Direito trabalhista nos negócios

Necessidade de reforma do modelo sindical e de negociação coletiva

Necessidade de reforma do modelo sindical e de negociação coletiva.

13/12/2021

1 – Esses números revelam que a questão social do nosso tempo é inclusão versus exclusão. Quanto mais protegemos os incluídos, menos atenção recebem os excluídos, que ficam na periferia do sistema e pagam a conta.

É certo que, no Brasil, muitos trabalhadores, apesar da nossa aparatosa legislação, são vítimas do trabalho.

Mas a maioria é vítima da falta de trabalho. São milhões de atípicos, precários e informais sem qualquer proteção no plano individual e coletivo.

Isto se agravou com a pandemia, que impôs o crescimento do teletrabalho, o uso intensivo das plataformas e a uberização dos serviços.

Todos esses problemas estão aí apesar do excesso de leis e de sindicatos. É o caso de perguntar: no modelo atual, a quem beneficiam as leis e os sindicatos? 

Uma das maiores causas é a falta de liberdade sindical, princípio fundamental da doutrina da Organização Internacional do Trabalho, ao qual estamos submetidos1, mas nossa Constituição se recusa a cumprir.

2 – Temos uma grave contradição no Brasil.

As centrais sindicais atuam com plena liberdade sindical, sem unicidade ou enquadramento por categoria, todas integrantes do sistema.

Não há razão para que tais órgãos de cúpula sejam livres para se constituir e atuar, participando de instituições paritárias, enquanto sindicatos, federações e confederações sindicais ficam amarrados ao modelo de unicidade, categoria e território mínimo.

É urgente e inadiável a reforma do sistema de relações de trabalho mediante algumas diretrizes básicas.

2.1 – Liberdade sindical plena, com sindicatos livremente criados, sem imposição de categoria, enquadramento e área geográfica mínima. Podem ser criados reunindo profissões diversas mediante outros critérios de agregação tais como região, bairro, empresa etc. Nesse espaço de liberdade, nada impede que se constituam por profissão, categoria ou setor econômico, mas sempre através da livre escolha dos interessados, trabalhadores e empresas.

2.2 - A lei não pode impor sindicato único, devendo este resultar exclusivamente da decisão dos interessados. Assim, a unicidade ou pluralidade são livremente escolhidas.

2.3 – Na pluralidade, o sindicato mais representativo, ou seja, com maior número de filiados no espaço designado como “unidade de negociação”, terá o direito de representação, com participação facultativa e complementar dos demais.

2.4 - Proibição constitucional – a CF/88 não proíbe - de imposto sindical obrigatório, sendo admitida apenas contribuição voluntária.

2.5 – Contribuição obrigatória de não-associado apenas para custeio da negociação coletiva, com limite de valor.

Trata-se de prática admitida em muitos países para evitar o chamado “caronismo”, pois propomos modelo em que a norma coletiva se estende a todos, associados ou não.

Há outros modelos de liberdade sindical em que o produto da negociação coletiva se aplica, em princípio, apenas aos associados, mas isso significaria ruptura ainda mais drástica com nosso modelo atual, gerando grande instabilidade.

Em alguns países esse debate das contribuições dos não-associados é menos relevante pelo fato de o Estado também contribuir com as receitas dos sindicatos (vg. por participação em órgãos estatais e prestação de serviços públicos).

2.6 - Conceito novo de unidade de negociação: as partes livremente escolhem seu conteúdo, trabalhadores beneficiados, setor econômico, empresas e área geográfica de aplicação.

2.7 - Representação sindical e negociação coletiva de não-empregados, atípicos, trabalhadores em rede, de plataformas etc.

2.8 - Conceito de negociação coletiva plena facultativa, por deliberação das partes, para criação das normas e sua governança, assim como solução de conflitos individuais com segurança jurídica, sem prejuízo da atuação complementar de órgãos estatais e da justiça do Trabalho. Se as partes escolherem a negociação estrita, ficarão limitadas à criação de normas coletivas, como no modelo atual.

2.9 - Prevalência da negociação coletiva sobre a lei, mediante controle do próprio sindicato e órgãos estatais, para preservar sua aplicação efetiva.

2.10 - Negociação coletiva como processo de repartição de custos com racionalidade econômica, que deve incluir, além dos tradicionais sobre condições de trabalho, também temas como direitos humanos, tecnologia, produtividade, qualidade, reciclagem, custo, preço, mercado e competitividade.

2.11 - Extinção do poder normativo da justiça do Trabalho, que não deve impor normas econômicas e sociais nos conflitos coletivos. Exercerá apenas o poder jurisdicional para resolver conflitos coletivos jurídicos e, nas atividades essenciais, legalidade de movimentos grevistas ou fechamentos patronais.

2.12 - Extinção dos efeitos da convenção ou acordo coletivo não-renovados após determinado prazo.

Em suma, liberdade sindical e de negociação coletiva, sem adjetivos, como componentes essenciais do conceito de democracia política, social e econômica.

3 – Nosso sistema atual está voltado apenas para os incluídos. Leis, sindicatos, negociação coletiva e justiça do Trabalho pouco ou nada se ocupam dos excluídos.

Há noventa anos eles continuam sem proteção porque essa filosofia tutelar começou nos anos trinta. Em 1943 a CLT começou por afastar de forma expressa trabalhadores rurais – que eram a maioria – e domésticos.

Nos tempos atuais, a CLT continua a excluir a maioria dos trabalhadores, como se extrai dos índices de desemprego, trabalho informal e atípico.

A informalidade, aliás, é exatamente produto da enorme diferença de tratamento legal dado os empregados em comparação com os demais trabalhadores, que são invisíveis, exilados no próprio país.

4 – O protecionismo social exige o contraponto do protecionismo econômico, sob as bênçãos do Estado, envolvendo trabalhadores e empregadores.

Com as novas tecnologias e internacionalização das plataformas, o protecionismo econômico se reduziu drasticamente, impactando no protecionismo social.

Todos os países produzem ou adquirem tecnologia, reduzem o custo do trabalho e querem competitividade internacional. O progresso econômico depende do progresso tecnológico.

5 - A tecnologia nos mantém conectados.

Somos todos consumidores das plataformas digitais no processo de produção, de geração de trabalho e de renda. Ao cabo, as novas tecnologias unem investidores, trabalhadores e consumidores.

Por isto, temos que ressignificar o valor do trabalho com trabalhadores sem chefes, horários e escritórios.

A realidade é definitivamente dura no Brasil:

6 – Trabalhadores atípicos devem ser incluídos mediante a legalização da negociação coletiva para autônomos, trabalhadores em rede e outros não-empregados, estabelecendo condições de trabalho, benefícios, remuneração, critérios de qualidade e quantidade etc.

7 - A EC 45 extinguiu em 2004 o poder normativo da justiça do Trabalho ao criar a arbitragem facultativa, a pedido das partes, mas na prática continuou a intervenção nos conflitos coletivos, muitas vezes por caminhos tortuosos. O julgamento da legalidade de greves tem ensejado produção de normas que normalmente cabem à negociação coletiva.

Deve ser abolido com toda a clareza esse poder normativo. No direito comparado não cabe a tribunais instituir normas coletivas aplicáveis a trabalhadores e empresas porque os grupos são melhores juízes de seus interesses.

8 – Para reduzir o campo de incertezas a CF/88 deveria instituir a negociação coletiva como processo prioritário de regulação das condições de trabalho.

Veja-se que a reforma trabalhista de 2017 ampliou a negociação no novo artigo 611-A da CLT e, além disso, a jurisprudência do STF vem assegurando mais liberdade coletiva e individual.

A negociação é sempre facultativa.

Quem não a quer tem a proteção da CLT, com seu coletivismo elementar que não enxerga a heterogeneidade do mercado de trabalho, e sua visão fordista, abstrata, genérica e autoritária que desprestigia a negociação coletiva.

No atual sistema, quase tudo é previsto em lei, as empresas não conseguem cumprir, os sindicatos pouco negociam, o Estado não logra fiscalizar e os conflitos desembocam em grande número na justiça do Trabalho.

9 - A norma produzida, administrada e interpretada coletivamente é um belo projeto, permitindo a efetiva participação sindical na regulação das relações de produção, em processo de cogestão.

Os grupos organizados da sociedade podem e querem contribuir para a melhoria das condições de trabalho e o desenvolvimento das empresas, sem intervenção autoritária do Estado.

10 - A falta de trabalho é um problema de todos.

Os trabalhadores (e não só os empregados) devem ser tratados como cidadãos do mercado de trabalho.

Os sindicatos e órgãos de representação interna não devem atuar apenas no conflito, mas também em parceria com o capital.

A empresa não é só um campo de batalha.

O papel da empresa é gerar lucros aos investidores, trabalho e renda mediante compromissos perante a sociedade no padrão ESG (social, corporativo e ambiental).

O protecionismo moderno é dinâmico, com participação do Estado, do sindicato, da empresa, do consumidor e da sociedade.

11 – O direito não é neutro. Evolui em compasso com a realidade para que as normas jurídicas sejam justas e eficazes.

A lei trabalhista, sem negar o conflito entre capital e trabalho, deve estimular parcerias criativas na sociedade para enfrentar os maiores problemas contemporâneos: pobreza e exclusão social.

12 - Estas são algumas ideias contidas em obra coletiva que acabamos de publicar, com participação de reputados especialistas em direito sindical e economia do trabalho2.

É preciso enfrentar estes desafios com desapego a preconceitos. A democracia, em todos os seus aspectos, inclusive sindical, é instrumento indispensável ao desenvolvimento econômico e social.

______

1 A Declaração de 1998 da OIT estabeleceu 4 princípios a serem respeitados pelos Estados-membros, independentemente da ratificação das convenções respectivas, por envolverem direitos humanos: erradicação do trabalho forçado ou obrigatório, proibição do trabalho infantil, combate à discriminação e respeito à liberdade sindical.

3 ZYLBERSTAJN, Helio (coord). Liberdade sindical e negociação coletiva: uma proposta para o Brasil. S. Paulo: Mizuno, 2021.

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Colunistas

Antonio Galvão Peres é doutor e mestre em Direito do Trabalho (USP) - Professor de Direito do Trabalho do Curso de Pós-graduação de Direito do Agronegócio do IBDA - Professor do Curso de Direito do Agronegócio do INSPER -. Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP (2017-2021) - Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (2006-2014) - Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do qual foi presidente da Comissão de Direito do Trabalho (2010-2012) - Coordenador do Núcleo de Assuntos Legislativos da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/SP.

Luiz Carlos Amorim Robortella é doutor em Direito do Trabalho (USP) – Professor do Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1974-1995) - Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da FAAP (2000-2008) - Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (2022-2024)- Titular da cadeira n. 29 da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social - Membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da FIESP - Membro do Grupo de Altos Estudos do Trabalho – GAET; Representante do Brasil no Comitê Executivo da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e da Seguridade Social em Sidney, Austrália – 2008, Sevilha, Espanha – 2011, Santiago, Chile – 2012, Praga, República Checa – 2017, Turim, Itália – 2018, Córdoba, Argentina – 2019 e Lisboa, Portugal – 2021.