Direito Privado no Common Law

"Buy now, pay later": modelo americano de parcelamento de compras online e seu impacto no mercado brasileiro

"Buy now, pay later": modelo americano de parcelamento de compras online e seu impacto no mercado brasileiro.

6/9/2021

Tem crescido nos EUA, e também no Brasil, o interesse pelo modelo de pagamento chamado buy now, pay later (BNPL), que, em tradução literal, quer dizer "compre agora, pague depois". O sistema é também referido simplesmente por "crediário digital".

Expansão nos EUA

O modelo funciona por meio de plataformas que permitem que os seus clientes parcelem o pagamento do preço de produtos ou serviços. Nos EUA, elas têm atraído, sobretudo, os americanos mais jovens e com salários mais baixos, que buscam novas maneiras de comprar itens caros, como computadores e roupas de grife.

Esse modelo de negócio já existe nos EUA há anos, mas a demanda e o interesse dos investidores nas plataformas estão começando a aumentar. Segundo o canal CNBC (Consumer News and Business Channel), especializado em notícias de negócios e cobertura do mercado financeiro, em agosto passado, a empresa de pagamentos digitais Square anunciou que compraria a Afterpay em um negócio de US$ 29 bilhões. Em 30 de junho, a Afterpay atendia a mais de 16 milhões de clientes e cerca de 100.000 comerciantes.1

A Apple também parece estar interessada no modelo de negócio. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, a gigante americana estaria se unindo à PayBright da Affirm Holdings Inc. para lançar um programa de parcelamento para dispositivos Apple comprados no Canadá.2

A demanda por esse modelo vem, como referido, especialmente das gerações mais jovens, que estão se voltando para as várias plataformas BNPL em vez dos cartões de crédito tradicionais com altas taxas de juros. O canal CNBC entrevistou sete jovens usuários de plataformas BNPL e a maioria disse que foi atraída pela conveniência. Ao menos seis foram influenciados por amigos ou redes sociais e a maioria começou no ano passado.3

Como funciona?

As plataformas permitem que os usuários façam compras mais vultosas, como a de um novo MacBook, sem ter que desembolsar todo o valor à vista. Elas normalmente permitem que os usuários paguem em quatro prestações ao longo de um período de seis semanas. A maioria também oferece um aplicativo complementar ou plug-in de navegador da web para parear o pagamento com o site do comerciante.

As contas dos usuários das plataformas são normalmente vinculadas a um cartão de débito ou conta bancária, de onde os pagamentos são retirados automaticamente. Elas também mandam lembretes quando a data de um pagamento está chegando. À medida que um usuário faz mais compras dentro do prazo com a plataforma, seu limite de gastos aumenta.

Muitas plataformas não cobram juros dos clientes, lucrando principalmente com taxas dos varejistas e dos usuários por pagamentos atrasados.

Expansão no Brasil

O modelo BNPL também vem ganhando espaço no Brasil4. A pandemia trouxe milhões de novos consumidores ao comércio eletrônico e boa parte deles pode se beneficiar de novas formas de crédito para consumo, porque não tem, por exemplo, cartão de crédito ou tem com limite muito baixo.

O comércio online tem crescido e o modelo BNPL pode resolver um problema frequente das lojas virtuais: o alto volume de compras fechadas que são canceladas porque o consumidor desiste de pagar o boleto à vista. Estima-se que esse índice chega a cerca de 50% dos consumidores.

Há duas formas de proceder. O cliente pode enviar para a empresa BNPL o boleto de uma compra que quer fazer. Com isso, a plataforma analisa a compra e faz uma proposta de parcelamento. Daí, caso o consumidor aceite, a startup paga diretamente à loja e depois recebe do cliente o pagamento com juros.

Outra opção é o cliente navegar nas lojas virtuais em que a startup faz parcelamentos a partir do aplicativo. Na hora do fechamento da compra, o sistema identifica a ação e oferece o parcelamento da startup ao consumidor.

Os empresários reconhecem dois desafios para digitalização do crediário. De um lado, permitir que a compra seja rápida e fácil, para que o consumidor não desista. De outro, realizar uma avaliação adequada do risco de inadimplência do consumidor. Caso a concessão de crédito seja muito permissiva, depois de alguns anos a empresa pode acabar tendo de arcar com uma taxa de inadimplência muito alta. Para auxiliar com isso, o modelo se utiliza de inteligência artificial para avaliação do risco de crédito.

Perspectivas no Brasil

Em comparação com os EUA, há no mercado brasileiro uma diferença marcante que pode levar a distinções relevantes do modelo de negócio nos dois países: por aqui reina o parcelamento “sem juros” no cartão de crédito. No Brasil, quando alguém faz uma compra com cartão de crédito, normalmente já há a opção de parcelar o valor, parcelamento esse supostamente "sem juros".5

Essa nossa tradição do parcelado "sem juros" no cartão de crédito poderia, então, levar à impressão de que o modelo BNPL seria pouco relevante para o mercado brasileiro. Não é, contudo, o que tem ocorrido, uma vez que o segmento tem se expandido.

Por outro lado, é possível indagar se o modelo BNPL concorrerá com o nosso tradicional parcelado sem juros no cartão, competindo com as credenciadoras de cartões pelo mesmo nicho de clientes. Mais uma vez, não é o que tem ocorrido, uma vez que a adesão da clientela tem crescido sobretudo entre os consumidores "sem cartão de crédito ou com pouco limite para compras", exatamente aqueles que podem se beneficiar de outras formas de empréstimo para consumo.6

Como apontam os empresários do segmento BNPL no Brasil, "um perfil comum na empresa é o de pessoas que parcelavam compras no crediário de lojas físicas e, na pandemia, tiveram dificuldade de fazer compras."7 As startups do modelo BNPL parecem mais propensas, portanto, a concorrer com os varejistas que forneciam as suas próprias linhas de créditos aos consumidores.

No cenário atual, ainda de pandemia, é difícil prever qual será o impacto a longo prazo do segmento BNPL no mercado brasileiro. Após a pandemia, com o retorno à (nova) normalidade das interações presenciais, o cenário pode mudar. Contudo, sem dúvida o modelo já merece a atenção de consumidores e empresários. E na área jurídica, devem ficar atentos sobretudo os consumeristas e os reguladores do mercado de pagamentos.

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1 Disponível aqui. Acesso em: 2 set. 2021.

2 Disponível aqui. Acesso em: 2 set. 2021.

3 Disponível aqui. Acesso em: 2 set. 2021.

4 Disponível aqui. Acesso em: 3 set. 2021.

5 Sobre o parcelamento sem juros no cartão de crédito, ver a excelente obra "Repercussões jurídicas e econômicas do mercado de cartões de crédito", no prelo, de autoria de João Manoel de Lima Jr. et. al.

6 Disponível aqui. Acesso em: 3 set. 2021.

7 Disponível aqui. Acesso em: 3 set. 2021.

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Coordenação

Daniel Dias, professor da FGV Direito Rio. Doutor em Direito Civil pela USP (2013-2016), com períodos de pesquisa na Ludwig-Maximilians-Universität München (LMU) e no Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, na Alemanha (2014-2015). Estágio pós-doutoral na Harvard Law School, nos EUA (2016-2017). Advogado e consultor jurídico.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Pedro Fortes é professor adjunto de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM), Diretor Internacional do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela UFRJ e em Administração pela PUC-Rio, é DPHIL pela Universidade de Oxford, JSM pela Universidade de Stanford, LLM pela Universidade de Harvard e MBE pela COPPE-UFRJ. É coordenador do CRN Law and Development na LSA, do WG Law and Development no RCSL e do Exploring Legal Borderlands na SLSA. Foi Professor Visitante na National University of Juridical Sciences de Calcutá, Visiting Scholar na Universidade de Frankfurt e Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck de Hamburgo e de Frankfurt.

Thaís G. Pascoaloto Venturi, tem estágio de pós-doutoramento na Fordham University - New York (2015). Doutora pela UFPR (2012), com estágio de doutoramento - pesquisadora Capes - na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal (2009). Mestre pela UFPR (2006). Professora de Direito Civil da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP e de cursos de pós-graduação. Associada fundadora do Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil – IBERC. Mediadora extrajudicial certificada pela Universidade da Califórnia - Berkeley. Mediadora judicial certificada pelo CNJ. Advogada e sócia fundadora do escritório Pascoaloto Venturi Advocacia.