Ao lado do credenciamento, do procedimento de manifestação de interesse, do sistema de registro de preços e do registro cadastral, a pré-qualificação tem previsão expressa na lei 14.133, de 1° de abril de 2021, sendo considerada um dos procedimentos auxiliares que objetivam contribuir com maior eficiência no processo de contratações públicas. O reforço normativo trazido pela nova lei de licitações e contratações corrobora essa intenção, em que pese não se tratar de novidade, já que antes era prevista na lei 8.666, de 19931, embora em reduzido contexto de aplicação.
Grosso modo, a ideia por trás da pré-qualificação é a de que licitação posterior seja limitada aos produtos pré-qualificados que serão oferecidos por diversos fornecedores aptos à execução do serviço ou obra. Tem natureza de “um ato administrativo declaratório do preenchimento a requisitos determinados de qualificação técnica por um sujeito (subjetiva) e (ou) do atributo mínimo de qualidade de um objeto (objetiva)” (2012, p. 234).
Para nós, representa nada mais que uma verificação antecipada da qualificação relacionada ao sujeito ou ao objeto feita pela Administração Pública que nos induz a crer em ganhos de eficiência com sua utilização.
Esse procedimento auxiliar parece concretizar na prática o atingimento do princípio da eficiência, declarado na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, com maior amplitude nas contratações públicas. Exigindo, assim como sugere Loureiro (1995, p. 132), que a eficiência seja entendida ora como celeridade ora como economicidade2, tornando o trabalho o mais produtivo possível com menor dispêndio de tempo e custo possível. Distancia-se de um princípio da eficiência administrativa meramente decorativo (2002, p. 86) para refletir a força normativa inerente aos princípios constitucionais (1991, p. 27).
Na sua formatação objetiva, a pré-qualificação terá razão de ser nos procedimentos licitatórios que tenham como objeto não só uma aquisição, mas também, uma contratação de serviços e obras que envolvam o fornecimento de bem futuro, limitando-se à análise técnica e de qualidade e não das técnicas empregadas na obra ou serviço. Numa perspectiva subjetiva, pode abarcar alguns ou todos os requisitos de habilitação necessários à ulterior contratação.
De todo modo, a pré-qualificação antecipa a análise da qualificação relacionada ao sujeito ou ao objeto, o que torna desnecessária nova apresentação da documentação pertinente ao ponto específico em procedimentos licitatórios ou contratações administrativas futuras.
Uma só pré-qualificação, portanto, pode ser utilizada para diversas pretensões contratuais (pré-qualificação permanente). Evita-se repetições procedimentais desnecessárias e burocráticas, gerando redução de custos para a Administração Pública e para os licitantes. Nenhum exemplo, na nova lei de licitações e contratos, traz melhor acepção prática para o termo eficiência administrativa nas contratações do que esse procedimento auxiliar.
Nos termos do artigo 80, § 1º, da lei 14.133/21, quando a pré-qualificação for aberta a licitantes esses poderão ser dispensados da apresentação de documentos que já constarem do registro cadastral e, no caso de ser lançada para bens, poderá ser exigida apenas a comprovação de sua qualidade, inclusive com a exigência de apresentação de certificados e amostras de acordo com o caso concreto.
Poderá, ainda, a pré-qualificação subjetiva ser realizada em grupos ou segmentos, segundo as especialidades dos fornecedores, o que deverá levar em consideração a complexidade do objeto a ser contratado3.
Dessarte, a nova lei de licitações e contratos determina expressamente que o procedimento de pré-qualificação fique permanentemente aberto para a inscrição dos eventuais interessados em seu artigo 80, § 2º devendo ser publicado no Portal Nacional de Contratações Públicas o edital de pré-qualificação (art. 174, § 2º, inciso III).
De fato, com a pré-qualificação permanente, a Administração Pública pode produzir uma única aferição de condições de habilitação de potenciais fornecedores ou de exigências técnicas ou de qualidade de objetos pretendidos, o que resultará na possibilidade de sua utilização para vários procedimentos licitatórios, reduzindo-se significativamente a repetição de avaliações de habilitação ou da exigência técnica ou de qualidade dos bens de interesse do contratante.
A pré-qualificação poderá ser parcial ou total, contendo alguns ou todos os requisitos técnicos ou de habilitação necessários à ulterior contratação. Em todo caso, a Administração Pública contratante deve atentar-se à igualdade de condições entre os concorrentes4.
Quando a opção for pela pré-qualificação parcial, as licitações deverão exigir apenas a complementação dos requisitos de habilitação ou técnicos faltantes, devendo o interessado pré-qualificado juntar a documentação respectiva e não avaliada no procedimento anterior de pré-qualificação. Diferentemente, na pré-qualificação total será desnecessária nova apresentação da documentação já avaliada no procedimento auxiliar realizado anteriormente.
Nesses termos, quando a pré-qualificação for total, ou seja, relativa a todos os requisitos que possivelmente serão exigidos nos certames a seguir, possível se torna a realização de licitação restrita aos candidatos pré-qualificados, conforme as condições que forem estabelecidas no edital. Nesse caso, exsurge a necessidade de indicação, já no edital de pré-qualificação, da informação acerca da restrição dos futuros procedimentos licitatórios à participação exclusiva dos pré-qualificados.
Outro ponto de destaque diz respeito ao resultado da pré-qualificação. Uma vez identificada a inviabilidade de competição, a Administração Pública pode optar pela contratação direta, ou ainda, pela alteração da modelagem anteriormente eleita com a intenção de não restringir a competitividade.
Vê-se que a utilização do procedimento auxiliar de pré-qualificação, da forma como trazida pela lei 14.133, de 2021, para as diversas pretensões contratuais compatíveis, reforça a observância do princípio da eficiência administrativa. Demonstra ganhos tanto para a Administração Pública, que deixará de realizar procedimentos burocráticos dispendiosos, quanto para os licitantes, que não precisarão repetir a comprovação de sua qualidade técnica nos diversos certames que venha a participar.
Esse instituto não está diretamente vinculados a uma contratação específica, podendo ser utilizados para uma pluralidade licitações ou pretensões contratuais. Entender esse ponto é fundamental, pois permite que seja utilizado como meio para otimização e facilitação das contratações públicas.
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1 Artigo 114, hipótese em que foi estabelecido procedimento para a modalidade concorrência[1], que funciona como uma antecipação da parte do certame relacionada à aferição técnica dos interessados.
3 Artigo 80, § 6º, da Lei nº 14.133, de 2021.
4 Artigo 80, § 7º, da Lei n. 14.133, de 2021.
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GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002.
HESSE. Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.
LOUREIRO, João Carlos Simões Gonçalves. O Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares: Algumas Considerações. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, 1995.
SARAI, L. (org). Tratado da nova lei de licitações e contratos administrativos: Lei 14.133/21 comentada por advogados públicos. Salvador: Juspodivm, 2021.