Direito Privado no Common Law

Em defesa dos deveres (inteligentes) de informação: uma resposta de Bar-Gill a Ben-Shahar e Carl Schneider

Ben-Shahar e Schneider argumentam que informar não funciona e que isso não pode ser corrigido. Os legisladores deveriam, portanto, abandonar esta técnica regulatória ineficaz (e, por vezes, prejudicial) e tentar outras abordagens, ou mesmo não fazer nada.

6/11/2023

Introdução

Na minha última coluna apresentei as ideias presentes no importante livro More Than You Wanted to Know: The Failure of Mandated Disclosure, escrito por Omri Ben-Shahar (Uni. Chicago) e Carl Schneider (Uni. Michigan). Eles apresentam uma crítica poderosa a uma das técnicas regulatórias predominantes: os deveres de informar. Ben-Shahar e Schneider argumentam que informar não funciona e que isso não pode ser corrigido. Os legisladores deveriam, portanto, abandonar esta técnica regulatória ineficaz (e, por vezes, prejudicial) e tentar outras abordagens, ou mesmo não fazer nada.

Na minha última coluna disse que essas ideias são inovadoras, mesmo disruptivas, e que merecem divulgação no Brasil. Disse que elas são também desoladoras e que deixam os leitores inconformados, em busca de uma saída. Pois então, na presente coluna, vou apresentar uma saída potencial.

Em 2015, um ano após a publicação do livro, Oren Bar-Gill (Harvard) escreveu uma resposta a Ben-Shahar e Carl Schneider, defendendo as divulgações inteligentes, ou os deveres de informar de forma inteligente: "Defending (Smart) Disclosure: A Comment on More Than You Wanted to Know", publicado no vol. 11 da Jerusalem Review of Legal Studies.

Bar-Gill começa dizendo que a sua defesa não é de todos, ou mesmo da maioria, dos deveres de informar. A sua defesa é restrita a uma pequena fração do vasto domínio dos deveres de informar, que são os deveres de informar de maneira inteligente (smart disclosures).

Segundo o próprio Bar-Gill, a verdade é que ele concorda com quase tudo o que Ben-Shahar e Schneider escrevem em seu livro. Em particular, concorda que a "informação completa" falhou, uma vez que os consumidores não vão ler as mensagens contendo informações longas e detalhadas exigidas por tantas leis e regulamentos. Bar-Gill concorda também que "linguagem simplificada" e "apresentação simplificada" não ajudam.

A discordância de Bar-Gill começa quando os autores discutem e criticam as "pontuações" (scores). Isso pode parecer uma questão menor. Mas Bar-Gill argumenta que esta questão – a simplificação utilizando "pontuações" – pode ser a chave para uma transmissão eficaz de informações em contextos importantes.

Pontuações (scores)

Então, em primeiro lugar, o que são pontuações (scores)? Uma pontuação é um resumo unidimensional de um ou mais recursos do produto ou serviço. Por exemplo, a taxa anual efetiva global (TAEG) é um agregador unidimensional do custo do crédito. Uma classificação de higiene de restaurante é um resumo unidimensional do nível de segurança alimentar no restaurante.

O bom das pontuações é que os consumidores não precisam entender como uma pontuação é formulada. Eles precisam apenas entender que uma pontuação mais alta é melhor do que uma pontuação mais baixa. Ou, no caso de pontuações de preços ou custos como a TAEG, que uma pontuação mais baixa é melhor do que uma pontuação mais alta.

Isto significa que, mesmo os consumidores que nunca lerão as "informações completas", poderão atentar para as pontuações e ser influenciados por elas. Naturalmente, isto também significa que os reguladores que concebem estas divulgações do tipo pontuação (score-type disclosures) devem garantir que a pontuação fornece de fato um resumo útil da informação subjacente.

Benefícios das pontuações (scores)

Para defender a utilidade das pontuações, Bar-Gill inicia apresentando os benefícios e custos desse tipo de divulgação.

As pontuações fornecem dois benefícios principais. Primeiro, facilitam a comparação entre empresas e produtos. Suponhamos que a TAEG representa de fato o custo total do crédito – "uma suposição heroica, pelo menos para alguns produtos de crédito". O consumidor ao escolher um empréstimo, com preço multidimensional, simplesmente escolheria o empréstimo com a TAEG mais baixa. E, se os consumidores comprarem com base na TAEG, os credores competirão para oferecer empréstimos com TAEG baixas, ou seja, empréstimos de custo mais baixo. A fixação de preços de crédito multidimensionais desencoraja a comparação e prejudica a concorrência. A TAEG unidimensional pode resolver esse problema.

O segundo benefício das pontuações é que evitam os problemas mais importantes com os deveres de inormação: o problema da sobrecarga e o problema da acumulação. É fácil ver como uma pontuação unidimensional evita o problema da sobrecarga. Quanto ao problema da acumulação, Ben-Shahar e Schneider destacam um custo importante dos deveres de informação que até agora escapou à análise sistemática – a externalidade que uma informação impõe à outra, uma vez que ambas competem pela atenção limitada dos indivíduos. As pontuações evitam o problema de acumulação. As pontuações são análogas ao preço de etiqueta do produto. O preço será inevitavelmente divulgado a cada venda. Uma pontuação é como um preço. Pode ser divulgado juntamente com o preço ou em vez do preço – como um preço mais abrangente (como a TAEG). Bar-Gill não pensa que exista um problema de acumulação com divulgações unidimensionais de preços. Na verdade, Ben-Shahar e Schneider reconhecem que as pontuações "moderam alguns problemas de sobrecarga e acumulação". 

Custos das pontuações (scores)

As pontuações proporcionam benefícios reais, mas não são isentas de custos. Em primeiro lugar, quando são utilizadas pontuações, perde-se informação. Uma pontuação unidimensional não consegue capturar todas as informações previstas pela divulgação completa. Mas, como a divulgação completa é basicamente inútil, não estamos realmente perdendo nada. A comparação relevante é entre uma divulgação parcial que fornece alguma informação útil (a pontuação) e uma divulgação completa que não fornece nenhuma informação útil. Ainda assim, o ideal da "divulgação completa" é sacrificado. E isso precisa ser reconhecido.

Além disso, como as pontuações implicam divulgação seletiva, é necessário atentar para o processo de seleção. Os legisladores decidem quais informações são incluídas na pontuação e como a pontuação é construída e implementada. Isto implica que os legisladores têm um grave ônus sobre os seus ombros. A divulgação completa é relativamente fácil – "apresente todas as informações que você possui". As divulgações do tipo pontuação são muito mais complicadas de serem projetadas. Elas exigem que os legisladores exerçam julgamento. Para além do desafio "técnico", a discricionariedade inevitável associada à concepção das pontuações significa que a divulgação, através das pontuações, é mais paternalista do que os divulgadores podem querer admitir.

Apesar dos custos, as pontuações proporcionam benefícios reais. É necessária uma análise custo-benefício caso a caso. Por isso, Bar-Gill recorre a exemplos específicos. Pelos limites da presente coluna, vamos nos restringir a um: a classificação de higiene dos restaurantes.

Exemplo: classificação de higiene dos restaurantes.

As classificações de higiene dos restaurantes fornecem um exemplo proeminente de divulgação do tipo pontuação. Um sistema de classificação de higiene alimentar é uma forma de avaliar e pontuar os padrões de higiene de uma empresa alimentar. As classificações baseiam-se numa inspeção das instalações, do processo de manipulação e preparação dos alimentos e dos sistemas globais envolvidos nas suas operações alimentares. Normalmente, o sistema de classificação usa uma faixa de 0 a 5, sendo 0 o mais baixo e 5 o mais alto.

Ben-Shahar e Schneider criticam as pontuações de higiene e identificam problemas com este sistema de classificação. Bar-Gill concorda com as premissas da crítica, mas resiste à conclusão de que as classificações e pontuações estejam fadadas ao fracasso.

O primeiro problema identificado por Ben-Shahar e Schneider é a captura política. Argumentam que os restaurantes têm influência sobre os inspetores de higiene e utilizam essa influência para obter uma nova inspeção rápida e assim "consertar" uma nota baixa. Bar-Gill reconhece ser evidente que este tipo de influência interfere na eficácia do sistema de classificação. Mas o problema da captura política é muito geral. Ocorre em todas as formas de regulamentação, não apenas regulamentação de divulgação e não apenas pontuações.

O segundo problema com as classificações de higiene decorre da discricionariedade que os inspetores têm quando implementam o sistema de classificações. Especificamente, as medidas de limpeza estão sujeitas ao critério do inspetor. Ben-Shahar e Schneider argumentam, corretamente, que a discricionariedade conduz a uma falta de consistência, o que, mais uma vez, interfere com a eficácia do sistema de classificação. Mas, tal como acontece com a captura, a discricionariedade – e a inconsistência – são onipresentes. Qualquer sistema judicial ou regulatório deve conceder discricionariedade a alguns atores. E a inconsistência segue-se inevitavelmente. Decisões inconsistentes sobre sentenças têm sido uma fonte de preocupação contínua. No entanto, ninguém pensa que o direito civil ou penal devam ser abolidos.

Finalmente, Ben-Shahar e Schneider argumentam, de forma convincente, que as classificações de higiene são uma pontuação imperfeita – que não captam fielmente a informação subjacente que interessa aos consumidores. Em particular, Ben-Shahar e Schneider argumentam que a limpeza é um indicador (proxy) imperfeito da segurança alimentar. Na verdade, indicadores perfeitos são raros. Mas a incapacidade de projetar indicadores perfeitos e de primeira linha não deveria prejudicar os segundos melhores indicadores.

Divulgação, incluindo a divulgação do tipo pontuação, implica necessariamente certos custos. Os primeiros dois custos (ou problemas) analisados acima são comuns a muitas (todas?) formas de regulação e, portanto, não devem ser usados para prejudicar as pontuações; ou deveria ser usado para condenar toda a regulação. O terceiro problema – a ausência de indicadores perfeitos – é exclusivo das divulgações do tipo pontuação. Mas a resposta é mais geral: não devemos evitar a segunda melhor solução apenas porque a primeira melhor é inatingível.

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Coordenação

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio. Doutor em Direito Civil pela USP (2013-2016), com períodos de pesquisa na Ludwig-Maximilians-Universität München (LMU) e no Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, na Alemanha (2014-2015). Estágio pós-doutoral na Harvard Law School, nos EUA (2016-2017). Advogado e consultor jurídico.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Pedro Fortes é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM), Diretor Internacional do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela UFRJ e em Administração pela PUC-Rio, é DPHIL pela Universidade de Oxford, JSM pela Universidade de Stanford, LLM pela Universidade de Harvard e MBE pela COPPE-UFRJ. É coordenador do CRN Law and Development na LSA, do WG Law and Development no RCSL e do Exploring Legal Borderlands na SLSA. Foi Professor Visitante na National University of Juridical Sciences de Calcutá, Visiting Scholar na Universidade de Frankfurt e Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck de Hamburgo e de Frankfurt.

Thaís G. Pascoaloto Venturi, tem estágio de pós-doutoramento na Fordham University - New York (2015). Doutora pela UFPR (2012), com estágio de doutoramento - pesquisadora Capes - na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal (2009). Mestre pela UFPR (2006). Professora de Direito Civil da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP e de cursos de pós-graduação. Associada fundadora do Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil – IBERC. Mediadora extrajudicial certificada pela Universidade da Califórnia - Berkeley. Mediadora judicial certificada pelo CNJ. Advogada e sócia fundadora do escritório Pascoaloto Venturi Advocacia.