Direito Privado no Common Law

Palsgraf v. Long Island Railroad Co.

O caso Palsgraf v. Long Island Railroad Co. é um famoso caso de responsabilidade civil que foi julgado pela Suprema Corte do Estado de Nova York em 1928.

12/6/2023

O caso Palsgraf v. Long Island Railroad Co. é um famoso caso de responsabilidade civil que foi julgado pela Suprema Corte do Estado de Nova York em 1928. Discutivelmente, é o caso mais famoso de responsabilidade civil do século XX nos EUA. O caso envolveu uma passageira chamada Helen Palsgraf, que sofreu lesões enquanto aguardava um trem em uma estação da Long Island Railroad.

De acordo com a descrição presente na própria decisão, os fatos do caso são os seguintes: em 24 de agosto de 1924, “a autora estava parada em uma plataforma da ferrovia da ré depois de comprar uma passagem para ir a Rockaway Beach. Um trem parou na estação, com destino a outro lugar. Dois homens correram para pegá-lo. Um dos homens alcançou a plataforma do vagão sem problemas, embora o trem já estivesse em movimento. O outro homem, carregando um pacote, pulou para dentro do carro, mas parecia instável como se fosse cair. Um funcionário no vagão, que mantinha a porta aberta, estendeu a mão para ajudá-lo a entrar, e outro funcionário na plataforma o empurrou por trás. Nesse ato, o pacote se deslocou e caiu sobre os trilhos. Era um pacote pequeno, com cerca de 15 polegadas [38 cm] de comprimento, e coberto por um jornal. Na verdade, continha fogos de artifício, mas não havia nada em sua aparência que indicasse seu conteúdo. Os fogos de artifício quando caíram explodiram. O choque da explosão derrubou uma balança do outro lado da plataforma, a muitos metros de distância. A balança atingiu a demandante, causando-lhe lesões.”1 Depois incidente, ela começou a gaguejar.

A Sra. Palsgraf processou a Long Island Railroad, alegando negligência na forma como os funcionários da ferrovia ajudaram o homem a subir no trem e causaram a explosão dos fogos de artifício. Ela argumentou que, se não fosse pelos funcionários da ferrovia empurrando o homem com o pacote, este nunca teria caído e explodido e a balança nunca teria caído sobre ela. O caso levantou a questão fundamental de até que ponto uma pessoa pode ser responsabilizada por danos causados a terceiros quando não existe uma relação direta entre a ação inicial e os danos sofridos.

Palsgraf vence em primeira e segunda instâncias e a ferrovia recorre ao mais alto tribunal de NY, a Suprema Corte do Estado de Nova York. O tribunal decidiu por 4 votos a 3 a favor da Long Island Railroad, afirmando que a empresa não poderia ser responsabilizada pelos danos sofridos por Palsgraf. A decisão se baseou na teoria da causa próxima (proximate cause), argumentando que a ferrovia não poderia prever razoavelmente que a queda da caixa de fogos de artifício causaria danos a Palsgraf.

O juiz Cardozo, que mais tarde se tornaria juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, escreveu o voto da maioria e afirma que a ferrovia não é responsável pelos ferimentos de Palsgraf, porque seus ferimentos não foram uma consequência razoavelmente previsível da negligência da ferrovia.

Essa ideia de que um dever de cuidado só é devido a demandantes razoavelmente previsíveis passou a ser conhecida como o teste da zona de perigo (zone of danger test or rule). No caso, o pacote não parecia ser perigoso, então não era razoavelmente previsível pelos funcionários da ferrovia que suas ações levariam aos ferimentos de Palsgraf.

O juiz William S. Andrews, escrevendo pela dissidência, diz que um dever para com um é um dever para todos, o que significa que se a lesão puder ser atribuída ao ato ilícito, sem eventos intermediários, isso é suficiente para estabelecer a responsabilidade. Palsgraf não teria se ferido se o funcionário da ferrovia não tivesse empurrado negligentemente o passageiro, fazendo com que ele deixasse cair o pacote.

O caso Palsgraf é um marco no direito da responsabilidade civil americano. Uma série de fatores, incluindo os fatos bizarros e a excelente reputação de Cardozo, tornaram o caso famoso. Até os dias de hoje, ele segue sendo ensinado à maioria, senão a todos os estudantes de direito americanos nas aulas de responsabilidade civil.

O caso ajudou a estabelecer a ideia de causa imediata (proximate cause) como um limite da responsabilidade civil. Causa imediata significa que só se pode responsabilizar um réu por danos que sejam um resultado razoavelmente previsível do ato ilícito cometido pelo réu. Essa decisão influenciou a forma como os tribunais avaliam os casos de responsabilidade civil desde então.

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Coordenação

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio. Doutor em Direito Civil pela USP (2013-2016), com períodos de pesquisa na Ludwig-Maximilians-Universität München (LMU) e no Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, na Alemanha (2014-2015). Estágio pós-doutoral na Harvard Law School, nos EUA (2016-2017). Advogado e consultor jurídico.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Pedro Fortes é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM), Diretor Internacional do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela UFRJ e em Administração pela PUC-Rio, é DPHIL pela Universidade de Oxford, JSM pela Universidade de Stanford, LLM pela Universidade de Harvard e MBE pela COPPE-UFRJ. É coordenador do CRN Law and Development na LSA, do WG Law and Development no RCSL e do Exploring Legal Borderlands na SLSA. Foi Professor Visitante na National University of Juridical Sciences de Calcutá, Visiting Scholar na Universidade de Frankfurt e Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck de Hamburgo e de Frankfurt.

Thaís G. Pascoaloto Venturi, tem estágio de pós-doutoramento na Fordham University - New York (2015). Doutora pela UFPR (2012), com estágio de doutoramento - pesquisadora Capes - na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal (2009). Mestre pela UFPR (2006). Professora de Direito Civil da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP e de cursos de pós-graduação. Associada fundadora do Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil – IBERC. Mediadora extrajudicial certificada pela Universidade da Califórnia - Berkeley. Mediadora judicial certificada pelo CNJ. Advogada e sócia fundadora do escritório Pascoaloto Venturi Advocacia.