo, que atos graves fora do ambiente de trabalho, especialmente quando arriscam a preservação de valores materiais e morais, configuram justa causa por incontinência de conduta e/ou mau procedimento (art. 482, b, da CLT).

O problema é que a mensuração da gravidade do ato e sua conexão com o ambiente de trabalho se prestam a algum subjetivismo ao sabor dos valores morais próprios de cada época.

É interessante notar que a evolução ou involução dos costumes pode levar a conceitos diametralmente opostos. A falta grave por embriaguez habitual é hoje tratada como doença segundo os critérios da OMS. As dívidas contumazes não mais constituem justa causa para dispensa do bancário.

É crescente o repúdio a discursos de ódio, racistas, homofóbicos, sexistas etc. No campo do trabalho, a publicidade desses atos certamente vai repercutir no ambiente laboral e na imagem do empregador.

Eis o dilema: o poder diretivo não pode negar os direitos fundamentais da personalidade, dentre eles intimidade, privacidade e liberdade de expressão.

“Então,  como reagir a comportamentos abusivos em redes sociais,   incompatíveis com a permanência no ambiente de trabalho?”

A gradação das medidas pode ser:

Entretanto, há risco mesmo na rescisão sem justa causa ou punição disciplinar, com o agressor se apresentando como vítima de discriminação e ofensa à liberdade de expressão.

Como a avaliação é subjetiva, pode até ganhar a reintegração ou indenização da severíssima lei 9.029/95 (repressão à discriminação no trabalho), além de  indenização por dano moral.

Sucede que, mesmo em tal cenário pantanoso,  as empresas são cada vez mais  cobradas a assumir sua responsabilidade social (padrão ESG). Devem encontrar soluções criativas e adotar normas que induzam o bom comportamento, cabendo aqui abordagem jurídica e metajurídica de sua responsabilidade.

Responsabilidade social significa o compromisso de investimento em uma sociedade mais equilibrada mediante a adoção de governança responsável e ética. Pressupõe uma economia comportamental que aumenta o padrão de socialização da empresa e deve se espelhar – e espalhar - nos atos de ínvestidores, empregados, prestadores de serviços, fornecedores e consumidores.

É razoável exigir que a postura individual de gestores e empregados interna e externa seja compatível com os valores abraçados pelo empregador.

É cada vez mais visível a faceta institucional da empresa, o que expande suas obrigações com a sociedade. Isto vai além da mera governança corporativa e está valorativamente acima do mero interesse de investidores e trabalhadores.

O atual desafio da área de recursos humanos e do departamento jurídico é manejar com sabedoria instrumentos que protejam o empregador da condenação pública e dos prejuízos  financeiros e de reputação. Afinal, podem ser irremediáveis, ainda que sobrevenham decisões judiciais favoráveis.

Os danos à imagem representam grave crise corporativa. É importante que as decisões empresariais sejam guiadas por uma estratégia ampla e abrangente do fenômeno, até ultrapassando as meras obrigações legais.

É também um trabalho de conscientização. Conforme a gravidade do ato a postura pode ser repressiva ou apenas educativa, mediante normas éticas que realcem os valores acalentados. Formar e instruir  devem ser medidas prévias à penalização, prevenindo más condutas futuras e facilitando a defesa em ações judiciais.

Em síntese, o empregador deve investir primordialmente na informação, reciclagem e treinamento dos empregados com vistas à preservação de seu código de conduta e, ao cabo, proteção da imagem perante a sociedade.

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Colunistas

Antonio Galvão Peres é doutor e mestre em Direito do Trabalho (USP) - Professor de Direito do Trabalho do Curso de Pós-graduação de Direito do Agronegócio do IBDA - Professor do Curso de Direito do Agronegócio do INSPER -. Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP (2017-2021) - Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (2006-2014) - Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do qual foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho (2010-2012) - Coordenador do Núcleo de Assuntos Legislativos da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/SP.

Luiz Carlos Amorim Robortella é doutor em Direito do Trabalho (USP) – Professor do Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1974-1995) - Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da FAAP (2000-2008) - Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (2022-2024)- Titular da cadeira n. 29 da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social - Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP - Membro do Grupo de Altos Estudos do Trabalho – GAET; Representante do Brasil no Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social em Sidney, Austrália – 2008, Sevilha, Espanha – 2011, Santiago, Chile – 2012, Praga, República Checa – 2017, Turim, Itália – 2018, Córdoba, Argentina – 2019 e Lisboa, Portugal – 2021.