Direito Privado no Common Law

Mais do que você queria saber: o fracasso dos deveres de informação

Os deveres de informação estão por toda parte. São os termos de uso do iTunes com os quais você concorda, o formulário de consentimento do médico que você assina, a pilha de papéis que você recebe com sua hipoteca.

9/10/2023

Há algumas semanas recebemos em aula do mestrado Omri Ben-Shahar, professor da Universidade de Chicago. A aula tinha o objetivo de debater o livro Mais Do Que Você Queria Saber (no original More Than You Wanted to Know), de autoria dele e de Carl E. Schneider (Uni. Michigan), lançado pela Princeton University Press em 2014.

Segundo os autores, “talvez nenhum tipo de regulação seja mais comum ou menos útil do que os deveres de informação” – impor que uma parte de uma contratação forneça informações à outra. Os deveres de informação estão por toda parte. São os termos de uso do iTunes com os quais você concorda, o formulário de consentimento do médico que você assina, a pilha de papéis que você recebe com sua hipoteca. A leitura dos termos, do formulário e dos papéis deveria prepará-lo para escolher bem sua aquisição, seu tratamento e seu empréstimo.

Mais Do Que Você Queria Saber examina as evidências e descobre que os deveres de informação raramente funcionam. Mas, questionam os autores, como poderiam funcionar? Quem lê essas informações? Quem as compreende? Quem as utiliza para tomar melhores decisões?

Ben-Shahar e Schneider "colocam o problema regulatório em termos humanos. A maioria das pessoas acha as informações complexas, obscuras e enfadonhas." Elas fazem escolhas eliminando informações, e não acumulando-as. A maioria das pessoas acha que pode ignorar com segurança a maior parte das informações e que, de qualquer forma, não tem domínio necessário para analisá-las. E tantas informações são obrigatórias que ninguém poderia prestar atenção a todas elas.

Outro aspecto é que tudo isto não pode ser alterado para formas mais simples numa escrita mais clara, uma vez que questões complexas não podem ser simplificadas através de uma redação melhor. Além disso, a divulgação é uma panaceia para os legisladores, pelo que estes tendem sempre a impor novos deveres e a expandir os antigos, muitas vezes em vez de assumirem o árduo trabalho de regular com firmeza.

Mais Do Que Você Gostaria de Saber é "oportuno e provocativo". O livro enfrenta a forma de regulação que encontramos diariamente e questiona se devemos encontrá-la de todo.

A base de toda essa crítica é quase trivial, uma vez que as razões expostas são compartilhadas ou ao menos intuídas por muitas pessoas. No entanto, mesmo diante de uma vasta e convincente análise de dados (inclusive empíricos), é chocante o alto nível com que Ben-Shahar e Schneider estão dispostos a abrir mão dos deveres de informação como técnica regulatória. Parece que mesmo em grande parte convencidos da tese, não estamos dispostos a isso sem que antes tenhamos outra “coisa” para colocar no lugar. Esse ponto é descrito pelos próprios autores no livro:

Ao escrever este livro, conversamos com muitos colegas, críticos, estudantes e reguladores sobre nossas ideias. Raramente ficam surpreendidos com as nossas evidências ou com o nosso argumento de que as informações geralmente não conseguem atingir os seus objetivos. Mas então perguntam o que deveria substituir o dever de informação. Essa é a pergunta errada – na verdade, uma pergunta ruim. Isso implica que o dever de informação estava fazendo algo que precisa ser substituído. Nosso argumento tem sido que ele realiza tão pouco que eliminá-lo negaria alguma coisa a poucas pessoas.

Este livro foi escrito para persuadir os legisladores a não usarem um método regulatório fracassado. Esse é certamente um objetivo suficiente para qualquer livro. Se a regulação não funciona, se faz mais mal do que bem, não deve ser utilizada, mesmo que não haja alternativa melhor. Se os informados não se beneficiam com as informações, é um erro regulatório pagar pela obrigatoriedade e administração do regime. Durante dois mil anos, a sangria foi a panaceia dos médicos. Quando suas falhas ficaram claras, a maioria das doenças para as quais foi usada não pôde ser curada. Isso, no entanto, não foi argumento para persistir com a sangria. O mesmo acontece com o dever de informação. (p. 183-184)

No debate durante a aula do mestrado, nós brasileiros reagimos como os interlocutores americanos descritos pelos autores. Embora convencidos das falhas dos deveres de informação, não parecíamos dispostos a abrir mão deles enquanto algo melhor não fosse oferecido no lugar. Durante o debate, questionamos e desafiamos como pudemos as ideias presentes no livro, enquanto Ben-Shahar defendeu as próprias ideias com uma assertividade de quem domina o tema.

Essas ideias merecem maior divulgação no Brasil. É até estranho que um livro lançado há quase 10 anos com uma tese tão disruptiva (para usar uma palavra da moda) e tão bem fundamentada não tenha tido ainda alguma repercussão entre nós. Seja para concordar ou para discordar, esse livro precisa ser lido e debatido no Brasil, pois o seu conteúdo certamente não é mais (nem menos) do que aquilo que queremos saber.

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Coordenação

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio. Doutor em Direito Civil pela USP (2013-2016), com períodos de pesquisa na Ludwig-Maximilians-Universität München (LMU) e no Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, na Alemanha (2014-2015). Estágio pós-doutoral na Harvard Law School, nos EUA (2016-2017). Advogado e consultor jurídico.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Pedro Fortes é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM), Diretor Internacional do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela UFRJ e em Administração pela PUC-Rio, é DPHIL pela Universidade de Oxford, JSM pela Universidade de Stanford, LLM pela Universidade de Harvard e MBE pela COPPE-UFRJ. É coordenador do CRN Law and Development na LSA, do WG Law and Development no RCSL e do Exploring Legal Borderlands na SLSA. Foi Professor Visitante na National University of Juridical Sciences de Calcutá, Visiting Scholar na Universidade de Frankfurt e Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck de Hamburgo e de Frankfurt.

Thaís G. Pascoaloto Venturi, tem estágio de pós-doutoramento na Fordham University - New York (2015). Doutora pela UFPR (2012), com estágio de doutoramento - pesquisadora Capes - na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal (2009). Mestre pela UFPR (2006). Professora de Direito Civil da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP e de cursos de pós-graduação. Associada fundadora do Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil – IBERC. Mediadora extrajudicial certificada pela Universidade da Califórnia - Berkeley. Mediadora judicial certificada pelo CNJ. Advogada e sócia fundadora do escritório Pascoaloto Venturi Advocacia.