Direito e Mulher

Patentes e Justiça de gênero

Uma maior conscientização da importância do registro de patente assim como uma colaboração com a iniciativa pública e privada para a produção e comercialização de invenções de mulheres seria fundamental. Afinal, quem se beneficia de inovações depende de quem as inventa.

20/12/2023

Há pouco mais de cinquenta anos, em 1973, falecia a americana Beulah Louise Henry. Embora seu nome não seja muito conhecido hoje em dia, Beulah ainda detém o título de maior inventora dos Estados Unidos. Ao todo foram 49 patentes e 100 invenções creditadas a ela. Durante sua vida, Beulah se dedicou a desenvolver produtos e invenções para facilitar atividades do dia a dia tais como melhorar o abridor de latas (1956), a máquina de escrever (1941) e sombrinhas (1924). Sua história é realmente fascinante, mas o fato de que nenhuma outra mulher tenha conseguido superar seu feito nos últimos cinquenta anos também é fato notável sobretudo quando se leva em conta que no mundo inteiro são solicitados anualmente cerca de 3.46 milhões de pedidos de patentes. Onde estão as mulheres inventoras e qual é a relação entre a detenção de patentes e a igualdade e justiça de gênero?

Quando concedida, a patente dá direito a uma inventora ou titular o uso exclusivo da sua invenção por um período de tempo. Assim se faz a fama e também algumas fortunas como a do Jeff Bezos que possui por volta de 336 patentes no mundo inteiro e o Elon Musk que tem 8 famílias de patentes que focam o design de veículos, veículos autônomos e busca baseada em localização. Mas, a concessão de patente também determina o que é produzido e para quem. Por exemplo, as invenções e patentes de mulheres na área de biomédicas tendem a contribuir para questões de saúde das mulheres e crianças mais do que as patentes e invenções de sua contraparte masculina.

Nos Estados Unidos, em 2018, foram processados cerca de 656 mil pedidos de patente entre invenções e design industrial. E, em 2019, cerca de 3.34 milhões de americanos possuíam pelo menos uma patente. Segundo o relatório do Escritório Americano de Patentes e Marcas, nesse mesmo ano, as mulheres representavam apenas 13% do total de pessoas com patentes no país. Ou seja, embora tenha aumentado nas últimas décadas, o percentual de mulheres que detêm ao menos uma patente ainda está bem aquém da sua contraparte masculina. Dados para comparação dessa situação com o Brasil não estão amplamente disponíveis, mas tudo indica que a situação das mulheres seja igual ou pior.

Historicamente, o debate sobre patentes no Brasil tem sido guiado pela busca de uma estratégia desenvolvimentista para o país. No entanto, esse debate pode ser ampliado e também incluir fatores que promovam a inclusão de gênero e justiça social. Segundo o argumento econômico tradicional, a garantia do direito de propriedade industrial mediante patentes de invenção, criaria incentivos à oferta de invenções na sociedade e, consequentemente, o desenvolvimento econômico através de um mercado mais diversificado e competitivo. Considerando que as mulheres em termos acadêmicos, medidos por PhDs obtidos, já alcançaram os homens em diversas áreas e considerando também que o estudos econômicos atuais já demonstraram que a inclusão de gênero leva a melhores decisões empresariais e a maiores ganhos, não é justo, viável, nem estratégico deixar tantas mulheres fora da produção de invenções, desenhos industriais, programas de computador, tecnologias e outras atividades protegidas por patente.

Para propor um sistema de patentes mais inclusivo é preciso analisar as barreiras de acesso ao depósito de patentes por parte de mulheres. Uma delas é a informação. Tanto para divulgação quanto na forma de estudos e coleta de dados. Nos últimos anos, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) tem feito um bom trabalho para aumentar o acesso aos seus processos de depósito de pedidos de patentes que hoje podem ser feitos pelo seu website. Divulgar mais a sua missão e trabalho junto a sociedade, inclusive em áreas como escolas técnicas ou tradicionais, associações comunitárias e em regiões rurais seria um bom começo. Celebrar e dar destaque ao trabalho de inventoras também ajuda, assim como coletar dados específicos sobre a questão de gênero no registro de patentes.

Claro que nem todos os pedidos de patentes solicitados têm sucesso. Estudos feitos nos EUA avaliam que cerca de 97% dos processos de solicitação de patentes falham, caducam ou nunca são produzidos no mercado. Por quê? É caro obter uma patente. Nos EUA, o custo de uma patente varia entre US$8.000 e $20.000 sem contar as taxas de anuidade. No Brasil, o registro total padrão sem trâmite prioritário junto ao INPI e anuidades de R$2.265 e $22.460, respectivamente, é mais acessível, mas não para todos. O INPI já oferece alguns descontos que podem ser aplicados aos valores e anuidades a serem pagas, mas poderia incluir também alguns incentivos que motivam a contribuição específica de mulheres e outros grupos como comunidades indígenas e tradicionais.

Alguns estudos nos Estados Unidos apontam para o peso do viés de gênero entre avaliadores de pedidos de patentes que tendem a prolongar a avaliação e negar com mais frequência os pedidos feitos por mulheres. Esse viés discriminatório se dá sobretudo pela identificação do gênero do solicitante via o seu primeiro nome. Por exemplo, pesquisadores encontraram que mulheres com nomes femininos mais comuns tinham uma chance 8.2% menor de terem seus pedidos aprovados do que mulheres com nomes mais raros onde era difícil inferir o gênero da solicitante. Ou seja, as mulheres inventoras precisam superar um grau muito maior de escrutínio do que os homens. Para minimizar essa situação, sugere-se que o processo de avaliação dos pedidos de patente garanta uma certa anonimidade aos solicitantes.

Uma vez aprovada a patente, a invenção ou design ainda precisa ser produzida no mercado ou implementada na indústria. Estudos demonstram que as mulheres têm menos acesso a financiamentos para desenvolver seus projetos e, por isso, não são tão propensas a registrar ou comercializar suas ideias. A falta de recursos e apoios alimenta um ciclo vicioso. Por isso, uma maior conscientização da importância do registro de patente assim como uma colaboração com a iniciativa pública e privada para a produção e comercialização de invenções de mulheres seria fundamental. Afinal, quem se beneficia de inovações depende de quem as inventa.

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Colunistas

Denise de Almeida Andrade é doutora e mestre em Direito Constitucional. Pós- doutora em Direito Político e Econômico. Pesquisadora em Direitos Humanos, Gênero e Gestão de Conflitos. Professora do mestrado e graduação em Direito da Unichristus. Professora da FGVLaw - São Paulo. Líder do Grupo de Pesquisa Mulheres e Democracia.

Mônica Sapucaia Machado é advogada, doutora em Direito Político e Econômico, coordenadora do programa de mestrado em Direito, Justiça e Desenvolvimento do IDP e líder do grupo de pesquisa Mulheres e Democracia. Contato: monicasapucaia@sapucaiaegers.net