Direito Privado no Common Law

Fronteiras do Direito do Consumidor - Parte III

Na primeira coluna, foram tratados os deveres de informação. Na segunda coluna, fora abordadas as regras padrão. Agora vamos apresentar os limites de preços.

13/3/2023

Introdução

Em 18 de abril de 2017, Oren Bar-Gill fez uma palestra na Faculdade de Direito de Harvard intitulada "Fronteiras do Direito do Consumidor", por ocasião de sua nomeação como professor de Direito e Economia William J. Friedman e Alicia Townsend Friedman.

Passados cinco anos desde a palestra, o seu conteúdo segue sendo extremamente atual e de altíssima qualidade. Por isso, iniciei no fim do ano passado uma série de colunas para trazer esse material para o público brasileiro.

Na palestra, Oren Bar-Gill apresenta os pontos de partida do problema no direito do consumidor, que são informação e racionalidade imperfeitas. Para combater isso, ele apresenta quatro promissoras categorias de técnicas regulatórias que estão na fronteira da regulação dos mercados de consumo: (i) novos deveres de informação, (ii) regras padrão (default rules); (iii) limites de preços e (iv) a teoria contratual.

Na primeira coluna, foram tratados os deveres de informação, mais especificamente das divulgações inteligentes (smart discloures) e problema de falsa inferência e das divulgações voltadas ao Sistema 1. Na segunda coluna, fora abordadas as regras padrão. Agora vamos apresentar os limites de preços. 

Limites de preço (price caps)

Em um artigo publicado em 2015, Oren Bar-Gill analisa o uso de limites de preço em mercados com preços multidimensionais1. Este é um subconjunto muito grande de todos os mercados de consumo e contratos de consumo. É uma lista que inclui cartões de crédito, hipotecas, telefones celulares, viagens aéreas, hotéis. Em todos esses mercados, o preço é multidimensional. Portanto, não é como comprar uma caixa de leite no supermercado que tem apenas um preço. Em todos esses exemplos, o preço é multidimensional, com diferentes taxas, penalidades, tarifas e outros preços associados.

E em muitos desses mercados, legisladores em sentido amplo – podendo abarcar reguladores, legisladores em sentido estrito e até tribunais – podem decidir que um preço é muito alto e eles intervirão para limitar esse preço, para empurrá-lo para baixo. E isso já aconteceu, entre outros, no mercado de cartões de crédito, no mercado de hipotecas e no mercado de celulares.

Muitas vezes, esses tipos de intervenções são feitos por meio de imposição de limites de preços por parte dos reguladores. O problema, no entanto, é que quando se trata de mercados com preços multidimensionais, o fato de “empurrar” um preço para baixo não é o fim da história, mas apenas o começo dela.

Então imagine um mercado que tem apenas dois preços. Por exemplo, cartões de crédito que tenham um preço que é uma taxa anual e outro preço que é uma taxa de conversão de moeda. Imagine que a anuidade é baixa e a taxa de conversão da moeda é muito alta. E então o regulador intervém e "empurra", por meio do limite de preço, a taxa de conversão de moeda para baixo. O que se pode esperar que os bancos façam? Para compensar a perda, eles provavelmente aumentariam a taxa anual. E se é isso que acontece, então, o propósito dessa regulamentação, que é reduzir o preço total e o custo que os consumidores pagam, pode ser frustrado. Portanto, este é um motivo de preocupação ou, pelo menos, cautela sobre os limites de preço.

Mas Oren Bar-Gill sugere que, mesmo com esse problema, em muitos casos, o limite de preços é realmente benéfico. Os limites de preço podem realmente ajudar os consumidores. E para entender a razão disso primeiro é preciso compreender o esquema de precificação antes da regulamentação. Retomando o exemplo dos cartões de crédito, por que as taxas anuais eram baixas e as taxas de conversão de moeda altas? A razão era que as taxas anuais são muito “salientes” para os consumidores. E assim a concorrência se concentra nessa dimensão e “empurra” esse preço para baixo. As taxas de conversão de moeda, por outro lado, não são tão proeminentes. Elas são praticamente invisíveis para os consumidores e, portanto, os fornecedores acabam podendo elevá-las.

Agora, o que acontece quando temos uma regulação que reduz as taxas de conversão de moeda e as taxas anuais então sobem? O que acontece é que agora os consumidores têm uma noção muito melhor de qual é o verdadeiro custo desse produto ou serviço para eles. Antes da regulação, eles se concentravam em taxas anuais muito baixas, ignoravam as taxas de conversão de moeda e achavam que o produto ou serviço geral era muito barato. E os consumidores erroneamente utilizavam demais, adquiriam demais desse produto ou serviço. Agora que as taxas de conversão de moeda caíram e as taxas anuais aumentaram, eles agora têm uma noção melhor do verdadeiro custo do produto ou serviço. E mesmo que não se tenha uma redução geral no preço que os consumidores pagam, estes agora podem tomar decisões mais informadas e racionais. 

Conclusão

Em mercados com preços multidimensionais, a introdução de limites de preços pelo regulador pode ter a consequência adversa de levar a que os fornecedores compensem essa perda imediata com a elevação de uma outra taxa, fazendo com o preço global do produto ou serviço permaneça o mesmo ou até mais caro.

Apesar disso, em muitas situações a introdução de limites de preços pode ser uma medida benéfica, pois eles podem ser instrumentos para melhorar a percepção do consumidor acerca do real custo (global) de produtos e serviços. Isso ocorre quando o limite de preços é inserido em uma taxa menos "visível" para o consumidor e o fornecedor compensa essa perda elevando taxas mais salientes. Com isso, o valor real (global) do produto ou serviço fica mais visível para o consumidor e ele acaba se apercebendo do valor real (global) que está pagando por um determinado produto ou serviço. Apesar de nessa hipótese não ter havido redução do preço, o consumidor estará melhor informado e poderá tomar decisões mais racionais.

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1 BAR-GILL, Oren. Price Caps in Multiprice Markets. The Journal of Legal Studies, vol. 44, n. 2, June 2015.

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Coordenação

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio. Doutor em Direito Civil pela USP (2013-2016), com períodos de pesquisa na Ludwig-Maximilians-Universität München (LMU) e no Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, na Alemanha (2014-2015). Estágio pós-doutoral na Harvard Law School, nos EUA (2016-2017). Advogado e consultor jurídico.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Pedro Fortes é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM), Diretor Internacional do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela UFRJ e em Administração pela PUC-Rio, é DPHIL pela Universidade de Oxford, JSM pela Universidade de Stanford, LLM pela Universidade de Harvard e MBE pela COPPE-UFRJ. É coordenador do CRN Law and Development na LSA, do WG Law and Development no RCSL e do Exploring Legal Borderlands na SLSA. Foi Professor Visitante na National University of Juridical Sciences de Calcutá, Visiting Scholar na Universidade de Frankfurt e Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck de Hamburgo e de Frankfurt.

Thaís G. Pascoaloto Venturi, tem estágio de pós-doutoramento na Fordham University - New York (2015). Doutora pela UFPR (2012), com estágio de doutoramento - pesquisadora Capes - na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal (2009). Mestre pela UFPR (2006). Professora de Direito Civil da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP e de cursos de pós-graduação. Associada fundadora do Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil – IBERC. Mediadora extrajudicial certificada pela Universidade da Califórnia - Berkeley. Mediadora judicial certificada pelo CNJ. Advogada e sócia fundadora do escritório Pascoaloto Venturi Advocacia.