Representar é atuar em nome e no interesse dos representados como núcleo do direito de associação.
São consideradas ilícitas quaisquer condutas contrárias ou estranhas aos objetivos sociais autodefinidos por qualquer ente coletivo, o que inclui os sindicatos.
A conduta contrária a esse dever de representação configura abuso de direito, a teor do art. 187 do CC/02.
Afinal, o associativismo sindical está calcado na solidariedade de interesses prevista no art. 511, parágrafo 1º. da CLT:
“A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.”
Isto ainda mais se realça no nosso modelo de unicidade sindical que, de resto, viola compromissos internacionais como o Pacto de São José da Costa Rica e os Pactos de 1966 da ONU sobre direitos políticos, econômicos sociais e culturais.
No Brasil, a unicidade sindical obrigatória e o sistema de categorias vêm suscitando há muitos anos propostas de reforma para que, finalmente, ingressemos no regime de liberdade sindical preconizado na doutrina da OIT.
O art. 511 da CLT traz a noção corporativista de categoria desde 1943 que, para não haver dúvida, ainda foi incorporada à CF/88, tornando mais difícil sua abolição.
O sindicato, em nosso modelo, é a categoria juridicamente organizada e assim se estrutura para a defesa de interesses individuais e coletivos dos representados1.
A categoria econômica tem como premissas a solidariedade e o vínculo estreito entre empresas do mesmo setor.
O parágrafo 4º do art. 511 da CLT confirma que “os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural”.
Sindicatos, federações e confederações, todos parte da pirâmide, concentram a representação das categorias profissional ou econômica.
A criação de novas entidades é quase impossível e se condiciona ao desmembramento territorial ou criação de uma nova categoria pelo critério da maior especificidade.
Em decorrência, cabe à entidade patronal oferecer a todos os representados absoluta igualdade, sem qualquer tratamento discriminatório, como adverte, tratando das associações civis em geral, Paulo Lobo2:
“As associações são regidas, portanto, pelo princípio da igualdade de tratamento nas relações com seus associados, no sentido de proibição da arbitrariedade, o que não exclui diferenciações de acordo com a realidade, desde que previstas no estatuto.”
Não pode o sindicato patronal tratar desigualmente seus associados e representados. Está obrigado a manter absoluta neutralidade na hipótese de conflitos internos, até mesmo em razão de questões concorrenciais.
Afinal, só assim se justifica sua existência na medida em que, por definição, congrega empresas concorrentes e, é claro, com seus próprios interesses individuais. O sindicato não pode patrocinar conflitos entre membros da categoria porque a representação tem como requisito material inafastável a comunhão dos interesses.
O sistema brasileiro repudia a defesa pelo sindicato do interesse de um em detrimento de outro ou, ao contrário, o ataque a um em benefício de outro.
Quando se fala em defesa de interesses individuais como prerrogativa do sindicato, está-se a tratar da substituição processual e rigorosamente em benefício dos representados. Como diz Celso Ribeiro Bastos, “os interesses defendidos hão de figurar entre aqueles perseguidos pela própria organização sindical.”3
Daí resulta que a atuação da entidade patronal deve necessariamente estar em harmonia com os interesses comuns à coletividade representada, afastando-se, por imperativo ético e jurídico, dos conflitos individuais entre seus membros.
O tema também deve ser examinado sob a perspectiva do conflito de interesses na doutrina societária4:
‘..... Entendemos que a disciplina do conflito de interesses das sociedades anônimas deve ser aplicada não só para os administradores, como também para os associados dessas entidades. Sendo assim, quando o membro não for independente em relação à matéria discutida na assembleia podendo influenciar nas decisões ou toma-las motivado por interesses distintos daqueles da associação não deverá participar da deliberação. (...) Portanto, as deliberações tomadas em conflito de interesses, dos associados ou dos administradores, serão anuláveis.”
Isto se torna ainda mais importante no sistema brasileiro, no qual o sindicato tem o monopólio de representação da categoria econômica. Ora, sua administração deve estar voltada para o interesse comum e não o individual de associados.
Não pode abrigar a cizânia, a tentativa de destruição recíproca de representados.
A doutrina, ao tratar dos contornos da liberdade sindical, cuida mais diretamente da discriminação contra trabalhadores, hipótese usual e atrelada à concepção original. Como se sabe, a ideia de sindicato patronal, no modelo corporativista, é uma apropriação indébita do conceito de sindicato.
Gino Giugni5 explica essa apropriação:
“Um problema particularmente debatido é o da liberdade sindical dos empresários. A raiz da questão consiste no reconhecimento ou não da qualificação sindical à atividade por eles realizada para a satisfação dos interesses ligados – direta ou indiretamente – às relações de trabalho. O problema surge porque, enquanto a atividade sindical dos trabalhadores é sempre direcionada a um fim coletivo (e por isso é atividade organizada), o empresário pode agir individualmente, por exemplo, na contratação da empresa, ou com o lock-out, ou com qualquer outro comportamento individual que seja relevante diante da coletividade contraposta. De outro lado, o chamado sindicalismo empresarial é, na realidade, um sindicalismo de “resposta”, que se forma em função da resistência nos confrontos das organizações dos trabalhadores. (...). A atividade destas organizações, então, (atenção, atividade, não existência) poderia ser submetida aos limites que, em geral, pertencem à iniciativa econômica.”
Lamentavelmente somos prisioneiros dessa concepção simétrica monopolista, muito distante dos efetivos valores do direito sindical.
Tanto isto é verdade que o sindicato único representa os integrantes da categoria mesmo contra sua vontade.
Definitivamente, tomar partido no conflito entre dois membros da categoria é trair o dever de representação, tipificando conduta discriminatória que não resiste ao art. 2º da Convenção 87 da OIT:
“Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas.”
Segundo Laís Corrêa de Melo6, a liberdade de filiação é o aspecto positivo da liberdade de associação, significando o direito de ingresso na entidade patronal e de ser representado sem qualquer espécie de discriminação.
Proteger um contra outro enquadra a entidade patronal nas figuras do desvio de finalidade e abuso de direito (art. 187 do CC/02), violação dos deveres de representação da categoria e atentado à liberdade de filiação sindical (art. 8º. da CF/88 e art. 511 da consolidação das leis do trabalho).
Esse desvio enseja ações judiciais para a devida correção e afirmação das garantias constitucionais, contendo abusos da entidade sindical, como se extrai deste julgado, a contrario sensu:
“SINDICATO – DECISÕES – INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE – "Ação cautelar. Autonomia sindical. Relação entre sindicato e federação. Limites de intervenção do Poder Judiciário. O inciso I do art. 8º da Constituição Federal, com as restrições ainda impostas pelos incisos II (alcance da base territorial e manutenção do princípio da unicidade) e IV (conservação do sistema confederativo), consagrou a liberdade sindical como primado. Assim, é vedado ao Poder Público, em quaisquer de suas esferas, interferir meritoriamente nas decisões emanadas de tais entidades, salvo se consistirem em atos discriminatórios ou de afronta a outros princípios constitucionais, de flagrante ilegalidade ou de ofensa às normas estatutárias das próprias organizações sindicais, circunstâncias que legitimam a atuação do Poder Judiciário. Não tendo a requerente obtido êxito em comprovar que o ato praticado pela requerida tenha se enquadrado nas hipóteses de exceção acima apontadas, impossível se mostra a interferência judicial postulada na ação cautelar, que é julgada improcedente." (TRT 02ª R. – MC 00130200700002006 – (20070894137) – 10ª T. – relatora juíza Rilma Aparecida Hemetério – DJSP 30/10/07)
A competência é da Justiça do Trabalho, conforme o art. 114, III, da CF/88, com a redação da EC 45/04:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...)
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;(...).”
Estas são algumas reflexões preliminares sobre tema muito pouco tratado em doutrina e na jurisprudência.
Sua importância reside no fato de alguns sindicatos e federações patronais, dominados por certos grupos de empresas, se voltarem contra integrantes da própria categoria, desequilibrando a livre concorrência.
_____
1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2005. p.724.
2 LOBO, Paulo. Direitos dos Membros das Associações Civis. Disponível aqui.
3 BASTOS. Celso Ribeiro; SILVA MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo. Editora Saraiva. 1988 e 1989. P. 518.
4 MAIELLO, Anna Luiza. Aspectos fundamentais do negócio jurídico associativo. Tese apresentada perante a FADUSP para obtenção do título de doutora. S. Paulo, 2012. P. 163-164.
5 GIUGNI, Gino. Direito sindical. S. Paulo: LTr, 1991. p. 56.
6 MELO, Laís Correa de. Liberdade Sindical na Constituição Brasileira. São Paulo: LTr, 2005. p. 77.