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A vigilância das redes sociais e a intervenção da FTC: O futuro da privacidade digital em risco?

O texto discute as preocupações crescentes em relação à coleta de dados pessoais por plataformas de redes sociais e a ofensiva regulatória liderada pela Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC) para limitar essas práticas.

20/9/2024

Nos últimos anos, a transformação digital moldou uma nova era de conectividade, onde plataformas de redes sociais se tornaram parte integrante da vida cotidiana de bilhões de pessoas. No entanto, por trás da promessa de conexão global, esconde-se uma realidade cada vez mais preocupante: o uso indiscriminado e invasivo dos dados pessoais de usuários. Recentemente, essa prática entrou no foco das autoridades reguladoras, especialmente da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC), que lançou uma nova ofensiva contra gigantes da tecnologia. 

Segundo uma reportagem do The Guardian, a FTC está intensificando sua vigilância sobre as principais plataformas de redes sociais, investigando o impacto de suas práticas de coleta de dados. Essas plataformas são acusadas de monitorar de forma ostensiva as atividades dos usuários para fins comerciais, muitas vezes sem o conhecimento ou consentimento explícito das pessoas. As investigações revelam que empresas como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter têm ampliado suas capacidades de vigilância, utilizando algoritmos poderosos para monitorar o comportamento dos usuários em tempo real. 

O Mecanismo de Vigilância Comercial: Como Funciona 

Essas redes sociais dependem de algoritmos que rastreiam as interações dos usuários — desde o tempo gasto visualizando um post até os cliques em anúncios — para criar perfis detalhados de suas preferências e comportamentos. Essas informações, em seguida, são usadas para segmentar o público-alvo de forma altamente precisa, permitindo que anunciantes entreguem propagandas personalizadas, o que aumenta exponencialmente a rentabilidade dessas empresas. Embora essa prática seja amplamente conhecida e parte essencial do modelo de negócios das plataformas, o que está sendo cada vez mais criticado é a extensão e a intrusividade desse monitoramento. 

O problema vai além da publicidade direcionada. A FTC está investigando como essas plataformas utilizam dados pessoais para moldar o conteúdo que os usuários consomem. Esse uso sofisticado de vigilância algorítmica não apenas manipula o que as pessoas veem, mas também pode influenciar suas opiniões, emoções e comportamentos de maneiras que não estão claramente explicadas para os usuários. 

A Intervenção da FTC: Quais são os Próximos Passos? 

A ofensiva da FTC contra as práticas invasivas de vigilância representa um marco na batalha por privacidade digital. Segundo o artigo do *The Guardian*, a Comissão está pressionando por regulamentações mais rígidas que impeçam as plataformas de coletar dados sensíveis sem a devida autorização, ao mesmo tempo em que cobra mais transparência quanto ao uso dessas informações. 

Entre as propostas discutidas, a FTC pode exigir que as redes sociais limitem o uso de algoritmos que perpetuam a vigilância comercial, impondo maior clareza nas políticas de privacidade e, sobretudo, dando aos usuários mais controle sobre seus dados. Outra possibilidade é que a FTC obrigue as empresas de tecnologia a introduzirem ferramentas de consentimento mais explícitas e que essas sejam apresentadas de forma clara e acessível, não mais escondidas em longos e obscuros termos de uso. 

No entanto, essa intervenção não está imune a desafios. As gigantes da tecnologia possuem vastos recursos e poder político, o que pode resultar em uma longa batalha jurídica. Algumas dessas empresas já estão argumentando que suas práticas de coleta de dados são essenciais para a segurança, pois ajudam a identificar e combater fraudes, atividades ilícitas e conteúdos prejudiciais. 

O Impacto Global dessa Discussão 

A investigação da FTC pode marcar o início de um novo capítulo na proteção da privacidade digital, não apenas nos Estados Unidos, mas globalmente. Se a FTC for bem-sucedida em impor limites mais rígidos às práticas de coleta de dados, outros países podem seguir o exemplo, replicando essas medidas em suas jurisdições. Países como a União Europeia já têm regulamentações avançadas, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que busca assegurar maior controle dos usuários sobre suas informações pessoais. A discussão que está sendo gerada nos Estados Unidos com a FTC, no entanto, pode intensificar a pressão sobre outras nações, levando a uma maior harmonização de normas globais de privacidade. 

O uso de tecnologias digitais para vigilância comercial levanta questões fundamentais sobre os direitos dos indivíduos em um mundo hiperconectado. Até onde as plataformas podem ir em busca de maximizar seus lucros? A FTC e outras autoridades estão começando a traçar limites claros, mas a verdadeira batalha entre privacidade e lucro está apenas começando. 

Fonte: The Guardian. "Social media companies under surveillance, FTC warns." 19 set. 2024. Disponível em: The Guardian).

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.