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A resolução 591/24 do CNJ: Uma crítica à desumanização do direito de defesa e ao enfraquecimento da advocacia

Resolução do CNJ preocupa advogados por silenciar sustentações orais e fragilizar pilares da Justiça.

6/12/2024

Enfraquecer o direito de defesa e as prerrogativas da Advocacia é abrir uma fissura na própria estrutura da sociedade, pois onde o Advogado perde sua voz, a Justiça silencia, e com ela, os direitos de todos nós.

A resolução do CNJ e o futuro da advocacia: Um chamado à defesa do contraditório e da Justiça Humana

A recente resolução do CNJ, ao regulamentar o julgamento eletrônico e ampliar o uso de sessões virtuais assíncronas, apresenta-se como um avanço técnico inegável, mas carrega em suas entrelinhas o potencial de desfigurar a essência do direito de defesa e, consequentemente, o próprio papel da Advocacia no sistema de Justiça. Sob o pretexto de modernizar e agilizar o trâmite processual, essa norma desconsidera princípios fundamentais que sustentam a Justiça como instituição humanizadora e democrática.

A Advocacia não é apenas um elo funcional entre as partes e o Judiciário. É a voz que articula os anseios de quem busca a Justiça, construindo pontes entre o Direito e a realidade. A sustentação oral, em especial, transcende a formalidade processual. Trata-se de um espaço de diálogo, de exposição viva e direta de argumentos, em que o advogado, por meio da palavra, traduz sentimentos, explica complexidades e, sobretudo, sensibiliza os julgadores para além do texto frio das petições.

A Resolução, ao privilegiar julgamentos assíncronos e a substituição das sustentações orais em tempo real por gravações, coloca em risco a essência desse diálogo. A interatividade que caracteriza a sessão presencial ou síncrona – onde advogados e magistrados podem interagir, esclarecer dúvidas e ajustar estratégias conforme as reações percebidas – é suprimida em prol de uma eficiência que, em muitos casos, desumaniza o processo. O julgamento eletrônico, da forma como foi concebido, parece tratar a Justiça como uma engrenagem mecânica, onde a eficiência supera a busca pelo entendimento pleno e pela equidade.

Nesse contexto, as palavras do presidente eleito da OAB/SP, Leonardo Sica, trazem um alerta contundente. Em vídeo divulgado nas redes sociais, ele criticou duramente o novo modelo:

"A sustentação oral gravada é um faz de conta, é um escárnio ao direito dos advogados, dos cidadãos e também um escárnio à administração da Justiça. Por isso, a OAB vai ao Congresso Nacional, que é o local correto de uma discussão democrática sobre as regras processuais de julgamento. Vamos ao Congresso Nacional para defender os julgamentos com uso de tecnologia, mas para defender que os advogados tenham voz presente em todo julgamento, especialmente julgamentos de segunda instância, onde muitas vezes são julgadas apelações, matérias de fato. Enquanto isso, a OAB de São Paulo exorta a Advocacia para não enviar a sustentação oral gravada, para não aceitar essa determinação abusiva do Conselho Nacional de Justiça, até porque nós e nenhum cidadão somos obrigados a fazer ou deixar de fazer algo dessa importância sem que esteja previsto em lei. Isso tem que estar previsto em lei e nós confiamos que o Congresso Nacional garantirá as prerrogativas dos advogados e advogadas poderem falar nos Tribunais. Enquanto isso, conte com todo o apoio da OAB para garantir o seu direito de voz no Tribunal."

A mensagem é clara: a sustentação oral gravada não pode substituir a presença do Advogado nos Tribunais, sob pena de se reduzir o papel da Advocacia a um elemento acessório no processo. Essa postura não apenas desvaloriza o advogado, mas desrespeita a própria cidadania, que encontra no contraditório e na ampla defesa os pilares de uma Justiça equitativa.

A Resolução do CNJ também enfrenta um problema de legitimidade. Como ressaltado por Sica, a regulamentação de regras processuais dessa magnitude não pode ser realizada por via administrativa, mas exige discussão democrática no Congresso Nacional. Ao atropelar o devido processo legislativo, a norma coloca em risco a segurança jurídica e viola o princípio de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

Portanto, a luta não é apenas pela preservação das prerrogativas da Advocacia, mas pela garantia de uma Justiça que continue sendo um espaço de diálogo e humanização. A modernização do Judiciário deve ser acolhida, mas não às custas da despersonalização do processo e do enfraquecimento dos direitos fundamentais. A OAB, como defensora da sociedade e da democracia, deve liderar essa resistência, afirmando que a voz do advogado é, antes de tudo, a voz da Justiça.

A partir das falas do Ministro Luís Roberto Barroso, em 2 de dezembro de 2024, durante o 18º Encontro do Poder Judiciário em Campo Grande (MS), é possível refletir sobre a necessidade de uma Justiça mais humana, mesmo em um cenário de transformação tecnológica acelerada. Ele destacou que a tecnologia, quando utilizada de forma responsável, tem o potencial de promover avanços extraordinários no Judiciário, mas também alertou para os riscos de desumanização que podem surgir.

Barroso afirmou que a inteligência artificial pode transformar radicalmente a vida humana, aprimorando decisões judiciais e eliminando barreiras. No entanto, enfatizou que os riscos associados ao uso indevido, como deep fakes e sistemas bélicos autônomos, precisam ser cuidadosamente regulamentados. Essa dualidade exige que a modernização tecnológica seja acompanhada por uma reflexão profunda sobre seu impacto na dignidade humana e nos direitos fundamentais.

Além disso, sua fala sobre "preservar a liberdade de expressão enquanto combatemos o caos informacional" reforça a ideia de que a Justiça não pode ser apenas eficiente; ela deve ser justa e acessível, conectada com as necessidades reais da sociedade. Isso inclui garantir que as vozes humanas, como a dos Advogados, continuem sendo ouvidas de maneira plena, respeitando o contraditório e a ampla defesa.

Barroso nos lembra que estamos em um momento histórico no qual "mentir é errado – de novo". Essa afirmação ecoa no sistema de Justiça, que precisa ser um pilar de verdade, ética e humanidade, especialmente em um mundo cada vez mais digital e impessoal. Por mais que as decisões judiciais se tornem tecnológicas, elas devem permanecer profundamente humanas para que a Justiça continue sendo mais do que uma máquina de aplicar leis – um espaço de equidade, diálogo e compreensão.

Quando a tecnologia silencia a voz da Advocacia , ela não moderniza o direito, mas fragiliza os pilares da democracia e da dignidade.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.